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Tribunal Supremo da Venezuela assume as funções do Parlamento

Oposição acusa golpe, enquanto Judiciário fala em manutenção do Estado de Direito

Julio Borges, presidente do parlamento venezuelano, rasga cópia da decisão do TSJ, nesta quinta-feira 30, em Caracas
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O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela assumiu as competências do Parlamento, de ampla maioria opositora e ao qual considera em desacato, em uma decisão que, segundo analistas, representa mais um passo rumo a um modelo autoritário.

“Adverte-se que, enquanto persistir a situação de desacato e de invalidade das atuações da Assembleia Nacional, esta Sala Constitucional garantirá que as competências parlamentares sejam exercidas diretamente por esta sala ou pelo órgão de que ela disponha para velar pelo Estado de Direito”, assinala a decisão do TSJ publicada na noite de quarta-feira 29.

O TSJ, acusado pela oposição de servir ao governo de Nicolás Maduro, declarou o Legislativo em desacato no início de 2016, devido à juramentação de três deputados opositores cuja eleição foi suspensa por suposta fraude. Por isso, cancelou todas as decisões parlamentares. Embora a câmara tenha desvinculado estes deputados posteriormente, o tribunal considera que o ato não foi formalizado. 

“Nesta semana avançamos lamentavelmente rumo a um modelo autoritário na política venezuelana. A democracia está em perigo”, disse nesta quinta-feira à AFP o analista Carlos Romero. “Estamos diante de um uso indiscriminado e ilegal das atribuições do TSJ para acabar com o Poder Legislativo”, acrescentou. 

Após a divulgação da nova decisão do TSJ, o opositor Henry Ramos Allup afirmou que os parlamentares “devemos seguir cumprindo nossos deveres (…) e continuar exercendo a qualquer preço nossas funções, porque para nós uma pessoa não nos deu um título de deputados, nós fomos eleitos”. O Parlamento venezuelano, por sua vez, acusou nesta quinta-feira Maduro de dar um “golpe de Estado”.

“Na Venezuela Nicolás Maduro deu um golpe de Estado”, afirmou o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, em uma declaração na qual anunciou que o Legislativo desconhece a decisão do TSJ, classificando-a de “lixo”.

Além disso, apelou para que os militares quebrem o silêncio diante da ruptura constitucional. “A Força Armada venezuelana não pode seguir calada diante da ruptura da Constituição. Sabemos que a imensa maioria dos oficiais (…) é contrária ao caos que ocorre na Venezuela”, afirmou Borges.

Já o legislador Diosdado Cabello, um dos principais dirigentes do chavismo, comemorou a decisão. “Não podemos estar com a Assembleia Nacional ausente porque eles querem”, disse.

Alegando o desacato, o TSJ já havia retirado a imunidade dos deputados, o que abriu a possibilidade de processá-los, inclusive ante tribunais militares.

A retirada dos foros parlamentares ocorreu enquanto o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reunia para debater a grave crise política e econômica do país petrolífero. 

O encontro em Washington terminou sem acordo, mas 20 países assinaram uma declaração conjunta na qual expressaram “preocupação pela difícil situação política, econômica, social e humanitária” da Venezuela.

Uma semana antes deste encontro, o bloco opositor aprovou um acordo no qual pediu à OEA que aplique a Carta Democrática Interamericana, que prevê sanções em caso de alterações ou ruptura do marco constitucional, o que foi classificado por Maduro como “traição à pátria”, um crime punido com penas de até 30 anos de prisão.

Para analistas como Benigno Alarcón, a escalada no choque de poderes da Venezuela é uma resposta às recentes ações da OEA. “O governo está tentando aumentar a pressão sobre os parlamentares e a comunidade internacional, dizendo que está disposto a represálias e a prender líderes opositores que estejam buscando ajuda no exterior”, declarou Alarcón à AFP.

A sentença mediante a qual o TSJ adota as funções do Parlamento também tem um fundo econômico. Ocorreu em resposta a um recurso de interpretação sobre a criação de empresas mistas no setor petrolífero.

Segundo a Constituição, o governo não pode assinar contratos de interesse público com Estados ou empresas públicas e privadas estrangeiras “sem a aprovação da Assembleia Nacional”. Mas, ao declarar “omissão legislativa”, o TSJ indicou que não existe “impedimento algum” para que o Executivo forme companhias sem passar pelos deputados.

Esta questão é chave para o governo, que busca financiamento para paliar um déficit fiscal que o Banco Mundial estimou em 11,5% do PIB em 2016.

Maduro também tenta atrair investimentos estrangeiros para os setores petrolífero e minerador, e enfrentar, assim, a grave crise econômica, refletida em escassez de todo tipo de bens básicos e na inflação mais alta do mundo, projetada em 1.660% pelo FMI para 2017.

As gestões na OEA são promovidas por seu secretário-geral, Luis Almagro, que exige a convocação de eleições gerais em um curto prazo e a libertação de uma centena de opositores presos. As eleições presidenciais estão previstas para dezembro de 2018, enquanto as regiões deveriam ter ocorrido no fim do ano passado, mas o poder eleitoral as adiou para 2017 e ainda não fixou uma data.

*Leia mais em AFP

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