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Yoran El Al, o preso que o Brasil pode “emprestar” aos Estados Unidos

Preso por contrabando no Brasil, israelense pode ser ouvido nos EUA sobre envolvimento com a máfia de Israel

Yoran El Al não se opõe a ir aos EUA, mas quer voltar ao Brasil. Foto: Reprodução / TV Globo
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* Por Marcelo Auler

Depois de verem negada em 2007 a extradição do israelense Yoran El Al, as autoridades policiais e judiciárias dos Estados Unidos decidiram usar uma estratégia inusitada para fazer um pedido à Justiça brasileira. Os americanos querem o “empréstimo” do preso. As autoridades americanas querem Yoran como testemunha em processos que tramitam na Califórnia contra o mafioso Itzak Abergil, um dos chefes da Abergil Family, acusado de diversos crimes, especialmente tráfico de esctasy.

A “Transferência Temporária” do preso, respaldada no Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT) assinado pelos dois países em fevereiro de 2001, foi pedida pelo promotor da Califórnia Mark Childs. Endereçada à Procuradoria da República em março passado, ela foi endossada pelo procurador Antônio do Passo Cabral e remetida ao juiz Gustavo Pontes Mazzocchi, da 3ª Vara Federal Criminal, por ordem de quem Yoran está preso no Rio de Janeiro.

Apesar de respaldada no acordo bilateral, o juiz Mazzochi tem seus receios em autorizá-la. Antes de decidir, pediu informações ao promotor Childs. Quer saber, por exemplo, o que aconteceria a Yoran caso ele saia daqui custodiado e tenha sua prisão revogada no Brasil, enquanto estiver no exterior. Ele permaneceria nos EUA como preso?

Embora seja uma possibilidade remota, pois provocaria um incidente diplomático, na Justiça Federal do Rio também há quem tema que o réu acabe não retornando, mesmo que seja condenado aqui pelos crimes de contrabando de peças eletrônicas para máquinas de jogos, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Teme-se ainda pela vida do israelense, pois sabe-se que nos Estados Unidos um preso foi envenenado na penitenciária na véspera de depor contra Itzak.

É verdade que o próprio preso tem motivos para querer voltar ao Brasil, onde desde 2011 tem o visto de permanência conquistado com o nascimento de filhos gêmeos gestados em Hila Salem por inseminação artificial, com sêmen colhidos na prisão em 2007.

Curiosamente, o israelense, que lutou contra sua extradição para os Estados Unidos e para o Uruguai, mesmo depois de conquistar a permanência no Brasil, não se opõe a ir depor na Califórnia. “Ele entende que assim acerta as contas com a polícia americana”, diz seu atual advogado, Afonso Destri. No entendimento do réu e do advogado, enquanto este acerto de contas não for feito, Yoran continuaria perseguido por agentes norte-americanos. Destri diz ter recebido garantias de Childs de que seu cliente poderá acessar emails, receber a visita do advogado e eventualmente atender telefonemas.

Envolvimento com a máfia

Na cadeia, onde se encontra desde outubro, Yoran conversou com policiais israelenses e americanos na presença do advogado e de uma delegada federal. O israelense foi apontado pelas polícias americana, israelense e brasileira como terrorista, traficante, mafioso, mas nunca respondeu a processos por tais crimes. É verdade que seu passado é nebuloso e nem seu advogado o comenta. Prova maior está nas cicatrizes na perna direita, resultado de um atentando a bomba em Israel provocado por grupos criminosos rivais.

E há seu suposto envolvimento com a Abergil Family. Em nome dela Yoran e dois comparsas – Hai Waknine e Sasson Bararshy – teriam ameaçado os comerciantes Eliyahu Hadad e Victor Keuylian, em Los Angeles, ao cobrar dívidas ligadas a um carregamento de esctasy – cerca de 400 mil comprimidos – apreendido pelo Drug Enforcement Administration (DEA), a força policial americana de combate ao tráfico. Para amedrontá-los, Yoran mostrou as cicatrizes, insinuando que o mesmo aconteceria aos devedores.

O israelense foi preso no Rio em 2006 sob a acusação de tráfico de esctasy com base em um mandado de prisão da Justiça estadual de Curitiba (PR) pedido pelo então coordenador de fronteiras da Polícia Federal, o delegado Fernando Francischini, hoje deputado federal do PSDB.

Para Destri, aquela acusação de tráfico apenas simulou uma situação para levar seu cliente à prisão, atendendo aos interesses dos EUA. Tanto que sequer houve um inquérito no Paraná e a prisão temporária caducou. Dois dias depois de Yoran ter sido preso, uma nova ordem de prisão foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal por conta do pedido de extradição no qual constava apenas o crime de ameaça. Francischini garante que se ainda estivesse no cargo e recebesse os mesmos informes, agiria da mesma forma: “Fiz e faria de novo, pois tive informações do envolvimento dele com o tráfico internacional. Minha função era prendê-lo. Quem trataria do inquérito eram outros delegados”.

