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Voo às cegas

Donald Trump ainda não aprendeu a lidar com a vitalidade da campanha de Kamala Harris

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A chapa republicana exagera nas fake news – Imagem: Redes Sociais/PhillMistry
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Em 21 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Joe ­Biden, mudou o rumo da corrida eleitoral ao desistir de concorrer à reeleição quatro meses antes de os norte-americanos irem às urnas. Minutos após o anúncio, indicou a vice-presidente, Kamala ­Harris, para assumir a vaga, sugestão aceita quase instantaneamente pela cúpula do Partido Democrata. Desde então se passaram dois meses e ainda hoje o republicano Donald Trump e seu comitê não conseguiram acertar o tom e um novo norte para a campanha.

Até então favorito a vencer a disputa, o ex-presidente passou a perder a liderança a cada nova pesquisa divulgada. Na terça-feira 24, uma sondagem da CNN revelou uma situação de empate entre os candidatos, mas com vantagem numérica para Harris: 48% a 47%. Trump não estava acostumado a aparecer atrás nos levantamentos. Enquanto Biden era o oponente, o republicano chegou a abrir uma vantagem de 6 pontos porcentuais. A participação constrangedora do atual presidente no primeiro debate entre os dois, o tiro que raspou a orelha de Trump em 13 de julho e a escolha do jovem senador J.D. Vance como vice na chapa pareciam selar a vitória. Bastava esperar a abertura das urnas.

A decisão de Biden, após intensa pressão, de sair do páreo mudou, no entanto, a dinâmica eleitoral. Trump perdeu o timing e não aproveitou a vantagem dos meses de campanha que tinham à frente e do fato de a maior parte dos eleitores afirmar não conhecer a candidata democrata. Além disso, a escolha de ­Vance, que parecia uma boa ideia, mostrou-se um desastre. Mesmo após Harris ser ungida, o ex-presidente preferiu passar semanas a fio a mirar no antigo concorrente. Só quando o governador de ­Minnesota, Tim Walz, foi escolhido para vice na chapa democrata, o ex-presidente entendeu o que se passava.

A prova de fogo tanto para Harris quanto para Trump seria o debate de 10 de setembro. Embora tenha sido evasiva em muitas de suas respostas, hábito que tem irritado o eleitor médio, a vice-presidente não se intimidou diante do adversário e recebeu avaliações muito mais positivas. Entre aqueles que assistiram à contenda, 67% consideraram melhor o desempenho da democrata, segundo dados de The New York Times. Entre os fatores que levaram ao desempenho ruim de Trump, a checagem ao vivo das declarações dos candidatos no decorrer do debate foi essencial. E tirou o republicano do sério. O ex-presidente virou meme ao ser desmentido depois de divulgar a fake news de que migrantes haitianos comiam cães e gatos em Springfield, Ohio. Também não escondeu a irritação quando Harris afirmou que seus apoiadores iam embora mais cedo dos comícios por “exaustão” e “tédio”. E foi ridicularizado por sua resposta sobre se tinha um plano de cobertura de saúde que substituiria ou melhoraria o Affordable Care Act. “Eu tenho conceitos de um plano.” Naquela noite, foi o melhor que ele conseguiu fazer, e foi péssimo.

Para Trump, cuja ficha criminal inclui condenações por abuso sexual, difamação e 34 acusações em um esquema para influenciar ilegalmente a eleição de 2016, a razão para a queda nas pesquisas tem muitos culpados, menos ele próprio. Na sexta-feira 20, o republicano ameaçou os eleitores judeus, inclinados, em sua maioria, a escolher a democrata em novembro. “Se eu não vencer esta eleição, e o povo judeu realmente terá muito a ver com isso se isso acontecer, porque se 40%, quero dizer, 60% estiverem votando no inimigo, Israel, na minha opinião, deixará de existir dentro de dois anos”, afirmou durante a ­Cúpula Nacional do Conselho Israelense-Americano, em Washington.

A disputa continua, porém, indefinida nos estados que decidem a eleição

E se realmente Trump perder? Em entrevista no domingo 22 à jornalista Sharyl Attkisson, o republicano garantiu que, em caso de derrota, não concorrerá novamente em 2028. Até novembro, o ex-presidente e aliados farão, porém, de tudo para vencer. Há poucos meses, integrantes do partido passaram a abrir pequenos processos nos estados-chave, definidores no resultado da eleição. Na Geórgia, o Conselho Eleitoral Estadual, controlado por republicanos, tenta aprovar novas regras eleitorais que podem até alterar o calendário de votação. Em ­Michigan, aliados de Trump investigam se a cidade de Detroit contratou mesários republicanos suficientes para as eleições. Na Carolina do Norte, há um processo em curso que apura se não cidadãos estão autorizados a votar. Analisados separadamente, os processos parecem inofensivos, mas ações como estas incentivam a disseminação de teorias conspiratórias e semeiam dúvidas sobre o resultado das urnas. É como se estivéssemos próximo de testemunhar um déjà vu do 6 de janeiro de 2020, caso o ex-presidente seja derrotado outra vez.

Embora Trump esteja perdido e ­Harris em crescimento, a corrida tende a continuar acirrada nos estados considerados “campo de batalha”. De acordo com pesquisa de The New York Times de segunda-feira 23, nenhum dos candidatos lidera por 3 pontos porcentuais ou mais em qualquer dos sete estados com maior probabilidade de decidir a Presidência. Trump disse que não confrontará Harris novamente em um debate, mas na terça-feira 1 será a vez do cara a cara entre os vices, Walz e Vance. Para muitos, este será um dos encontros mais importantes desse tipo na história dos Estados Unidos. •

Publicado na edição n° 1330 de CartaCapital, em 02 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Voo às cegas’

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