Mundo
Visita indesejada
Como os principais destinos da Europa estão criando restrições para conter o excesso de turistas


Construída originalmente para a grande Exposição Ibero-Americana de 1929, a extravagante Plaza de España de Sevilha, em estilo neomourisco, é há quase um século uma das principais atrações da cidade. Mas os milhares de visitantes de todo o mundo que lotam a praça diariamente, a pé ou em charretes puxadas por cavalos, poderão em breve ter de pagar pelo privilégio de ver de perto seus azulejos decorativos, com a receita dos ingressos destinada à manutenção do local.
“Estamos planejando fechar a Plaza de España e cobrar dos turistas, para financiar sua conservação e garantir a segurança”, anunciou recentemente o prefeito de Sevilha, José Luis Sanz, no X. Ele deixou claro que os residentes locais e os visitantes da província da Andaluzia não terão de pagar para conhecer a praça, que serviu de cenário para um filme da saga Guerra nas Estrelas.
Muitos moradores se opuseram ao plano, mas por entender que ele seria complicado de administrar e não eficaz. Muito melhor, segundo diversos cidadãos, seria um imposto de turismo elevado para todos os visitantes de Sevilha. “O turismo de massa está destruindo a nossa cidade”, escreveu um deles.
As cidades mais populares recebem, anualmente, um número de visitantes 20 vezes superior à população local
A frase é ouvida comumente em cidades históricas da Europa, de Praga a Barcelona, de Atenas a Amsterdã. O turismo de massa, alimentado por voos baratos e aluguel de quartos pela internet, tornou-se um monstro. Após a crise da Covid-19, os números do turismo estão aumentando e devem ultrapassar os níveis pré-pandêmicos neste verão. O número de assentos em companhias aéreas de baixo custo na Europa, que aumentou 10% anualmente desde 2010 e atingiu 500 milhões em 2019, poderá ultrapassar 800 milhões em 2024.
Antes do confinamento, a Airbnb, a maior entre várias plataformas para estadias curtas, registrou um crescimento de três dígitos em algumas localidades europeias. O resultado é que as cidades mais populares para férias hoje recebem anualmente 20 ou mais visitantes para cada habitante local. É preciso encontrar um equilíbrio delicado entre as receitas e os empregos gerados pelo turismo e a qualidade de vida dos residentes, entre gerir o turismo e desencorajá-lo.
Com 3 milhões de turistas por ano e uma população de 700 mil habitantes, Sevilha cogita cobrar pelas visitas a grandes atrações. Desde janeiro, os visitantes estrangeiros da Hagia Sophia em Istambul, que recebe cerca de 3,5 milhões de turistas por ano, pagam 25 euros (134 reais) pelo privilégio. Veneza está tão invadida por visitantes que introduziu uma taxa de ingresso na cidade, que varia de 3 a 10 euros (54 reais). Paris quase triplicou suas taxas de imposto turístico.
Outras cidades contam com uma melhor gestão – Atenas, por exemplo, adotou no verão passado um sistema de horários para visitar a Acrópole, enquanto o acesso durante o verão às Calanques de Marselha é agora regulado por um sistema de reserva gratuita. Alguns locais estão lançando campanhas de informação com o objetivo de remodelar os fluxos. A França, onde 80% das visitas se concentram em 20% do país, lança nesta primavera uma campanha de 1 milhão de euros, apelando aos turistas para desviar dos caminhos habituais.
Algumas medidas antiturismo se revelam, porém, apenas rumores. No verão passado, foi amplamente divulgado que a cidade murada de Dubrovnik, na Croácia, considerada o destino mais visitado da Europa, com 36 visitantes por residente, teria proibido as malas com rodinhas. Na verdade, no âmbito de uma campanha que exorta os turistas a se vestirem adequadamente no centro histórico e a não subir nos monumentos, a Câmara Municipal havia pedido que eles carregassem as malas sobre os pavimentos de pedras para reduzir o nível de ruído.
Holanda
Em março do ano passado, Amsterdã anunciou um plano para dissuadir jovens britânicos festeiros de viajar para lá, com vídeos que alertavam sobre multas, registros hospitalares e anotações criminais. Mas o número de turistas que pernoitaram na capital do país que cunhou o termo “overtoerisme” atingiu níveis quase pré-pandêmicos: 9 milhões em 2023, 21% a mais que no ano anterior.
Em novembro, a cidade lançou outra campanha, “Renove Sua Visão”, para destacar outros atrativos além do sexo e das drogas, mas o plano de afugentar turistas incômodos persiste. Desde a primavera passada, existe uma proibição de fumar cannabis em espaços públicos no distrito da luz vermelha, enquanto o encerramento dos bares às 2 horas, em vez de 4 horas, reduziu o número de transeuntes entre 30% e 60%. Por razões de segurança, as janelas dos bordéis de profissionais do sexo passaram, porém, a ficar abertas até 6 horas da manhã, em vez de 3 horas.
Amsterdã também está reduzindo o número de pousadas bed & breakfast em 30%, aprovou o fim de um terminal de cruzeiros no centro da cidade e está testando medidas de licenciamento mais duras para remover empresas turísticas “desonestas”, como lojas de doces suspeitas de ser frentes criminosas.
