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Ultradireita não chega tão unida às eleições parlamentares da Europa

Grupos nacionais compartilham opiniões sobre imigração e outros temas, mas há muitas preocupações que dividem a aliança

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O vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, conduziu uma reunião de seus aliados europeus de extrema-direita na frente da catedral gótica de Milão no sábado 18. Ele prometeu mudar a história depois das eleições para o Parlamento Europeu e fazer da aliança populista um dos maiores agrupamentos no Parlamento Europeu.

Ao lado da francesa Marine Le Pen e de líderes de outros nove partidos nacionalistas, Salvini começou seu discurso na Piazza del Duomo lotada com uma citação do autor britânico G.K. Chesterton: “O verdadeiro soldado não luta porque odeia o que está à sua frente, mas porque ama o que está atrás”. Ele acrescentou que seu grupo remodelaria a Europa “não pelo nosso bem, mas pelo de nossos filhos”.

“Não há extremistas, racistas ou fascistas nesta praça”, clamou Salvini. “Os extremistas são aqueles que governaram a Europa por 20 anos em nome da pobreza e da precariedade.” Manifestantes contrários ao comício se encontraram no Parque Sempione em Milão, enquanto moradores penduravam nas janelas faixas que anunciavam “Milão é antifascista”. Giuseppe Sala, o prefeito da cidade, de centro-esquerda, disse: “Os nacionalistas não vão tomar a cidade”.

Salvini, que chefia a Liga, de extrema-direita, e Le Pen, líder da Reunião Nacional, pressionam para que seu grupo Europa das Nações e das Liberdades (ENL) se torne o terceiro maior bloco partidário depois das próximas eleições.

Outros oradores, incluídos Geert Wilders, do Partido da Liberdade da Holanda, Anders Vistisen, do Partido Popular da Dinamarca, e Jörg Meuthen, da Alternativa para a Alemanha, mantiveram a retórica comum, invariavelmente defendendo a repressão à imigração ilegal, enquanto “protegem a civilização europeia”. Ao mesmo tempo eles mantiveram uma avalanche de ataques a Emmanuel Macron, Angela Merkel e Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia.

O contingente da Europa do Leste foi representado por Veselin Mareshki, da Bulgária, empresário que fundou o partido Volya e é descrito como o Donald Trump do país, Jaak Madison, deputado do EKRE da Estônia, Boris Kollár, líder do Nós Somos Família, da Eslováquia, e Tomio Okamura, o líder tcheco-japonês do partido SPD.

Há divergências sobre como se relacionar com a Rússia, como atuar nos limites fiscais da UE e até de que maneira lidar com os imigrantes

A aliança viveu, no entanto, um início agitado depois que Heinz-Christian Strache, líder do Partido da Liberdade da Áustria (FPO), um dos mais fortes aliados de Salvini, foi obrigado a deixar o cargo de vice-chanceler no sábado, após vir a público um vídeo no qual ele oferece contratos do governo em troca de apoio político. Harald Vilimski, o principal candidato do partido nas eleições europeias, deveria participar do comício em Milão, mas cancelou no último minuto.

Quando perguntada sobre se o grupo continuaria aliado ao FPO, Le Pen disse a repórteres em entrevista coletiva mais cedo no sábado: “Vamos responder depois de ouvir a explicação de Strache. Mas, seja qual for a verdade sobre as acusações, o FPO tem 25% do eleitorado austríaco, por isso (as acusações) não farão o partido desaparecer. Estou surpresa que esse vídeo de 2017 apareça agora, poucos dias antes das eleições”.

Os diferentes grupos nacionais podem compartilhar opiniões sobre imigração e outros temas, mas há muitas preocupações que dividem a aliança.

Recentemente, Salvini despertou temores entre alguns de seus parceiros mais preocupados com o orçamento, quando disse que estaria disposto a romper as regras de déficit orçamentário da União Europeia, perturbando os mercados financeiros. Outras questões delicadas incluem a distribuição dos migrantes e as relações com a Rússia.

Frente? Salvini e Marine Le Pen projetam um avanço significativo da extrema-direita. Mas o escândalo na Áustria e certas diferenças amornam as pretensões das legendas populistas

Viktor Orbán, da Hungria, com quem Salvini se encontrou em Budapeste no início do mês, poderá cooperar com o novo bloco se seu partido Fidesz for expulso do Partido Popular Europeu, de centro-direita, depois das eleições, mas não quer entrar num grupo com Le Pen.

Os aliados nacionalistas da Dinamarca e da Estônia são firmemente anti-Rússia, contrariando a posição de Salvini e Le Pen. O Partido Lei e Justiça, que governa a Polônia, e que Salvini tentou atrair durante uma visita a Varsóvia em janeiro, provavelmente ficará fora de qualquer agrupamento formal, em parte por preocupações sobre a Rússia.

“Respeitamos (suas opiniões), pois eles têm muitas razões históricas para ser muito cautelosos sobre a Rússia”, disse a The Observer, em Milão, Hervé Juvin, candidato a deputado do Parlamento Europeu da Reunião Nacional da França. “A França tem uma história diferente com a Rússia, e consideramos o povo russo nossos amigos.”

Juvin acrescentou que a principal coisa que une os dois partidos é seu desejo de “recuperar a soberania” de seus países e “recobrar o poder de fazer nossas próprias regras e controlar nossas fronteiras”.

Salvini foi elogiado por todos no evento por fechar os portos italianos aos migrantes que chegam por mar. A política fez sua popularidade florescer. Em menos de um ano, a Liga superou seu partido de coalizão, o Movimento Cinco Estrelas, e se tornou a maior legenda da Itália. Pesquisas finais sobre intenções de voto nas eleições da UE lhe dão cerca de 30%, contra 6,4% obtidos na votação em 2014. Salvini descreveu as eleições europeias como um “referendo entre vida e morte”.

“Seu principal objetivo é tático”, disse Massimiliano Panarari, professor de política na Universidade Luiss de Roma. “Não importa que eles tenham posições diferentes, trata-se de marketing político – apresentar-se como uma alternativa à Europa atual e ter poder nas instituições europeias.”

Tropeço. Strache, vice-chanceler da Áustria, foi obrigado a renunciar após trocar cargos por apoio político. Milhares vão às ruas na Europa contra o fascismo

G.K. Chesterton, o criador do clérigo-detetive Padre Brown, foi perseguido por ligações com o fascismo muito antes de sua morte, em 1936.

Como muitos intelectuais nos anos Entre-Guerras, ele vivia no temor do comunismo e via fascistas como Mussolini e Franco como uma “reação saudável” ao que considerava “corrupção” no corpo político. A atração não era totalmente política: os fascistas espanhóis e italianos eram católicos como Chesterton. Isso, aliado a acusações de antissemitismo, faz dele à primeira vista um precursor de neonacionalistas como Matteo Salvini. Muitos ignoram, porém, sua rejeição a Adolf Hitler e aos nazistas.

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