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Vocação de sparring

Ron DeSantis perde a oportunidade de se firmar como o republicano anti-Trump

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“DeSaster”. O fiasco do lançamento da pré-candidatura do governador da Flórida foi um balde de água fria no eleitorado republicano que sonha com uma alternativa a Trump – Imagem: Redes sociais e Gage Skidmore
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Nunca trabalhe com animais, crianças ou bilionários espaciais egoístas. Esta lição o governador Ron DeSantis, da Flórida, aprendeu da maneira mais difícil quando usou a plataforma de rede social Twitter Spaces, de Elon Musk, para anunciar sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos. Milhares de ouvintes foram recebidos com longos silêncios, trechos estranhos de música e o som de Musk, pretenso rei da direita norte-americana, murmurando que “os servidores estão se esforçando um pouco”. A falha logo foi descrita como um “­DeSaster”, um dos fiascos de campanha mais embaraçosos de que se tem memória.

Ninguém ficou mais alegre do que ­Donald Trump, que considera DeSantis seu principal adversário para a indicação republicana em 2024. Mas, para os integrantes do partido em busca de uma alternativa ao ex-presidente caído em desgraça, isso alimentou a inquietação sobre o temperamento de grande rival de seu suposto opositor – e os encorajou a buscar outras opções. Ninguém descarta De­Santis, mas ele entra na corrida enfraquecido e num campo amplo e disperso de candidatos menores hoje dominado por Trump. “O lançamento de ­DeSantis foi péssimo. Os comentários de Trump são malucos”, tuitou Bill Kristol, diretor e fundador da ­Defending Democracy ­Together, que serviu nos governos de Ronald Reagan e ­George H. W. Bush. “Todo republicano normal e doador não acha que o partido pode (e deve!) fazer melhor?”

O lançamento da pré-campanha do governador da Flórida foi uma grande decepção

O “Grande Velho Partido” foi transformado desde o momento em que Trump encenou um lançamento de campanha comparativamente sem tecnologia, descendo uma escada rolante na Trump ­Tower, em Nova York, em 2015. O empresário-celebridade logo energizou os apoiadores de base, abalou o establishment republicano e prevaleceu nas eleições primárias contra a oposição dividida. Oito anos depois, Trump, agora com 76 anos e fustigado por uma série de investigações criminais, novamente se estabeleceu como o favorito para a indicação da legenda. Ele passou os meses do lançamento de sua própria campanha a trabalhar para destruir o outrora ascendente DeSantis, de 44 anos, que tentou se manter acima da briga.

No fim, Trump não conseguiu derrubar da corrida o homem que ele chama de “Ron DeSanctimonious”, mas semeou dúvidas sobre seu histórico, personalidade e lealdade. O governador não fez nenhum favor a si mesmo ao dar mensagens confusas sobre o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia, travar uma briga ingrata com a Disney e não impressionar durante as reuniões pessoais.

Inimigos. DeSantis entrou em guerra com a Disney e não tem a simpatia do excêntrico Elon Musk – Imagem: Zack/MCom e J.P. Ellgen

No mês passado, quando DeSantis foi para o exterior numa “missão comercial” e se encontrou com líderes empresariais em Londres, o site Politico citou participantes dizendo que ele “parecia entediado” e “olhava para os pés”, descrevendo-o como “horrendo” e “de baixa potência”. Um deles teria dito: “Parecia realmente um pouco como se estivéssemos assistindo a um político estadual. Eu não ficaria surpreso se as pessoas presentes saíssem pensando ‘esse não é o cara’”.

Longe de reduzir a diferença em relação a Trump durante uma turnê, ­DeSantis a viu aumentar para 30 pontos porcentuais ou mais em algumas pesquisas de opinião. Alguns de seus potenciais doadores expressaram arrependimento e colocaram seu apoio financeiro à espera. Joe Walsh, ex-congressista republicano de Illinois, disse: “Todo mundo pensou que era uma corrida de dois cavalos. Mas é uma corrida de um cavalo. O ­establishment republicano, os doadores republicanos, a mídia republicana, todo mundo quer que Trump desapareça, então todos colocaram suas esperanças em DeSantis, e agora isso ficou bastante instável nos últimos quatro meses, porque, quanto mais o conhecem, menos gostam dele”.

Walsh, que desafiou Trump nas primárias de 2020, acrescentou: “Você verá um monte de gente entrar agora porque acha que DeSantis é fraco e eles querem ser o cara número 2”.

O lançamento caótico da campanha apenas reforçou a visão de que ­DeSantis foi superestimado como um “matador de Trump” e atingiu o pico muito cedo. Mas há um eleitorado de republicanos que não está disposto a voltar a Trump, uma vez indiciado e duas vezes submetido a ­impeachment, especialmente depois dos resultados decepcionantes das eleições de meio de mandato. Eles anseiam por outra opção para enfrentar Joe Biden.

Art Cullen, editor do Storm Lake ­Times em Iowa, que realiza as primeiras convenções republicanas no início do próximo ano, disse: “Eu estava, nesta manhã, conversando com uma professora republicana aposentada moderada do oeste de Iowa, e ela não gosta da mesquinhez de Trump e DeSantis, então está procurando uma alternativa. Seja Tim Scott, Asa ­Hutchinson ou Chris Sununu, quem sabe?”

