A anti-geografia do governo Bolsonaro

Sucateamento do Censo Demográfico produzirá efeitos negativos em toda a população

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP

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Na contemporaneidade, pensamos a Geografia enquanto a ciência que estuda a relação sociedade-natureza, distinção essa que só existe na epistemologia européia, já que partindo de saberes ancestrais dos povos originários de América e de África, podemos nos enxergar enquanto um: humanos e o meio-ambiente.

Mesmo ainda inseridos no sistema geocolonial – chamado por Milton Santos de globalização – no papel de periferia do capitalismo contemporâneo, dentre as possibilidades, a informação geográfica se faz cada vez mais necessária. Sobretudo observadas as tendências das TIC, é vital ao Estado produzir informações sobre sua população.

No documentário “O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, o advogado e geógrafo afrobrasileiro, entrevistado por Silvio Tendler em 2001, afirma ser a clarividência uma virtude adquirida através do estudo. A contrassenso, como parte de um projeto, além dos sucessivos ataques às universidades públicas, a anti-Geografia do governo Bolsonaro se evidencia através de alvos como MMA e IBAMA e INPE nos últimos anos, no intuito de “passar a boiada”.

Seu último alvo, o IBGE, sofreu corte de orçamento em 90%, dispondo de aproximadamente 4% do orçamento previsto para o censo. Este estudo será uma ferramenta importante ao diagnóstico dos impactos da pandemia da COVID-19. Partindo disso, será possível modelar prognósticos, dando suporte à tomada de decisão.

Um exemplo desse potencial é a “Nota Técnica – Distribuição desigual dos casos, óbitos e letalidade por SRAG decorrentes da COVID-19 na Cidade do Recife”, assinada pelos professores Jan Bitoun (UFPE), Anselmo Bezerra (IFPE), Cristiana Duarte (UFPE), Ana Cristina Fernandes (UFPE). Tendo em conta sua distribuição desigual no território, será possível propor medidas específicas para mitigar seus efeitos.


Claude Raffestin, dialogando com Foucault, aponta a importância do censo, afirmando: “o recenseamento é um saber, portanto um poder.” É na população que reside a potência de um Estado. É o elemento originário do poder soberano e fundador da jurisdição, nos termos da Constituição.

Observado o falso dilema entre a vida e os lucros durante a pandemia, não parece haver preocupação alguma nos os agentes da necropolítica e necroeconomia praticadas pelo liberalismo à brasileira com a pior crise sanitária da história, somada à crise política e econômica corrente. Ao contrário da comunidade internacional, comprometendo ainda mais a posição do Brasil.

Muito mais que uma libra de carne – como “O Mercador de Veneza” – corta da carne mais barata do mercado, a carne negra, evidência da vulnerabilidade secular cantada por Elza Soares. Faz a todos os brasileiros de bobos sem precedentes mesmo nas piores tragédias shakespearianas, enquanto aguardamos o fazer da justiça.

Um país soberano em seu território de dimensões continentais, com uma população de mais de 200 milhões de pessoas, deve conhecê-los para gerenciá-los adequadamente. Essa estratégia parece ser ignorada pela gestão que mais tem militares desde a ditadura. Ao passo que o ocupante da presidência e sua cúpula mais parecem um monarca e sua corte, fartando-se, vide os vultuosos gastos de seu cartão corporativo, enquanto fome e peste assolam o povo.

O objetivo dessa anti-Geografia parece ser mascarar a culpa da omissão nessas crises, que poderiam ser minimamente remediadas por um auxílio emergencial que fosse o suficiente ao sustento. Enquanto barganha a vida das pessoas com privatizações, o número de óbitos aumenta e os da economia diminuem: o maior valor de parcela atualmente pago às mulheres chefes de família sendo R$ 375,00, ainda é 7% do salário mínimo para sustentar uma família, segundo o DIEESE, que no final de 2020 era R$ R$ 5.304,90.

No intuito de melhor distribuir os recursos entre a população, reduzir substancialmente as desigualdades, promover desenvolvimento, entre outros objetivos elencados no rol constitucional, através do design preciso de políticas públicas para tanto, não se pode prescindir ou sucatear o Censo Demográfico.

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