Vozes da diáspora se unem pelo panafricanismo na Alemanha

'Muitos intelectuais já estiveram aqui antes de nós para discutir e mostrar que inteligência não é branca', escreve Ana Graça Wittkowski

A estátua que representa uma jovem negra que participou nas manifestações do movimento "Black Lives Matter". Foto: AFP

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O Panafricanismo na Alemanha não é um movimento novo. É quase tão antigo quanto o Panafricanismo no Brasil —  sem, entretanto, ter tido aqui ainda a chance de exercer influência dentro da política.

Por isso, fiquei muito feliz quando soube que a Década Internacional dos Afrodescendentes também estava acontecendo aqui na Alemanha. Desde 2012, vou a Frankfurt para participar da “Conferência Internacional Repensando a África” – (Afrika Neu Denken), que ocorre na cidade desde aquele ano.

Foi a primeira vez que estive junto com afrodescendentes que vivem aqui na Alemanha e sabem da importância do movimento panafricanista. Foi a primeira vez que esse encontro aconteceu fora de um festival de música e cultura africana, como muitos que ocorrem durante o verão aqui na Alemanha —  um bom exemplo é o Festival Africano, que acontece na cidade de Würzburg há 35 anos, onde vi ao vivo a ilustríssima cantora Miriam Makeba.

Na Conferência Internacional Repensando a África, há discussões críticas. Como, por exemplo, sobre o fortalecimento de nossas identidades diaspóricas através de encontros e ajuda mútua, nos empoderado e denunciando casos de racismo.

Foi nessa conferência que conheci a ISD – Associação de pessoas negras na Alemanha (ISD – Initiative Schwarze Deutsche). Também conheci Elisabeth Kaneza, mulher negra nascida em Ruanda, que decidiu trazer a Década Internacional dos Afrodescendentes aqui para a Alemanha.

Muitos intelectuais estiveram nesta terra antes de nós, discutindo e mostrando que a inteligência não é “branca”, que a moral e a ética não são um legado do colonialismo e que a corrupção foi o único caminho para que o processo colonial funcionasse na África, bem como no continente americano.


Um dos percursores do Panafricanismo alemão é o grande filósofo, sociólogo, jornalista e ativista dos direitos humanos William Edward Burghardt “W. E. B.” Du Bois que nasceu no dia 23 de fevereiro de 1868 em Massachusetts, EUA e faleceu no dia 27 de agosto de 1963 na cidade de Accra, capital de Gana.

Du Bois  studou nos Estados Unidos e também em Berlim, convivendo com Max Weber, seu amigo e um dos mais renomados sociólogos do mundo.

 

 

Ou seja, já há muitos anos de luta contra a discriminação de povos não-brancos nesta terra. Nós, que pertencemos a nova geração de panafricanistas, procuramos levar adiante este legado

Mulheres como minha amiga Eleonore conseguiram, através de muitos anos de ativismos, trazer coesão entre pessoas de etnias e religiões diferentes que vivem aqui sem visibilidade. Ela é uma referência na cidade de Frankfurt e em toda a Alemanha, uma voz muito marcante,  que sempre acha o discurso certo na hora certa.

Ela é quem coordena muitos destes encontros anuais. Foi também quem me convidou para falar sobre o panafricanismo no Brasil. Sua preocupação é levar à juventude negra alemã uma outra perspectiva da vida, uma perspectiva filosófica que eles não têm a chance de conhecer nas escolas ou nas universidades públicas onde sofrem pela chamada “outridade”, como diz Grada Kilomba.

Muitos jovens nascidos aqui nesta terra, descendentes alemães e africanos, enfrentam muitos conflitos. Em muitos casos, pertencem às vezes a famílias que aceitaram o nazismo. Ao mesmo tempo, possuem origem africana.

O Panafricanismo é para essas pessoas um colo macio. Uma prova de que apesar de todas as dores, não desistimos da nossa humanidade. Conversamos e trocamos ideias e, mais do que nunca, estamos convencidos da importância de nosso trabalho coletivo, de nossas experiências em comum e de nossas diversidades.

Este texto é uma celebração da ideia e da filosofia de Marcus Garvey. Ainda há muito a discutir sobre os movimentos panafricanistas, mas o importante é que não desistamos nunca, que achemos tempo e lugar para descansarmos nos fortalecendo com palavras e trocando empatias.

Entre 2017 e agora, se passaram exatamente quatro anos da luta como representantes da Década Internacional dos Afrodescendentes aqui na Alemanha. Quatro anos lutando por visibilidades e por respeito, quatro anos organizando encontros e dizemos que já chega de violência. É difícil não perder a esperança, porque há quem diga que não chegaremos a lugar nenhum. Mas somos, como diz a cantora do Mali Rokia Traoré, uma comunidade diversa com um desejo comum: lutar por respeito.


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