Ricardo Galvão

Cientista, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

Opinião

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A ciência como norte

O Brasil precisa de uma agenda de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento industrial

Imagem: Tomaz Silva/ABR
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Faltam agora poucas horas para a eleição que vai definir os novos rumos do País em 2023. Se tudo seguir como apontam as pesquisas, teremos uma fundamental mudança de governo e colocaremos fim ao negacionismo presente nos últimos quatro anos.

Foram inúmeras as ações em detrimento da ciência levadas a cabo pelo governo Bolsonaro, que reduziu verbas e comprometeu o trabalho de pesquisadores e cientistas em todo o País. A mais recente dessas atrocidades foi a Medida Provisória nº 1136/22, que limitou o acesso aos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico até 2026. Isso mesmo após a Câmara e o Senado aprovarem uma lei no ano passado proibindo o contingenciamento das verbas desse fundo. Atitude que não surpreende, mas não podemos deixar de nos indignar e lamentar mais esse absurdo.

De todo modo, sabemos que os desafios serão imensos. Para o próximo ano será preciso construir uma agenda verdadeiramente baseada na ciência e na pesquisa que vá muito além da simples troca dos achismos e crenças que prevaleceram neste triste e inconsequente governo Bolsonaro. É fato que qualquer mudança deverá ser para melhor, mas isso não é garantia de que haverá um olhar que efetivamente contemple a adoção de políticas públicas fundamentais para tirar o Brasil de um atraso que vem de muito tempo.

O que tenho visto ao longo da minha vida profissional e acadêmica é que os indivíduos parecem muito mais inclinados a resistir aos fatos, o que fatalmente vai impedir que seja feito um esforço conjunto capaz de mudar a realidade. Nesse sentido, o Poder Executivo, juntamente com o Congresso, precisará atuar para construir uma agenda científica e industrial para o País. Para isso, também será necessário, além de parlamentares preparados, estabelecer canais de diálogo com as áreas acadêmica e científica fornecedoras das informações vitais para o estabelecimento dessas políticas. Será preciso eleger deputados e deputadas federais e senadores e senadoras comprometidos com o desenvolvimento, e não políticos com visão limítrofe e de base puramente cartorial capazes de atender apenas a interesses menores e localizados, sem uma compreensão do todo.

Basta ver a atual composição da Câmara e do Senado. Quantos desses parlamentares, homens ou mulheres, conseguem entender efetivamente a dimensão do cargo que ocupam? Sem essa compreensão, a tarefa de debater o interesse maior de brasileiros e brasileiras torna-se algo muito difícil ou, arrisco dizer, praticamente impossível. O que em geral tem ocorrido é que os nossos grandes projetos não passam por discussões aprofundadas, o que torna perigoso tomar decisões importantes de maneira rasa e, consequentemente, sem uma correta avaliação quanto aos seus resultados, que podem acarretar enormes prejuízos para a sociedade brasileira.

Ações e projetos executados sem o devido planejamento podem ser até mais danosos do que um determinado problema inicial

Podemos citar, entre outros, o açodamento na corrida para solucionar problemas como crises hídricas e energéticas. Muitas decisões tomadas nos últimos anos buscaram resolver pontualmente o problema sem levar em conta os prejuízos financeiros e ambientais causados a longo prazo. Nesse sentido, é sempre bom lembrar o acirramento dos fenômenos climáticos extremos que têm aumentado em proporção dramática. Exemplos não faltam, como secas extremas e inundações cada vez mais frequentes, que, além de destruir patrimônios e a economia de inúmeras cidades do Sul ao Norte, ainda têm ceifado vidas e causado muita dor a famílias inteiras, como se não bastasse toda a nefasta herança deixada pela pior crise da saúde dos últimos cem anos, em razão da pandemia do Coronavírus.

Tudo isso nos leva à reflexão de que ações e projetos executados sem o devido planejamento podem ser até mais danosos do que um determinado problema inicial que se tentou resolver. Agir sempre com visão de curto prazo, buscando de maneira atribulada soluções pontuais e imediatistas, na maioria das vezes pode resultar no acirramento das questões que se tentou consertar. Em seu lugar devem ser contempladas Políticas Públicas com Pês maiúsculos, bem sedimentadas, discutidas e que tenham como norte essencial o bem comum e sejam justas, inclusivas e sustentáveis.

Portanto, um maior protagonismo da ciência e dos cientistas na elaboração dos planos para a construção do futuro é muito desejado e urgente. É por meio da ciência e da pesquisa, ou seja, do conhecimento aprofundado, que teremos condições de encontrar as respostas para os problemas mais importantes do País, tanto aqueles ambientais que destacamos aqui, mas também em tudo que interesse à sociedade brasileira, sem amarras ideológicas ou de origem em achismos, crenças e informações falsas ou distorcidas.

Ao mesmo tempo, é importante que nós, que temos nos dedicado à atividade de pesquisa e à ciência, sejamos capazes de nos comunicar melhor com a sociedade, explicando de um modo compreensível os métodos científicos utilizados e seus objetivos.  Reside exatamente dessa compreensão o fundamental apoio dos cidadãos para o sucesso das ações baseadas na ciência, reduzindo assim resistências e ampliando as possibilidades de sucesso.

Desejo que esse modus operandi prevaleça em 2023 e que a informação de qualidade, os dados e a ciência estejam acima das ideologias retrógradas que tanto mal têm feito ao Brasil nesses últimos tempos. •


*Ricardo Galvão é cientista, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e candidato a deputado federal pela Rede em São Paulo.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1228 DE CARTACAPITAL, EM 5 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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