Paulo Artaxo

Cientistas e pesquisador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP.

Opinião

A carta do embaixador e os desafios para o Brasil na COP30

Em um cenário de crise do multilateralismo, a conferência em Belém precisa avançar na transição energética e no financiamento climático

A carta do embaixador e os desafios para o Brasil na COP30
A carta do embaixador e os desafios para o Brasil na COP30
André Corrêa do Lago, presidente da COP30. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, divulgou uma extensa carta em que explicita os princípios que deverão guiar a atuação do governo brasileiro na conferência. O documento faz um chamado a todos os países para o trabalho conjunto contra a mudança climática, em uma abordagem multilateral. Destaca que a COP30 será a “COP da Implementação”, marcando a fase “pós-legislativa” do Acordo de Paris, cujo livro de regras foi finalizado no ano passado em Baku, abordando temas fundamentais, como a definição dos mercados de carbono, pondo o foco em uma transição energética justa, adaptação climática, forte mitigação de emissões e financiamento equitativo para os países em desenvolvimento.

O documento também reconhece que a COP30, em Belém, acontece em um momento crítico, em que a crise climática “chegou à nossa porta” e deve ser tratada como a emergência que é. Paralelamente, o cenário internacional se mostra desfavorável à cooperação entre países, com o multilateralismo enfrentando sua maior crise em 50 anos, em meio a um novo posicionamento do governo americano e à escalada de tensões internacionais. O embaixador Corrêa do Lago afirma que, ao reconhecermos nossa interdependência na luta contra a mudança climática, devemos entender que a comunidade internacional só será tão forte quanto seu elo mais fraco. Ou seja, ou todos atuamos coordenadamente, ou o barco pode afundar — e a palavra-chave aqui é multilateralismo. O esforço deve ser coletivo, voltado para um bem comum: a estabilidade do sistema climático global, do qual todos dependemos.

A COP28, em Dubai, reconheceu explicitamente, em sua declaração final, a necessidade da eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A COP30 terá a responsabilidade de avançar nesse tema central, acelerando a transição energética e o fim da exploração e do uso desses combustíveis, raiz da crise climática.

A conferência deverá se concentrar em três prioridades:

  • Implementar mecanismos para uma transição energética justa e equitativa, eliminando progressivamente a exploração e o uso de combustíveis fósseis;
  • Retomar o multilateralismo como ferramenta essencial para a viabilização de soluções globais;
  • Criar e implementar estratégias eficazes de financiamento climático para países em desenvolvimento.
  • Essas prioridades devem ser conduzidas com base nas recomendações da ciência, sem ceder a pressões de setores econômicos específicos ou disputas geopolíticas, que têm dominado as discussões nas últimas COPs.

Uma das questões mais sensíveis nesses debates é o financiamento climático. Deve-se enxergá-lo como um investimento de alto retorno em estabilidade econômica global e segurança climática. Aos países em desenvolvimento caberá a apresentação de planos de descarbonização críveis, condicionados ao recebimento de financiamento. Esse financiamento, por sua vez, deve ocorrer majoritariamente na forma de subsídios públicos — e não empréstimos — para evitar o endividamento de nações pobres. A meta é alcançar  1,3 trilhão de dólares anuais em recursos climáticos, garantindo uma chance real de limitar o aquecimento global a menos de 2°C.

No que diz respeito à transição energética, é importante destacar que, no Brasil, os custos da geração solar e eólica já são inferiores aos da geração baseada em petróleo ou gás natural. O país possui vantagens estratégicas expressivas, com 85% de sua matriz elétrica composta por fontes renováveis, sendo 60% provenientes da hidroeletricidade. Esse cenário favorece a integração das energias solar e eólica, cujas variações podem ser compensadas pelo sistema interligado de distribuição elétrica, que cobre praticamente todo o território nacional. Além disso, a produção de biocombustíveis auxilia na descarbonização do setor de transportes. Em contraste, no cenário global, os combustíveis fósseis ainda dominam 81% da geração elétrica. Alterar essa realidade demandará investimentos substanciais.

Por fim, é fundamental reconhecer que o Brasil está entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Uma parcela significativa do PIB nacional provém da agropecuária, setor altamente dependente das chuvas e das condições climáticas. A redução das precipitações e sua distribuição irregular, tanto no tempo quanto no espaço, impõem desafios imensos ao país e ameaçam sua posição como potência na produção de alimentos.

Os desafios da COP30 são enormes, mas a competência dos negociadores brasileiros pode fazer a diferença na busca por soluções concretas para um futuro mais sustentável. O encontro representa uma oportunidade crucial para avançar na implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, consolidando-se como um marco essencial na luta global contra a crise climática.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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