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Zelensky recebe enviado especial dos EUA após críticas de Trump
Apenas um mês após retornar à Casa Branca, Trump reverteu anos de apoio americano à Ucrânia


O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, recebeu o enviado especial dos Estados Unidos, Keith Kellogg, nesta quinta-feira 20, em Kiev. A reunião acontece após o líder ucraniano ter sido duramente criticado pelo presidente norte-americano Donald Trump, o que levantou temores de uma ruptura com Washington. Atacada pela vizinha Rússia, a Ucrânia depende da ajuda dos EUA para resistir à invasão.
Ao chegar a Kiev, na quarta-feira, Keith Kellogg adotava um tom mais conciliador, garantindo que entendia a necessidade da Ucrânia por “garantias de segurança”. De acordo com a presidência ucraniana, o enviado especial norte-americano e Volodymyr Zelensky não farão declarações após a reunião, segundo analistas um sinal da tensão envolvida no encontro.
Zelensky se vê diante de uma dupla ameaça: o avanço das tropas russas no front e o aumento das tensões com o principal aliado de Kiev. “Zelensky não está bem preparado para enfrentar esses dois desafios ao mesmo tempo”, disse Silvester Nosenko, professor de relações internacionais em Kiev e ex-intérprete do líder ucraniano.
Depois de chamar Zelensky de “ditador”, Trump continuou sua retórica pró-Moscou dizendo, na quarta-feira à noite, que neste conflito os russos “tomaram muito território” e, portanto, tinham “as cartas na mão”.
Apenas um mês após retornar à Casa Branca, Trump reverteu anos de apoio americano à Ucrânia, chegando ao ponto de culpar o presidente ucraniano pela invasão russa ao seu país.
Para o bilionário americano, Volodymyr Zelensky é um “ditador” impopular e ilegítimo que supostamente desviou ajuda americana e que em breve corre o risco de “não ter mais um país”. Uma narrativa muito próxima à de Vladimir Putin.
O Kremlin, sem esconder sua satisfação, anunciou que decidiu retomar o diálogo com Washington “em todos os parâmetros”, afirmando estar “em total acordo” com a posição americana sobre a Ucrânia.
Ex-comediante e humorista eleito em 2019 com promessas de paz com Moscou, mas comparado a Winston Churchill quando permaneceu em Kiev em fevereiro de 2022 para liderar seu país contra a invasão, Volodymyr Zelensky escolheu, no momento, contra-atacar, correndo o risco de uma escalada.
O presidente ucraniano alegou que Trump estava sendo manipulado pela “desinformação” russa e que estava ajudando Putin a “sair de seu isolamento” do Ocidente.
Para Tymofiy Mylovanov, diretor da Escola de Economia de Kiev e professor associado da Universidade Americana de Pittsburgh, a retórica de Trump, embora “não seja agradável” de ouvir para os ucranianos, pode ser simplesmente uma tentativa de ganhar ascendência sobre o Zelensky. “O que Trump realmente tem em mente? Ele realmente quer se alinhar com a Rússia?” Mylovanov perguntou à AFP.
O fato é que as áreas de atrito entre Trump e Zelensky são numerosas e não são novas. No início de fevereiro, o presidente americano anunciou que queria negociar um acordo com a Ucrânia para obter acesso a 50% de seus minerais estratégicos em troca da ajuda americana já entregue.
Uma proposta rejeitada e denunciada por Zelensky, que alegou que a Ucrânia “não estava à venda”, ao mesmo tempo em que abriu a porta para “investimentos” americanos em troca de “garantias de segurança”.
Os ataques violentos de Donald Trump podem reunir novamente os ucranianos em torno da figura de Volodymyr Zelensky, cujo índice de aprovação caiu, mas permanece em 57%, de acordo com uma pesquisa mais recente.
UE exalta democracia ucraniana
“A Ucrânia é uma democracia, a Rússia de Putin não”, disse um porta-voz da União Europeia nesta quinta-feira, depois que Trump chamou o líder ucraniano de “ditador sem eleições”.
“Zelensky foi legitimamente eleito em eleições livres, justas e democráticas”, acrescentou o porta-voz da Comissão Europeia, Stefan De Keersmaecker, em uma coletiva de imprensa. “Não pode haver solução para a Ucrânia sem o comprometimento da Ucrânia, nem sem o comprometimento da União Europeia”, acrescentou, referindo-se às negociações entre EUA e Rússia para a solução do conflito.
Como sinal de solidariedade à Ucrânia, na segunda-feira 24, terceiro aniversário da invasão russa ao país, Antonio Costa, presidente do Conselho Europeu, viajará para Kiev, conforme anunciou no dia 10.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já havia anunciado esta semana que também viajaria para a Ucrânia na segunda-feira com comissários europeus.
Vários países europeus, incluindo França, Reino Unido, Dinamarca e Holanda, consideram enviar tropas à Ucrânia para garantir um acordo de paz, que eles esperam que seja “duradouro”, caso seja alcançado. Os Estados Unidos e a Rússia iniciaram negociações esta semana para se preparar para tal acordo.
Na sexta-feira, em Bratislava, na Eslováquia, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, disse que o possível estabelecimento pelos europeus de garantias de segurança, no caso de um acordo de paz na Ucrânia, deve ter o “apoio” dos Estados Unidos. Esse apoio, que não envolverá o envio de soldados americanos para solo ucraniano, é necessário “para garantir que haja dissuasão”, enfatizou Rutte.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, já disse que era a favor do envio de tropas, mas com a condição de que houvesse “apoio” dos Estados Unidos.
Londres e Paris estão trabalhando na criação de uma força europeia, que seria composta por “menos de 30.000 soldados”, informou a mídia britânica nesta quinta-feira.
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