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Xenofobia no leste alemão e o pogrom da “Noite dos Cristais”

Historiador traça paralelos entre recentes tumultos em Chemnitz e noite que marcou início da perseguição a judeus durante o nazismo, há 80 anos

Xenofobia no leste alemão e o pogrom da “Noite dos Cristais”
Xenofobia no leste alemão e o pogrom da “Noite dos Cristais”
Loja judia destruída em Magdeburg, na Alemanha
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Recentes tumultos envolvendo xenofobia em Chemnitz, no leste alemão, lembram o pogrom da “Noite dos Cristais” (Kristallnacht ou Reichspogromnacht) ocorrida na Alemanha nazista, afirma o historiador alemão Wolfgang Benz. Esta sexta-feira (09/11) marca o 80º aniversário da perseguição em massa contra a comunidade judaica naquela noite, que marcou o início do Holocausto.

Autor de muitos livros sobre a era nazista, Benz disse que os recentes acontecimentos na cidade de Chemnitz mostraram com que facilidade um pogrom – movimento popular contra grupo étnico ou religioso –pode surgir.

Pessoas percebidas como estrangeiras começaram a ser alvo de perseguição em 26 de agosto, após um esfaqueamento que resultou na morte de um cidadão alemão. Na noite seguinte, supostos neonazistas atiraram pedras e garrafas contra um restaurante judeu em Chemnitz. Seu proprietário relatou que lhe mandaram “desaparecer da Alemanha”.

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“Isso não foi instigado pelo Estado, mas foi uma caça persistente de pessoas”, disse Benz, referindo-se ao debate em curso sobre como as autoridades definiram aqueles dias de agitação em Chemnitz. Inicialmente, o tumulto não tinha os judeus como alvos, recordou Benz, “mas mostra quão facilmente um pogrom pode se desenvolver, e com que facilidade multidões podem se formar e uma onda emocional ser gerada”.

Em 9 de novembro de 1938, quase seis anos depois de Adolf Hitler ter chegado ao poder, Joseph Goebels, o ministro responsável pela propaganda do governo, aproveitou o assassinato do diplomata alemão Ernst von Rath em Paris, morto pelo judeu polonês Herschel Grynszpan dois dias antes, e discursou para partidários do partido nazista numa cervejaria de Munique – conforme documentado em seu diário – antes de distribuir ordens de ataque a unidades paramilitares nazistas em todo o território alemão. O pogrom durou até 13 de novembro.

Estimativas sobre o número de mortos variam entre algumas centenas e 1.300 pessoas assassinadas ou forçadas ao suicídio – muito mais do que as 91 mortes declaradas oficialmente após os ataques. Aproximadamente 1.400 sinagogas e salas de oração e 7.500 estabelecimentos judaicos foram destruídos. Após a “Noite dos Cristais”, cerca de 30 mil pessoas supostamente judias – em sua maioria homens – foram levadas para campos de concentração.

“O dia 9 de novembro, para o qual o termo Kristallnacht foi rapidamente adotado, foi um ponto de virada: da discriminação contra os judeus na Alemanha à perseguição”, disse Benz. “Pode-se dizer que o Holocausto começou em 9 de novembro de 1938. A partir de então, a violência contra os judeus foi endossada publicamente e oficialmente.”

Seus primeiros estudos sobre extremismo levaram o historiador, nascido em 1941, à Universidade Ludwig-Maximilians de Munique na década de 1960 e depois à direção do Centro de Pesquisa sobre Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim, entre 1990 e 2011.

“Em 1938, o Estado promoveu um pogrom contra uma minoria. As pessoas se deixaram levar pela propaganda estatal contra concidadãos, se voltando contra vizinhos e colegas de negócios”, afirmou Benz. “Todo mundo sabia exatamente o que estava acontecendo.”

Questionado sobre a Alemanha atual, Benz afirmou considerar o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) regressivo e “absolutamente resistente contra o esclarecimento e conquistas liberais, sem as quais nossa forma moderna de vida não seria concebível”.

“A adesão [de eleitores] a esse movimento mostra que não se aprendeu muito com a história”, acrescentou Benz. “Adolf Hitler começou sua carreira como um populista.”

Nesta sexta-feira, cerimônias pela Alemanha marcam o 80º aniversário do pogrom da “Noite dos Cristais”.

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