Um jesuíta em pele de Francisco

Qual exemplo seguirá o novo papa: o desprendimento do santo que lhe empresta o nome ou verve colonizadora da Companhia de Jesus?

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Um mistério cercou o Vaticano após a escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo líder da Igreja Católica. Ao ser anunciado papa Francisco, teria o sumo pontífice se inspirado em qual são Francisco? O de Assis, de vestes simples, atenção aos pobres e reação aos luxos e ao poder, ou Xavier, um dos co-fundadores da Companhia de Jesus, braço do Estado na colonização do novo mundo a partir da catequese? Bergoglio, um jesuíta, teria homenageado o santo a quem, segundo a história, foi convidado pelo espírito de Cristo a reconstruir a Igreja ou o santo que ajudara a fundar a companhia da qual faz parte?

No sábado 16 a dúvida se dissipou. Em entrevista coletiva, o papa Francisco deixou claro: o nome, sugerido pelo cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, era uma homenagem a são Francisco de Assis. “Gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”, disse. O nome foi definido quando a sua escolha como papa já se materializava no Conclave e o colega brasileiro disse após um abraço: “Não se esqueça dos pobres”.

Eis a origem da nomenclatura. O jesuíta, portanto, acenava para uma outra face da própria Igreja ao reverenciar o santo que, como lembrou o jornalista Mino Carta em seu mais recente editorial, “foi reformador herói, sem contar o poeta que escreveu O Cântico das Criaturas, ou Cântico ao Irmão Sol, obra-prima da língua italiana, e, portanto, o santo mais próximo de Cristo, cujo exemplo transformou na Regra da sua vida e da sua pregação em defesa da natureza e dos desvalidos”.

“A lição de Francisco é, na essência, um desafio à Igreja e ao papa Inocêncio III, estadista cercado pelo luxo, grudado à crosta terrestre e às suas ambições e vaidades, e em cuja época o poder temporal do Vaticano atingiu o apogeu, quando o sucessor de Pedro interferia na política do Sacro Romano Império. Francisco surge como prova dos descaminhos papais, é o manso contestador que põe o dedo na chaga em nome da ideia indiscutivelmente cristã da revelação e do amor”, escreveu Carta.

O exemplo de Francisco de Assis, portanto, parece uma contradição à escola pela qual Bergoglio se formou, está de voto incondicional ao papa e historicamente ligado aos interesses do Estado colonizador. Uma ordem que tinha como pretensão, a partir do século XVI, “civilizar os índios” – para muitos, uma forma de genocídio cultural. Vale lembrar, no entanto, que a ordem dos jesuítas tem como compromisso, a partir do Concílio Vaticano II, os votos em defesa da justiça social e a “opção preferencial pelos pobres”.


É este compromisso que o novo papa tentou reforçar em sua primeira manifestação à imprensa. O que ainda não se sabe é qual lado pesará em seu papado: o exemplo contestador do santo que lhe empresta o nome ou a proximidade com a ordem e os colonizadores que a história dos jesuítas inspira.bsp;

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