Republicanos ambiciosos sentem cheiro de sangue. Tim Scott, único senador republicano negro, jogou seu chapéu no ringue com um otimismo que contrasta com a retórica sombria de Trump e ­DeSantis. Mas Scott, 57 anos, tem apenas 1% de apoio entre os republicanos registrados, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.

Ele juntou-se à sua colega da ­Carolina do Sul Nikki Haley, ex-governadora do estado e embaixadora de Trump na ONU. A mulher de 51 anos enfatizou sua relativa juventude em comparação com Biden e Trump, bem como sua história como filha de imigrantes indianos. Ela atrai cerca de 4% de apoio entre os eleitores republicanos.

Quanto mais pré-candidatos republicanos, melhor para Trump

Notavelmente, DeSantis, Scott e ­Haley relutam em denunciar Trump diretamente, preferindo deixar o trabalho sujo para os aliados ou fazer comentários indiretos sobre a necessidade de acabar com uma cultura de perda ou abraçar a grandeza em vez da reclamação. Sua indecisão é uma visão impressionante do bloqueio de Trump na base do partido. Mas um candidato, o ex-governador do Arkansas Asa ­Hutchinson, foi mais direto ao pedir que Trump desistisse da corrida para lidar com seu caso criminal de suborno em ­Nova York. ­Hutchinson, de 72 anos, divulgou sua experiência liderando o estado profundamente conservador, mas tem reconhecimento do nome limitado em todo o país.

Outros candidatos em potencial incluem Mike Pence, 63 anos, ex-vice-presidente que rompeu com Trump durante a insurreição de 6 de janeiro, Chris Christie, 60, ex-governador de New ­Jersey e crítico combativo de Trump, e Chris Sununu, 48 anos, governador de New Hampshire, que disse não acreditar que Trump possa derrotar Biden.

Glenn Youngkin, 56 anos, gestor de fundos de hedge que se tornou governador da Virgínia e tem feito muito pelos direitos dos pais nas escolas, estaria a reconsiderar uma proposta da Casa Branca depois de descartá-la anteriormente. Enquanto isso, Vivek Ramaswamy, 37 anos, ex-investidor e executivo em biotecnologia, empreende uma campanha quixotesca.

Quanto maior o campo, mais Trump poderá se beneficiar. Como em 2016, um bando de candidatos pode muito bem dividir o voto anti-Trump enquanto sua base se mantém firme. Isso poderia pressionar DeSantis a se destacar tirando as luvas contra o ex-presidente, uma estratégia arriscada que saiu pela culatra para os colegas da Flórida Jeb Bush e ­Marco Rubio em 2016.

Wendy Schiller, professora de ciências políticas da Universidade Brown em ­Providence, Rhode Island, disse: “A única maneira de Ron DeSantis arrancar os eleitores de Trump é ele lutar tão duro e sujo quanto Trump, porque eles estão procurando um campeão que quebre barreiras, rompa as regras e realmente vá em frente. Isto é o que estão procurando: você está disposto a ir de igual para igual e enfrentar Trump em todos os sentidos?”

DeSantis ainda está relativamente bem colocado. Ele estava conseguindo dois dígitos e se gabava de um baú de guerra de mais de 110 milhões de dólares antes mesmo de entrar na corrida. Sua equipe disse que ele arrecadou 8,2 milhões nas primeiras 24 horas após o lançamento de sua campanha, quebrando o recorde de 6,3 milhões de Biden.

Exército. Trump mantém sua base mobilizada. Os fanáticos podem lhe garantir uma nova candidatura, apesar dos processos na Justiça – Imagem: Giorgio Viera/AFP

DeSantis também pode apontar uma lista de realizações legislativas de direita para defender que é efetivamente Trump sem o drama. Sua oposição às restrições da pandemia de Coronavírus e sua agenda “anti-woke” garantem uma cobertura favorável da rede Fox News de Rupert Murdoch e de outras mídias de direita. Ele tem muitos amigos no Partido Republicano da Flórida, apesar de Trump ter feito do estado seu lar adotivo. Christian Ziegler, presidente estadual da legenda, afirma que tem “ótimo relacionamento” com os dois. “A organização vai permanecer neutra, e encorajo todos os nossos líderes partidários a fazerem o mesmo, porque, não importa quem vença as primárias, temos de garantir que vamos conseguir os eleitores de quem perder para apertar as mãos e votar em quem quer que seja nosso candidato republicano. Temos de ficar de olho no que é a realidade e qual é o objetivo real. O verdadeiro inimigo aqui são os democratas e o que eles estão tentando fazer com os nossos filhos, nossas comunidades, nosso estado, nosso país.”

Os democratas, por sua vez, exultaram diante do fracasso do lançamento da campanha de DeSantis e deram pouca atenção à sua candidatura. Antjuan ­Seawright, estrategista da agremiação baseado em Colúmbia, na Carolina do Sul, disse: “Ele tem um problema de matemática, o que significa que sempre será considerado o vice-campeão de Trump, principal candidato em seu partido. Ele tem um problema político porque, em muitos casos, está tentando superar Trump quando se trata de política. Ele tem um problema político: não foi checado fora da Flórida e, portanto, nunca foi testado em batalha. Ele tem um problema de eleitorado porque, com tanta gente na disputa, de onde vêm seus seguidores?” Seawright acrescentou: “A primária republicana, francamente, calcificou-se em torno da ideia de nomear Trump novamente”. •

Publicado na edição n° 1262 de CartaCapital, em 07 de junho de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Vocação de sparring’

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