O pedido de extradição dos EUA foi negado por falta de acordo de reciprocidade entre os dois países. Da mesma forma o STF rejeitou a solicitação do Uruguai. No país vizinho Yoran esteve preso após deixar os EUA e fugiu com a ajuda do irmão, Nissim El Al, que subornou um policial e usou três falsos agentes que se passaram como integrantes da Divisão de Inteligência e retiraram o preso, sem maiores problemas, com uma falsa autorização de translado. Em uma peça da defesa de Yoran, Destri afirma que a polícia de Israel estaria interessada em seu cliente para chegar a Nissim, “ele sim, investigado por tráfico”.

No Rio, em outubro passado, Yoran foi preso na Operação Black Ops. A polícia voltou a apontá-lo como traficante de drogas e terrorista. Informações vazadas pela Polícia Civil alimentaram páginas de jornais com seu suposto envolvimento na trama para matar o bicheiro Rogério Andrade, envolvido numa eterna disputa pela herança dos pontos de jogos de bicho e eletrônicos do tio, o bicheiro Castor de Andrade, com seus próprios familiares.

Andrade, em abril de 2011, sobreviveu a um atentado a bomba que matou seu filho. O crime teria sido encomendado pelos primos, Fernando e César Andrade. Na versão da polícia, Yoran intermediou a contratação do israelense Tal Amir, que preparou a bomba. Respaldada nesta versão, a polícia obteve autorização judicial para grampeá-lo. Curiosamente, como destacou seu advogado, não se preocuparam em escutar os possíveis mandantes: Fernando e César. Em sete meses de grampo, jamais houve conversa entre o israelense e alguém da família de bicheiros. “É mais uma prova de que o envolvimento dele no tal atentado é uma farsa”, diz Destri.

As escutas mostraram Yoran envolvido com outro bicheiro, Haylton Carlos Gomes Escafura, na tentativa de ingressar no submundo da exploração de caça-níqueis. Surgiu daí sua ligação com a importação de carros que, segundo a acusação da Procuradoria da República, eram veículos usados, o que no Brasil é caracterizado como contrabando. A denúncia foi rejeitada pelo juiz Mazzocchi. Restou a Yoran o processo por conta do contrabando de placas eletrônicas para caça-níqueis.

* Por Marcelo Auler

Depois de verem negada em 2007 a extradição do israelense Yoran El Al, as autoridades policiais e judiciárias dos Estados Unidos decidiram usar uma estratégia inusitada para fazer um pedido à Justiça brasileira. Os americanos querem o “empréstimo” do preso. As autoridades americanas querem Yoran como testemunha em processos que tramitam na Califórnia contra o mafioso Itzak Abergil, um dos chefes da Abergil Family, acusado de diversos crimes, especialmente tráfico de esctasy.

A “Transferência Temporária” do preso, respaldada no Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT) assinado pelos dois países em fevereiro de 2001, foi pedida pelo promotor da Califórnia Mark Childs. Endereçada à Procuradoria da República em março passado, ela foi endossada pelo procurador Antônio do Passo Cabral e remetida ao juiz Gustavo Pontes Mazzocchi, da 3ª Vara Federal Criminal, por ordem de quem Yoran está preso no Rio de Janeiro.

Apesar de respaldada no acordo bilateral, o juiz Mazzochi tem seus receios em autorizá-la. Antes de decidir, pediu informações ao promotor Childs. Quer saber, por exemplo, o que aconteceria a Yoran caso ele saia daqui custodiado e tenha sua prisão revogada no Brasil, enquanto estiver no exterior. Ele permaneceria nos EUA como preso?

Embora seja uma possibilidade remota, pois provocaria um incidente diplomático, na Justiça Federal do Rio também há quem tema que o réu acabe não retornando, mesmo que seja condenado aqui pelos crimes de contrabando de peças eletrônicas para máquinas de jogos, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Teme-se ainda pela vida do israelense, pois sabe-se que nos Estados Unidos um preso foi envenenado na penitenciária na véspera de depor contra Itzak.

É verdade que o próprio preso tem motivos para querer voltar ao Brasil, onde desde 2011 tem o visto de permanência conquistado com o nascimento de filhos gêmeos gestados em Hila Salem por inseminação artificial, com sêmen colhidos na prisão em 2007.

