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Zona de exclusão

Líderes europeus querem barrar a entrada de turistas russos em represália à invasão da Ucrânia

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Kallas, premier da Estônia, defende a punição - Imagem: Michael Kuhlmann/Presidência da Estônia
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Milhares de russos foram para a Europa Ocidental com vistos de curto prazo, desde que seu ­país invadiu a Ucrânia. Alguns desejavam fugir da repressão, mas no verão muitos turistas apenas queriam ir para a praia. Agora, alguns políticos europeus pedem o fim dos vistos de curto prazo que permitem aos russos passar férias na União Europeia, enquanto a guerra na Ucrânia continua.

Países como Ucrânia, Estônia, Letônia, Finlândia e República Tcheca pediram à UE a limitação ou o bloqueio dos vistos Schengen para os russos, em protesto contra a invasão da Ucrânia.

Após seis meses de guerra, a proposta ecoa a frustração generalizada com um público russo que parece incapaz ou relutante em criar uma resistência significativa à guerra travada em seu nome. A situação foi agravada por incidentes de grande repercussão, como uma mulher russa que assediou dois refugiados ucranianos na Europa. “Parem de emitir vistos de turista para russos”, escreveu a primeira-ministra estoniana, ­Kaja Kallas, no Twitter. “Visitar a Europa é um privilégio, não um direito humano.”

O chanceler alemão, Olaf Scholz, rejeitou, no entanto, o apelo e disse ser “difícil imaginar” uma proibição geral de vistos para os russos. Os ministros das Relações Exteriores da UE devem discutir a medida em uma reunião informal neste mês, embora seja necessária a aprovação unânime dos 27 integrantes do bloco.

Restará aos russos viajar pelo próprio país? – Imagem: iStockphoto

A proposta também desencadeou um debate acalorado entre os russos, incluí­dos adversários da guerra, muitos dos quais vivem exilados na Europa, sobre como a proibição de visto poderia marcar um passo na direção do isolamento que lembra o período soviético. “Não vejo nada de bom em banir os russos da Europa, porque eles precisam ver um mundo livre”, disse Ilya ­Krasilshchik, editor online ameaçado de processo na Rússia por se opor à guerra e que atualmente está na Europa. Embora ele acredite que uma proibição de visto dificilmente será aprovada, os problemas para abrir contas bancárias na Europa dificultam, afirma, a operação de dissidentes no exílio. Em vez disso, ele gostaria de um maior escrutínio para barrar os russos que têm opiniões favoráveis à guerra. “Quanto à ideia de que se os russos não puderem deixar o país vão se levantar e derrubar o regime, é uma mentira total. (…) A experiência da União Soviética mostra que fechar fronteiras não leva à derrubada do regime. Eu entendo a raiva do momento, mas acho que a longo prazo isso é perigoso.”

Muitos russos abordados por The ­Observer concordaram que o turismo comum se tornou um claro ponto de inflamação, pois o país está envolvido numa guerra brutal contra seu vizinho. “Se você deixa a Rússia, deve ser ativamente contra a guerra”, disse Ira Lobanovskaya, que iniciou no aplicativo Telegram um grupo de Realocação da Federação Russa para aconselhar conterrâneos a deixar o país. “Você não pode mais ficar fora da política: isso é bárbaro no clima atual. Eu entendo que o Ocidente não quer os russos a festejar nas ruas da Europa.” Manter os russos na Rússia seria, porém, contraproducente, disse. “Eles precisam se unir no exterior, formar alianças antiguerra e falar. Você não pode derrubar uma potência nuclear como a Rússia por dentro. É simplesmente irreal.”

Ilya Ponomarev, ­ex-deputado da Duma exilado na Ucrânia desde 2016, é a favor da proibição. Segundo ele, os russos capazes de fazer isso deveriam ficar na Rússia para lutar contra o regime, “deixar o país deveria ser o último recurso”. “Você não pode se abster desta guerra”, disse em entrevista na Ucrânia. “Se você quer se abster, não reclame que está sendo expulso da Europa.” Ele continuou: “Concordo muito com a líder estoniana quando ela disse que estar na Europa não é um direito humano, é um privilégio. Se você quer esse privilégio, faça algo na Rússia primeiro, conquiste esse privilégio, faça alguma jogada ousada e depois vá embora”.

Em um discurso online, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, reiterou seu apelo para limitar os vistos Schengen aos russos: “Deve haver garantias de que os assassinos e os cúmplices do terror estatal não usem os vistos Schengen”.

Ativistas russos dizem que os vistos de turista são uma ferramenta importante para muitos interessados em deixar a Rússia, especialmente quando fogem pelas fronteiras terrestres, pois viajar de avião é caro ou muito perigoso. “Este é um mecanismo de segurança para milhares que sofrem repressão ou podem sofrer no futuro”, disse Anton Barbashin, do site de notícias Riddle Russia. “A proibição de vistos limitará as oportunidades que os críticos do regime têm para buscar a segurança quando precisarem.”

Fechar as fronteiras nunca produziu o efeito de derrubar governos. Ao contrário

Países como Letônia, Estônia e Finlândia têm recebido um influxo de turistas e emigrantes russos desde o início da guerra, e começaram de forma independente a reforçar as regras de imigração e impor limitações de vistos. Outras propostas informais destinadas a limitar o turismo durante a guerra incluem exigir a assinatura de uma declaração a condenar a invasão quando entrarem na Europa. O ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia Michael McFaul sugere que os visitantes russos sejam obrigados a pagar um imposto de cerca de 100 euros (mais ou menos 500 reais) para a reconstrução da Ucrânia. “Para os países que relutam em proibir todos os russos de os visitarem, a ideia de cobrar uma taxa extra pelo visto que iria para a reconstrução ucraniana oferece uma resposta alternativa”, disse. “Quanto ao dilema de os russos serem acusados de financiar a reconstrução do governo ucraniano, bem, a opção é deles, ninguém os força a viajar para a Europa democrática. Eles podem passar férias no país europeu da Bielorrússia.”

Os russos ricos provavelmente encontrarão uma maneira de contornar qualquer proibição, disse o filho de um empresário, portador de passaporte britânico. Ele esteve em Saint-Tropez, na França, neste verão e havia “tantos russos como de costume”.

“A elite sempre encontrará uma maneira de chegar à Europa”, disse. “Muitos da minha geração estudaram aqui. Vivemos o suficiente no Ocidente para receber autorizações de residência ou um segundo passaporte. Aqueles que não têm, falam em obter documentos turcos, se a Europa continuar com isso. Sempre haverá brechas para quem tem dinheiro.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1222 DE CARTACAPITAL, EM 24 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Zona de exclusão “

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