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Opinião

A “concorrência” no mercado de refino do mediterrâneo europeu

Análise dos mercados de Portugal, Espanha e França aponta que o setor é oligopolizado: poucas empresas lideram seus mercados nacionais

Navio da Petrobras (Foto: Agência Petrobras)
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Desde o início das greves dos caminhoneiros, vários especialistas do segmento de petróleo e gás tem debatido quais seriam os instrumentos existentes para lidar com a alta dos preços dos derivados de petróleo no Brasil, notadamente do diesel. Uma alternativa apontada por grande parte dos analistas do setor é a abertura do mercado de refino para a entrada de novos atores, o que geraria uma maior concorrência no setor gerando uma espécie de “choque de eficiência”. Há por trás dessa premissa uma visão de que seria possível criar um mercado concorrencial no lugar do monopólio de facto administrado pela Petrobras.

Todavia, tal visão, até o presente momento, tem sido sustentada mais por estudos teóricos e carece de análises empíricas do setor de refino. Nesse sentido, um recente estudo liderado por Vladimir Klepikov sobre a indústria de refino no mediterrâneo europeu, publicado em 2018 na International Journal of Energy Sector Management, traz algumas conclusões interessantes em relação ao modo de funcionamento do mercado nessa região.

Ao analisar os mercados de Portugal, Espanha e França, entre 2005 e 2015, o estudo aponta que o setor é bastante oligopolizado, onde poucas empresas lideram seus mercados nacionais. As espanholas Repsol e Cepsa, a francesa Total e a portuguesa Galp detêm cerca de 85% do mercado de refino na região. As duas empresas espanholas possuem mais de 90% da capacidade de refino da Espanha, a Total de 60% da França e a Galp de 100% de Portugal. Com exceção das empresas nacionais, a única empresa estrangeira com participação relevante nessa região é a ExxonMobil que tem de cerca de 30% do mercado de refino francês.

Um outro aspecto importante levantado pelo mesmo trabalho é o recente crescimento do fator de utilização das refinarias desses países. Entre 2011 e 2015, esse fator aumentou de 74% para 85% e, segundo dados da British Petroleum (BP), ultrapassou a faixa de 88% em 2017.

O relatório financeiro da Exxon mostra que esse aumento se justificava, em primeiro lugar, pela maior demanda de óleo diesel, óleo combustível e querosene de aviação no mercado europeu. Em 2017, por exemplo, as importações de diesel desses três países somadas às da Alemanha superaram a faixa de um milhão de barril/dia.

Em segundo lugar, as novas regulações para o diesel marítimo bem como reversão dos spreads entre o petróleo pesado em relação ao leve redefiniram as condições econômicas das unidades de conversão, impulsionando uma maior utilização das refinarias da região.

Essa breve análise poderia sinalizar a existência um setor de refino “mais concorrencial” na França em relação aos outros dois países. No entanto, seria precipitado sustentar tal afirmação a luz das mudanças ocorridas no país desde 2011.

De lá para cá, quatro refinarias na França foram fechadas, sendo duas da Petroplus, uma da LyondellBasell e uma da Total. Com isso, ao invés de uma maior concorrência, houve uma saída de duas empresas privadas (a Petroplus e a LyondellBasell) do mercado francês e, ao mesmo tempo, uma maior concentração da capacidade de refino nas mãos da Total, que saiu de 54% em 2011 para 60% em 2017. Esse processo ocorreu simultaneamente à ampliação do fator de utilização das refinarias da França, que saltou de 81% para 92% no mesmo período.

Essas mudanças se relacionam, como já apontado em outro texto dessa mesma CartaCapital, com a capacidade de coordenação do Estado francês sobre a atuação da Total. Naquela ocasião, lembramos que “o governo [francês] aceitou reduzir fortemente sua participação na Total desde que mantivesse o poder de veto caso qualquer venda de capital afetasse os interesses nacionais. (…) e estabeleceu uma forte regulação para garantia de estoques a fim de atender toda a demanda doméstica gerida pelo Comité profissionnel des stocks stratégiques pétroliers (CPSSP)”.

É provável que, por um lado, a tendência de queda do consumo de derivados tenha impulsionado a saída da Petroplus e da LyondellBasell do mercado de refino francês, mas, por outro, o crescente déficit em diesel tenha motivado uma expansão no fator de uso das refinarias da Total para além da média nacional de 92%, tendo em vista que as da Exxon estavam operando com cerca de 85% da sua capacidade.

Assim como a Total, a Repsol e Galp também apresentam uma trajetória similar, isto é, surgem como empresas estatais de petróleo e gás e seus processos de privatização somente são levados a cabo com a manutenção do controle e regulação dos respectivos Estados Nacionais.

Essa sucinta descrição dos mercados de refino do mediterrâneo mostra que, na prática, há um oligopólio na região, com monopólios nacionais nos mercados espanhol e português e mais importante: no momento de mudanças abruptas no setor os Estados Nacionais, por intermédio dessas empresas, coordenam ações e medidas para lidar com elas, pelo menos no curto prazo. Nesse sentido que a Total, a Galp e a Repsol, por exemplo, preservam a sua atuação de forma verticalizada no setor de petróleo e gás.

Evidente que existem mercados mais ou menos concorrenciais, a depender da forma de organização da indústria de refino, da relação entre oferta e demanda, da existência ou não de reservas de petróleo entre outros aspectos. No entanto, parece ser um tanto equivocado atribuir à organização do setor de refino brasileiro um isolamento em relação a outros modelos existentes na indústria global desse segmento.

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