Opinião

A chance de um outro fazer federativo

Um modelo paulofreiriano de relacionamento entre os entes federados e a burocracia federal é urgente – e talvez a tão desgraçada emergência no RS tenha sido capaz de indicar o caminho

A chance de um outro fazer federativo
A chance de um outro fazer federativo
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministro-chefe da Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta. Foto: Ricardo Stuckert / PR
Apoie Siga-nos no

“Sob o imperialismo, a burguesia latino-americana se converte numa engrenagem do sistema capitalista mundial”
Florestan Fernandes

Para isso, a mesma burguesia irá construir um arcabouço que legitime as posições dela junto à opinião pública.

Um dos mecanismos mais potentes desse aparato serão os meios de informação, que, no caso, são meramente de propaganda.

A ‘Falha’ de S. Paulo traz dois exemplos eloquentes, em uma única semana, do que seja um meio de comunicação a serviço do capital: ao noticiar o lançamento do Plano Safra, pelo presidente Lula, a foto que escolheu para ilustrar a notícia é simplesmente horrenda, causando repulsa natural, pois enquadra uma abóbora manchada na frente do rosto do presidente, o que lhe dá aspecto monstruoso.

Trata-se de mau gosto só atribuível à burguesia paulista, vulgar, para dizer o mínimo.

Entretanto, segue à risca o manual de redação da CIA, que determina: ao ser obrigado a dar uma notícia positiva sobre seu oponente, traga junto uma imagem pavorosa, pois, como é sabido, a fotografia vale mil palavras.

A outra investida do provinciano pasquim ocorreu no campo externo: ao noticiar que a Frente Ampla, de esquerda, do Uruguai vencera as eleições primárias, a ‘Bolha’ não resistiu e subtitulou algo como: “na contramão do mundo”.

Isso, no dia seguinte da vitória da esquerda na Nova Frente Popular na França! Nem revisor o jornalzinho tem! A burguesia paulista não apenas é burra, mas também sovina, é forçoso concluir.

No entanto, a extrema-direita nacional tem motivos para comemorar: a congênere europeia acaba de criar o bloco “Patriotas pela Europa”, não sem o incentivo e o aplauso dos nazifascistas locais (que, porém, são vistos como sub-raça pelos de lá).

O referido agrupamento de partidos de extrema direita constituirá o terceiro maior bloco parlamentar do Parlamento Europeu, com 84 parlamentares de vários países da Europa Ocidental, o que não é dizer pouco…

Por aqui, uma boa notícia em política externa: o Brasil ratificou acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a Autoridade Palestina. Para os amantes do azeite extravirgem, de verdade, não poderia ser mais alvissareira a novidade. Aliás, a qualidade da produção agrícola palestina é notável, inclusive em virtude, em pequena parte, à cooperação brasileira, durante os governos Lula e Dilma.

Sobre o Rio Grande do Sul, graças a Deus, as coisas vão melhorando, em vários sentidos.

Em primeiro lugar, pela prática ter aberto uma brecha histórica na teoria: a presença de um ministro, residindo no estado, faz toda a diferença na coordenação dos esforços de recuperação.

Isso não é menor e constitui uma inovação no centralismo da cultura política brasileira, que, à direita está influenciada pelo militarismo, e, à esquerda, pela necessidade histórica da URSS de não permitir que as culturas locais se tornassem preponderantes. A atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia não escapa daquela consequência histórica.

Portanto, inaugura-se para o Brasil a possibilidade de um outro fazer federativo, mediante presença maior e mais qualificada do governo federal nos estados, interagindo de forma mais intensa e produtiva, conhecendo melhor as culturas locais e tirando a burocracia de Brasília de uma forma estéril e padrão de governo.

Por outro verso, mas na mesma lógica, está o estado de Santa Catarina: por que a extrema-direita se concentra tanto lá? Sempre foi assim? Por que não admitimos culpa em buscar entender melhor aquela cultura?

Para quem já trabalhou em Brasília, fica evidente a limitação da burocracia com relação ao conhecimento dos estados da federação.

Advogar um modelo paulofreiriano de relacionamento entre os entes federados e a burocracia federal é mais do que necessário: é urgente e talvez a tão desgraçada emergência no RS tenha sido capaz de modificar aquele padrão de relacionamento, quiçá para sempre e em enorme proveito de todo o Brasil.

Em Pensando com Florestan Fernandes, da Série Realidade Brasileira, edição da Escola Nacional Florestan Fernandes, somos confrontados com a enorme atualidade do pensamento do sociólogo, alertando para a necessidade de pensarmos o novo, sem acomodações fáceis:

“Dadas certas essas condições, o que depende dos próprios socialistas para que o seu movimento se consolide, se irradie e, através das massas populares e das classes trabalhadoras, se converta em força política revolucionária? Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o paraíso da contrarrevolução (da contrarrevolução mais elementar e odiosa: a que impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). Hoje, mais do que nunca, ela continua a ser o paraíso da contrarrevolução, só que, agora, conjugando o ‘terrorismo burguês interno’ com o ‘terrorismo burguês externo’. Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas), devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta, em suma, bateram-se pela democracia-burguesa, como se fossem os campeões da liberdade…

Estamos em situação histórica melhor, com um partido de centro-esquerda governando o país, assim como em outras nações da América Latina e do Caribe.

Contudo, o chamamento de Florestan Fernandes é para que não nos esqueçamos de onde viemos, para aonde vamos e qual as forças que ontem, hoje e sempre se opõem à nossa liberdade, tão dura e parcialmente conquistada.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo