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Tribunal do Vaticano condena cardeal a 5 anos e meio de prisão por fraude financeira

Ex-assessor próximo do papa Francisco, o cardeal Becciu é o funcionário de mais alta posição na hierarquia da Igreja Católica a ser julgado pelo Tribunal do Vaticano

Cardeal Angelo Becciu. Foto: Vaticano
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O Tribunal Penal do Vaticano condenou em primeira instância, neste sábado (16), o cardeal italiano Angelo Becciu, de 75 anos, julgado junto com outros nove por fraude, a cinco anos e meio de prisão, após um julgamento histórico relacionado com operações financeiras da Santa Sé.

O cardeal também foi multado em 8.000 euros (US$ 8.700, ou R$ 42.900 na cotação atual).

“Respeitamos o veredito, mas certamente entraremos com recurso”, declarou o advogado do réu, Fabio Vignone.

O procurador havia reivindicado sete anos e três meses de prisão para ele e uma multa de mais de 10.000 euros.

Ex-assessor próximo do papa Francisco, o cardeal Becciu é o funcionário de mais alta posição na hierarquia da Igreja Católica a comparecer ante esse tribunal do Vaticano, a Justiça civil da Cidade-Estado.

No centro do caso está a compra, por 350 milhões de euros (US$ 164 milhões, ou R$ 810,1 milhões na cotação atual), de um edifício de luxo em Londres entre 2014 e 2018, no âmbito dos investimentos da Santa Sé, que dispõe de considerável patrimônio imobiliário. Este caso, com múltiplas ramificações, coloca de novo sobre a mesa a opacidade das finanças do Vaticano.

Desde sua eleição em 2013, o papa Francisco tenta sanear as operações da Igreja. O pontífice argentino também reformou o sistema judicial para que bispos e cardeais possam ser julgados em tribunais laicos, e não apenas em instâncias religiosas.

O procurador Alessandro Diddi pediu penas de prisão que vão de quase quatro anos a até mais de 13 anos, além de sanções financeiras, contra os dez réus que comparecem à Justiça para responder por fraude, desvio de fundos, abuso de poder, lavagem de dinheiro, corrupção e extorsão.

Das dez pessoas processadas, uma foi absolvida; outras duas, condenadas a  pagarem uma multa; e outra, a uma pena de prisão sob sursis de um ano e meio. A pena mais dura, de sete anos e meio de prisão e multa de 10.000 euros (cerca de 10.900 dólares), foi para Fabrizio Tirabassi, um ex-funcionário da Secretaria de Estado acusado de receber comissões.

Ex-número dois da Secretaria de Estado, principal órgão do governo central da Santa Sé, no centro desta transação, o cardeal Becciu mantém seu título, mas foi destituído de todas as suas funções em setembro de 2020. O cardeal, nascido na Sardenha, sempre alegou inocência e garantiu que “nunca roubou um centavo”. Também disse ter sido vítima de um “linchamento midiático”. Seus advogados pediram sua absolvição.

O tribunal explicou que considerou Becciu culpado de malversação porque ele ordenou o pagamento de um total de 200,5 milhões de dólares entre 2013 e 2014, oriundos dos fundos da Secretaria de Estado, para um fundo de investimento “altamente especulativo” liderado por Raffaele Mincione. Este último também foi condenado, com uma sentença de cinco anos e meio de prisão e multa de 8.000 euros.

A Justiça também considerou o cardeal culpado de pagar 125 mil euros (cerca de 136 mil dólares) a uma cooperativa administrada por seu irmão, assim como por ter pago outros 570 mil euros (622 mil dólares) a um intermediário pela libertação de uma freira refém na África. O valor, na verdade, nunca foi usado para esse objetivo.

A Santa Sé convidou o tribunal a “punir todos os crimes”, disse seu secretário de Estado, número dois no Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, que considerou a Secretaria de Estado como “a parte prejudicada”.

Vários intermediários

O tribunal ordenou ainda o confisco de bens no valor de 166 milhões de euros (R$ 894,8 milhões) dos condenados, bem como o pagamento de 200 milhões de euros (cerca de R$ 1 bilhão) em indenizações às partes civis, quatro instituições do Vaticano.

Ao final das 86 audiências deste processo conhecido como o “do imóvel de Londres”, os debates trouxeram à luz a falta de transparência de algumas operações financeiras da Santa Sé, com revelações sobre escutas telefônicas e procedimentos opacos por meio de uma série de intermediários.

Entre os destaques do processo, estão as revelações sobre uma conversa telefônica de Becciu – por sua iniciativa – com o papa e gravada sem seu conhecimento, pouco antes do julgamento. Nela, pedia-lhe que confirmasse ter aprovado movimentos financeiros confidenciais.

A instrução descreveu um emaranhado “quase impossível de desvendar” de fundos de investimento especulativos, bancos, instituições de crédito, pessoas físicas e jurídicas.

Esta aquisição, a um preço supervalorizado, revelou o uso imprudente do Óbolo de São Pedro, a grande arrecadação anual de doações destinadas às ações de caridade do papa. Também gerou perdas substanciais nas finanças do Vaticano.

A Santa Sé finalmente revendeu o edifício de 17.000 m2 localizado no elegante bairro de Chelsea, à custa de grandes prejuízos.

Este caso foi um duro golpe na reputação da Igreja e do papa Francisco, que multiplicou reformas para sanear as finanças do Vaticano e combater fraudes.

Além da criação de uma Secretaria para a Economia em 2014, limitou, desde sua eleição no ano anterior, investimentos e atividades do Banco do Vaticano, em especial com o encerramento de 5.000 contas suspeitas.

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