Curiosamente, o israelense, que lutou contra sua extradição para os Estados Unidos e para o Uruguai, mesmo depois de conquistar a permanência no Brasil, não se opõe a ir depor na Califórnia. “Ele entende que assim acerta as contas com a polícia americana”, diz seu atual advogado, Afonso Destri. No entendimento do réu e do advogado, enquanto este acerto de contas não for feito, Yoran continuaria perseguido por agentes norte-americanos. Destri diz ter recebido garantias de Childs de que seu cliente poderá acessar emails, receber a visita do advogado e eventualmente atender telefonemas.

Envolvimento com a máfia

Na cadeia, onde se encontra desde outubro, Yoran conversou com policiais israelenses e americanos na presença do advogado e de uma delegada federal. O israelense foi apontado pelas polícias americana, israelense e brasileira como terrorista, traficante, mafioso, mas nunca respondeu a processos por tais crimes. É verdade que seu passado é nebuloso e nem seu advogado o comenta. Prova maior está nas cicatrizes na perna direita, resultado de um atentando a bomba em Israel provocado por grupos criminosos rivais.

E há seu suposto envolvimento com a Abergil Family. Em nome dela Yoran e dois comparsas – Hai Waknine e Sasson Bararshy – teriam ameaçado os comerciantes Eliyahu Hadad e Victor Keuylian, em Los Angeles, ao cobrar dívidas ligadas a um carregamento de esctasy – cerca de 400 mil comprimidos – apreendido pelo Drug Enforcement Administration (DEA), a força policial americana de combate ao tráfico. Para amedrontá-los, Yoran mostrou as cicatrizes, insinuando que o mesmo aconteceria aos devedores.

O israelense foi preso no Rio em 2006 sob a acusação de tráfico de esctasy com base em um mandado de prisão da Justiça estadual de Curitiba (PR) pedido pelo então coordenador de fronteiras da Polícia Federal, o delegado Fernando Francischini, hoje deputado federal do PSDB.

Para Destri, aquela acusação de tráfico apenas simulou uma situação para levar seu cliente à prisão, atendendo aos interesses dos EUA. Tanto que sequer houve um inquérito no Paraná e a prisão temporária caducou. Dois dias depois de Yoran ter sido preso, uma nova ordem de prisão foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal por conta do pedido de extradição no qual constava apenas o crime de ameaça. Francischini garante que se ainda estivesse no cargo e recebesse os mesmos informes, agiria da mesma forma: “Fiz e faria de novo, pois tive informações do envolvimento dele com o tráfico internacional. Minha função era prendê-lo. Quem trataria do inquérito eram outros delegados”.

O pedido de extradição dos EUA foi negado por falta de acordo de reciprocidade entre os dois países. Da mesma forma o STF rejeitou a solicitação do Uruguai. No país vizinho Yoran esteve preso após deixar os EUA e fugiu com a ajuda do irmão, Nissim El Al, que subornou um policial e usou três falsos agentes que se passaram como integrantes da Divisão de Inteligência e retiraram o preso, sem maiores problemas, com uma falsa autorização de translado. Em uma peça da defesa de Yoran, Destri afirma que a polícia de Israel estaria interessada em seu cliente para chegar a Nissim, “ele sim, investigado por tráfico”.

No Rio, em outubro passado, Yoran foi preso na Operação Black Ops. A polícia voltou a apontá-lo como traficante de drogas e terrorista. Informações vazadas pela Polícia Civil alimentaram páginas de jornais com seu suposto envolvimento na trama para matar o bicheiro Rogério Andrade, envolvido numa eterna disputa pela herança dos pontos de jogos de bicho e eletrônicos do tio, o bicheiro Castor de Andrade, com seus próprios familiares.

Andrade, em abril de 2011, sobreviveu a um atentado a bomba que matou seu filho. O crime teria sido encomendado pelos primos, Fernando e César Andrade. Na versão da polícia, Yoran intermediou a contratação do israelense Tal Amir, que preparou a bomba. Respaldada nesta versão, a polícia obteve autorização judicial para grampeá-lo. Curiosamente, como destacou seu advogado, não se preocuparam em escutar os possíveis mandantes: Fernando e César. Em sete meses de grampo, jamais houve conversa entre o israelense e alguém da família de bicheiros. “É mais uma prova de que o envolvimento dele no tal atentado é uma farsa”, diz Destri.

As escutas mostraram Yoran envolvido com outro bicheiro, Haylton Carlos Gomes Escafura, na tentativa de ingressar no submundo da exploração de caça-níqueis. Surgiu daí sua ligação com a importação de carros que, segundo a acusação da Procuradoria da República, eram veículos usados, o que no Brasil é caracterizado como contrabando. A denúncia foi rejeitada pelo juiz Mazzocchi. Restou a Yoran o processo por conta do contrabando de placas eletrônicas para caça-níqueis.

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