Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A censura na Unicamp e arte de fazer do arbítrio uma defesa da democracia

A mobilização da esquerda estudantil arrogou a si o poder de decidir quem deve ou não falar. Não se trata apenas de autoritarismo. Trata-se, antes de tudo, de estupidez

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Não faz muito tempo. Foi em 13 de novembro de 2017 lá na minha eterna casa, a Universidade Federal da Bahia. Um grupo de alunos se reuniu e resolveu marchar em direção ao Pavilhão de Aulas da Federação (PAF III) com o propósito de impedir a exibição do filme O Jardim das Aflições, de Josias Teófilo, sobre o guru da extrema-direita brasileira, Olavo de Carvalho.

Qualquer semelhança com o que aconteceu na quarta-feira passada na Unicamp não é mera coincidência. Tratou-se de mais uma de tantas manifestações e atitudes arbitrárias e totalitaristas de certa militância estudantil de esquerda. Um dos tantos recibos produzidos em série sobre a baixíssima vocação desse tipo de ativismo com princípios os mais elementares de cidadania democrática.

A quem falta a informação, na quarta-feira passada, candidatos do Partido Novo, dentre eles Fernando Holiday, vereador por São Paulo e conhecido por sua militância no Movimento Brasil Livre, foram impedidos de dar uma palestra na Unicamp. Os membros da mobilização censora arrogaram a si o poder de decidir quem deve ou não falar dentro da universidade, que ideias podem ser defendidas nela e quais posições e opiniões são autorizadas a circular pelo campus.

Não se trata apenas de arbítrio e autoritarismo. Trata-se, antes de tudo, de estupidez, de uma compreensão completamente dogmática e distorcida de qual deve ser o papel da universidade. Trata-se de converter uma noção primordial da livre circulação de ideias e fomento do debate público diverso e plural em campos de concentração do proselitismo político e do dogmatismo ideológico.

Retomemos o caso que abre essa coluna. O documentário O Jardim das Aflições é um ótimo documentário. Tanto na forma quanto no conteúdo. Na forma porque tem um belo trabalho de edição, um bom cuidado com os enquadramentos, iluminação e produção sonora. No conteúdo porque, ainda que tenha sido tecido com intenções de tributo e veneração, é muito honesto em deixar o personagem se autorretratar. O resultado não poderia ter sido melhor nesse aspecto: não sobram dúvidas do tamanho do charlatanismo que constituía o personagem de Olavo de Carvalho.

Suas falas, comportamentos e atitudes evidências de um amontoado de bobagens pseudofilosóficas, embaladas em contorcionismos retóricos e péssimos floreios verbais — típicos de um notório vigarista.  Dito de outro modo, O Jardim das Aflições oferece uma oportunidade única a quem busca confrontar as asneiras ditas por Carvalho com um mínimo de inteligência, atenção aos fatos e bom senso.

Mas, não. A militância censora já havia decidido que, se tinha Olavo de Carvalho e gente de direita promovendo a exibição do filme, sua missão era livrar a universidade daquele mal — passando, inclusive, recibo de falta de inteligência pela incapacidade de confrontar o adversário no campo das ideias e ao equivaler à qualidade de um filme às qualidades de seu personagem. Um ato que carrega, além do autoritarismo, um tanto de covardia.

O mesmo se deu no caso da Unicamp. Não á bons argumentos contra a ideia de que as universidades públicas deveriam cobrar mensalidade — tão defendida pelo MBL e outros lutam pelo Estado mínimo para os outros e o Estado máximo para os de sempre? Os estudantes da universidade precisam ser protegidos desses feiticeiros de direita? Não possuem inteligência suficiente para pensar por si?

Escrevo com a tranquilidade plena de quem não tem qualquer afinidade ou simpatia pelos moleques do MBL ou pelo Partido Novo. Bem ao contrário, na verdade: onde essa gente estiver, eu estarei do lado oposto em termos morais, políticos e ideológicos.

E isso significa estar do lado oposto das táticas de manifestação que esses sujeitos empregam ao menos desde 2013. Essa garotada do MBL se notabilizou politicamente por ter convertido repertórios de protestos típicos de grupos à esquerda às suas próprias causas. Invadindo (e filmando, sempre) palestras de organizações de esquerda, como do MST; invadindo exposições  de arte; provocando e agredindo manifestantes de esquerda em protestos de rua; inibindo e suprimindo vozes de militantes de movimentos sociais em eventos diversos; patrulhando, agredindo e ofendendo adversários em redes digitais. A lista de “paródias” é longa. Mudam os alvos, permanecem as ferramentas.

Mas, obviamente, a militância estudantil de esquerda que se concede o direito de arbitrar sobre o que deve ou não deve ser dito dentro da universidade se defende alegando a defesa da democracia. Exatamente como fez (e ainda faz) a extrema-direita quando quer defender os seus arbítrios: em nome do combate à ameaça comunista, lulista e petista, atacam os princípios democráticos mais elementares em nome da mesma (e pobre) democracia. Vamos mal.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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