Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

A árvore da felicidade

No princípio, era uma grama bem aparada, alguns coqueiros e uma árvore, ainda magrinha, dessas que a gente acha que não vai vingar. Mas vingou

Foto: Alberto Villas
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Moro aqui neste prédio na Lapa desde o século passado. Falando assim, parece que tem cem anos. Não, mas são mais de vinte e cinco. Fomos talvez um dos primeiros moradores do Edifício Sorriento. Chegamos aqui, cheirava a tinta.

Minha filha mais nova, a Marilia, foi feita e nasceu aqui. Junto com ela, cresceu o jardim do nosso prédio. Moramos no segundo andar e o jardim fica pertinho da gente, dá pra sentir o cheiro do verde.

No principio, era uma grama bem aparada, alguns coqueiros e uma árvore, ainda magrinha, dessas que a gente acha que não vai vingar. Mas vingou.

Marilia foi crescendo, passou a comer papinha, nasceram os dois primeiros dentinhos, engatinhou, andou. Com ela, a árvore. A cada passo que nossa filha dava, a gente olhava lá fora e via os galhos se abrindo, quase a olhos vistos.

Ela foi tomando conta do espaço e, de repente, cobriu todo o parquinho, escondeu a guarita, que já não dava mais pra ver daqui de cima. Ficou tão grande que encobriu a fachada do Hospital Sorocabana, que fica bem em frente ao Sorriento.

Além disso, trouxe frescor e sombra pro nosso apartamento, amenizando o sol forte da tarde e o toró, quando vem na horizontal.

Na seca, um mês sem chuva, tinha vontade de descer com o meu regador pra molhar o jardim, principalmente a árvore que ficava com as folhas enroladinhas de tanto calor, mas nunca precisou, elas resistiam à vida seca, sem o menor problema.

Marilia ficou adulta e a árvore também. Teve um ano que uma sabiá começou a fazer o seu ninho num dos galhos e eu acompanhei toda a obra. Colocou seus ovinhos, nasceram os filhotinhos e eu ficava daqui de cima aflito, vendo aquele galho balançar com o vento, mas o ninho lá, firme e forte. O filhotinho só queria comida e a sabiá não deixava faltar.

De vez em quando, eu coloco os cotovelos no parapeito da varanda e fico admirando aquela área verde que passou a fazer parte da nossa vida.

Até que um aviso no elevador anunciou que todo o jardim seria retirado, inclusive a árvore, porque estava tendo um vazamento na garagem. Era preciso trocar a manta, permeabilizar todo o espaço.

Apesar de o aviso informar que a árvore seria removida com todo cuidado para ser reaproveitada, eu não acreditei. Ela já não tinha idade para suportar um procedimento desses.

Como a obra não começou, fiquei mais aliviado. Até que um novo aviso entrou no ar na televisão do elevador. A obra não tinha começado porque era preciso autorização da prefeitura para a retirada dela, tamanho o seu tamanho e esplendor.

Passaram uns vinte dias e eu fiquei aqui torcendo, pela primeira vez, para a burocracia do prefeito Ricardo Nunes ir empurrando a história com a barriga.

Ontem, as máquinas chegaram e começaram o trabalho. Os coqueiros e o pinheirinho que servia de árvore de Natal todo dezembro já foram embora, não sei pra onde. Ainda não começaram o procedimento de retirada da árvore, mas esse dia há de chegar, eu sei.

Será que ela será substituída por uma outra, magrinha, magrinha? Quando ela ficar enorme, bonita, frondosa, eu vou estar com cem anos e nem sei se estarei enxergando direito.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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