Uma autarquia monitora o número de turistas em busca do equilíbrio, mas os déficits orçamentários e uma conta bilionária para reparar as margens dos canais em ruínas significam que o turismo é essencial para Amsterdã: este ano, a taxa turística aumentou de 7% para 12,5%, a mais alta da Europa, com um custo diário de 14 euros (75 reais) por passageiro dos navios de cruzeiro.
Turismo predatório. Veneza luta para preservar seu estatuto de patrimônio da Unesco. Santorini regula o desembarque de passageiros dos navios de cruzeiro – Imagem: iStockphoto
Espanha
O país recebeu 85 milhões de turistas em 2023, quase 2% a mais que em 2019, antes da pandemia. O turismo é responsável por 13% do PIB espanhol e, após a devastação econômica causada pela Covid, as vozes que pediam a restrição do número de visitantes virtualmente se calaram.
O negócio da hospitalidade continua, porém, a entoar o mantra da qualidade em detrimento da quantidade. Nas Ilhas Baleares, a incluir Ibiza e Maiorca, prepara-se uma nova legislação para reprimir turistas alcoolizados. No ano passado, perto de 15 milhões de pessoas visitaram o arquipélago, com uma população de 2 milhões de habitantes. Espera-se que a lei de repressão ao turismo alcoólico entre em vigor quando a temporada começar, na Páscoa.
Pesadas multas foram impostas aos praticantes de balconing (saltar da varanda para a piscina do hotel), as lojas foram proibidas de vender bebidas depois das 21h30. Entre as medidas previstas figuram, ainda, a deportação por comportamento antissocial e uma lista de pessoas proibidas de visitar as ilhas.
Itália
Depois de anos de negociações, Veneza é o primeiro grande ponto turístico da Itália a adotar uma taxa de ingresso para turistas. A medida começa no início da alta estação, em 25 de abril, e numa primeira fase experimental será aplicada apenas em determinados dias até 14 de julho. Os ingressos de 5 euros (27 reais) podem ser reservados online desde meados de janeiro. O tempo dirá se a polêmica iniciativa funciona, mas, com o número de visitantes regressando aos níveis anteriores à pandemia e a ameaça perene de a frágil cidade lagunar perder seu estatuto de patrimônio da Unesco, as autoridades foram forçadas a agir.
Há muito tempo que Florença sofre problemas semelhantes de excesso de turismo e um êxodo de moradores do centro histórico, o que levou o município, em outubro de 2023, a proibir aluguéis de curta duração no centro histórico por plataformas como o Airbnb. O prefeito da cidade, Dario Nardella, diz que a iniciativa não é uma “panaceia”, mas foi um “passo concreto” para enfrentar o problema numa cidade com uma população de em torno de 720 mil habitantes que registra, em média, mais de 16 milhões de pernoites de turistas durante o ano.
Em outras partes da Itália, os motoristas ao longo da costa de Amalfi serão submetidos a um rodízio, para evitar o congestionamento perpétuo ao longo da sinuosa estrada costeira de 35 quilômetros, descrita como “um pesadelo” pelos habitantes locais. Carros com placas terminadas em número ímpar podem usar a estrada num dia e os que terminam em número par, no outro.
Atenas limitou o acesso de turistas na Acrópole para preservar o sítio arqueológico
Em Cinque Terre, outro sítio da Unesco, as autoridades também avaliam como gerir o excesso de turismo. “Não queremos menos turistas, mas queremos ser capazes de recebê-los de forma sustentável”, explica Donatella Bianchi, presidente do parque nacional de Cinque Terre.
Grécia
Em um dos países mais visitados do mundo, o aumento do número de turistas não apenas sobrecarrega a infraestrutura das ilhas idílicas, como também força cada vez mais a capacidade de Atenas. Outrora uma escala para viajantes a caminho das ilhas, a metrópole grega é hoje um destino “imperdível” por si só, atraindo mais de 7 milhões de turistas em 2023, um recorde histórico.
Para enfrentar um afluxo que deverá aumentar quando o mercado asiático se recuperar, as autoridades gregas anunciaram que as políticas de controle de multidões – implementadas de forma piloto na Acrópole, em setembro – serão estendidas a outros sítios arqueológicos no próximo mês.
Em 2023, no auge da temporada, mais de 20 mil turistas por dia subiam a colina para ver o edifício do século V a.C. “O turismo é, obviamente, desejável para o país, mas temos de garantir que o turismo excessivo não prejudique o monumento”, resume a ministra da Cultura grega, Lina Mendoni.
O esquema de zonas para visitantes, em funcionamento das 8 às 20 horas, visa aliviar o congestionamento, com as autoridades implantando um sistema de horários, bilheterias eletrônicas e pontos de acesso rápido para grupos organizados. Os museus também limitarão o número de visitantes a partir de abril.
A perspectiva de o país desfrutar de mais um excelente ano de turismo tem sido recebida com receio entre os ambientalistas nas ilhas, cujas comunidades têm lutado com a gestão de resíduos, a escassez de água, serviços públicos insuficientes e construções ilegais. Diante do descontentamento, o governo foi forçado a intervir. Em Santorini, foi introduzido um sistema de atribuição de cais para navios de cruzeiro, com o número de desembarques em qualquer período de 24 horas limitado a 8 mil passageiros. Em Mykonos, as autoridades passaram a demolir bares e restaurantes erguidos ilegalmente em locais nobres. •
*Colaboraram Senay Boztas, Stephen Burgen, Angela Giuffrida e Helena Smith.Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Visita indesejada’
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