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Trump e a ameaça da direita ao neoliberalismo

O sistema fundado sob os princípios do livre comércio, da globalização e do mercado desregulamentado atinge a todos

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O mundialmente lamentado triunfo de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas tem como saldo uma constatação absolutamente provocante: o neoliberalismo, tal qual o conhecemos, pode estar com os dias contados. Mais curioso ainda é perceber que a mola propulsora desse processo vem de uma direita nacionalista em ascensão em várias partes do mundo. 

Até o histórico 9 de novembro de 2016, a “direita por excelência” poderia ser definida como conservadora em costumes (contra o casamento LGBT, a legalização das drogas e afins) e liberal em economia (a favor do livre mercado e de um Estado enxuto, com baixa carga tributária).  

Do ponto de vista comportamental, Trump é um autóctone representante do campo da direita. Seus deploráveis pontos de vista sobre mulheres, latinos e muçulmanos vão muito além do politicamente incorreto. Até aí, nada de novo. Como bem define o sociólogo americano Charles Lemert, Trump é o genuíno “significante zero” – quer dizer, o “macho, branco, europeizado, heterossexual e burguês” – a partir do qual todos os seres humanos são julgados na cultura ocidental.  

Em tempo: é sempre bom ressalvar que pessoas de esquerda também podem ser preconceituosas. Quem assistiu ao ótimo filme Billy Elliot lembra que, apesar de crescer numa família de sindicalistas que batiam de frente com as políticas neoliberais implementadas na Inglaterra na década de 1980, o protagonista adolescente que sonhava em ser bailarino sofria com a homofobia escancarada do pai e do irmão.

Mas voltemos ao foco da discussão: é no plano da economia que a vitória de Trump embota a percepção sobre o que hoje se entende por direita. Isso porque o bilionário apresentador de TV se cacifou para o posto de homem mais poderoso do mundo ao vocalizar a insatisfação de uma massa de eleitores de direita – que assim como ele também se identificam como “significante zero” – com o legado da globalização econômica gerada pelo neoliberalismo.

Para tornar a América grande novamente, como promete seu slogan de campanha, Trump acena com medidas protecionistas e planeja trazer empreendimentos de volta para os Estados Unidos a fim de gerar 25 milhões de empregos.

Basicamente, a receita vai na contramão do que vem acontecendo nas últimas quatro décadas, período em que as grandes corporações mantiveram suas sedes em território americano, mas transferiram suas indústrias para o sudeste asiático por causa da mão de obra barata – a Apple, com seus iPhones fabricados na Foxconn, que o diga.  

O fato é que o neoliberalismo fundado sob os princípios do livre comércio, da globalização produtiva e do mercado financeiro desregulamentado já não tunga a renda e os postos de trabalho apenas dos americanos pobres socorridos por políticas públicas, como o Obamacare.

Agora, os americanos “significante zero” – que em geral enxergam como parasitas sociais os compatriotas que dependem do Estado para sobreviver – clamam por um pedaço do bolo do qual eles também não puderam comer.    

Não por coincidência, as bolsas mundo afora rolavam ladeira abaixo à medida que a antes inimaginável eleição de Trump se mostrava cada vez mais possível. Não à toa, as grandes corporações apostaram todas suas fichas em Hillary Clinton – a candidata do establishment.

Os ímpetos protecionistas de Trump são um colírio para os olhos da direita nacionalista, mas tiram o sono dos arquitetos do edifício neoliberal erigido desde a década de 1980.  

Ainda é cedo para saber se as promessas de campanha de Trump são apenas bravatas eleitorais ou se vão de fato mudar as regras do cassino global, nos próximos anos. Mas que ele tem capacidade para bagunçar as regras do jogo, isso ele tem.

*Carlos Juliano Barros é jornalista e documentarista. Diretor dos documentários Entre os Homens de Bem, Carne Osso – O Trabalho em Frigoríficos e Jaci – Sete Pecados de Uma Obra Amazônica

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