Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Quer me aborrecer, aí está o caminho. E extra: uma história imperdível da imprensa brasileira
Nos anos dourados do Jornal da Tarde, muitas histórias surgiram. Histórias que entraram para o folclore do jornalismo. Algumas reais, outras inventadas, aumentadas, editadas. Eu invejo meus amigos – e são muitos – que viveram, na redação, a melhor fase de suas vidas.
O JT era criativo, divertido, animado, inteligente. Pelo menos imagino eu, pelas histórias que me contam e são muitas. Morro de inveja de não ter vivido ali do lado esquerdo daquele corredor, mesmo me divertindo muito do lado direito, no Caderno 2, alguns anos depois.
A última do Jornal da Tarde, soube na semana passada, contada por um dos integrantes daquela redação de bambas.
Ele me contou que um repórter começou a trabalhar no jornal, um mês de experiência. Não decolou, não pegou o espírito da coisa. No trigésimo dia, seu chefe o chamou em sua sala e fez aquele comunicado que ninguém gosta de fazer: “Olha, sinto muito, mas você não se encaixou no nosso espírito, no nosso modus vivendi e, sendo assim, você não vai ser contratado. Amanhã, não precisa mais vir”.
O repórter iniciante baixou a cabeça, saiu da sala e terminou a matéria que estrava escrevendo, faltando apenas o último parágrafo. Tek tek tek… bateu nas pretinhas as últimas palavras, gritou desce! E foi-se embora, sem esvaziar as gavetas.
No dia seguinte, por volta de meio-dia, hora que começava a dar expediente, o demitido chegou, tomou um cafezinho no corredor, entrou na redação, sentou-se no lugar que sempre costumava trabalhar e começou a datilografar um texto. Sete da noite, gritou desce e foi-se embora.
No segundo dia, a mesma coisa. A redação olhava meio desconfiada, meio assustada, aquele demitido trabalhando. Ninguém tinha coragem de dizer ai pra ele.
Até que no terceiro dia, incomodado com sua presença na redação, sabendo que o RH já tinha sido avisado e que ele já não estava mais recebendo o seu salário, o chefe, pisando em ovos, resolveu ir falar com ele.
– Olha, sabe aquela conversa que tivemos no início da semana, na minha sala?
O demitido olhou para o chefe, ou ex-chefe, e disse:
– Quer me aborrecer, é tocar nesse assunto!
A frase entrou para a história e assim que chegou aos meus ouvidos, pensei:
1- Quer me aborrecer, é atender o telefone e ouvir: Olá! Aqui é o Moacir Franco!
2- Quer me aborrecer, é lembrar que amanhã cedo tenho dentista.
3- Quer me aborrecer, é chegar na sala de cinema e o filme já começou.
4- Quer me aborrecer, é ligar o computador e aquela bolinha colorida ficar rodando eternamente.
5- Quer me aborrecer, é chegar no ponto do ônibus e ver que ele acabou de passar.
6- Quer me aborrecer, é preparar uma caipirinha, abrir a geladeira e ver que o gelo acabou.
7- Quer me aborrecer, é a água esfriar no meio do banho.
8- Quer me aborrecer, é bater um prego na parede e sentir que é concreto.
9- Quer me aborrecer, é o cara da Net pedir pra desligar tudo na tomada.
10- Quer me aborrecer, é a luz acabar bem na hora da disputa do pênalti.
11- Quer me aborrecer, é derrubar café na camisa, segundos antes de sair pro trabalho.
12- Quer me aborrecer, é ver o celular cair no chão e espatifar a tela.
13- Quer me aborrecer, é abrir o congelador seco por um Haägen-Dasz e ver que é caldo de risoto congelado.
14- Quer me aborrecer, é acabar a tinta da impressora no meio da impressão.
15- Quer me aborrecer, é escrever uma crônica e não saber que fim dar a ela.
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
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