Economia

Três anos após o Brexit, britânicos demonstram arrependimento pela saída da União Europeia

Com inflação alta, dificuldade de mão de obra e falta de investimentos, o Reino Unido vivenciou o seu maior dia de greve geral em onze anos

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Quando o Reino Unido anunciou, no final de janeiro de 2020, a sua saída da União Europeia, o então primeiro-ministro britânico, o membro do Partido Conservador Boris Johnson, comunicava aos britânicos – e ao mundo – que transformaria aquela “oportunidade”, segundo as suas palavras, em um “impressionante sucesso”.

Àquela altura, o “Brexit”, como ficou conhecida a saída, finalmente tomava forma, depois dos britânicos terem aprovado a medida em uma votação apertada, realizada em 2016: 52% da população votou a favor, contra 48% que votaram contra.

O Reino Unido, no entanto, não votou de maneira uniforme pelo Brexit. A região, na verdade, representa uma complexa união de povos marcados por históricas diferenças religiosas e sucessivos movimentos separatistas.

Na época da votação, por exemplo, cidadãos da Inglaterra votaram pela saída da União Europeia, ao passo que habitantes da Escócia e da Irlanda do Norte votaram pela permanência. Dentro da Inglaterra, a região de Londres também votou contra a saída. Em jogo, estava a soberania do Reino Unido, questões tributárias relacionadas ao comércio internacional e a própria saúde financeira da Grã-Bretanha.

Arrependimento britânico

Passados três anos do Brexit, o arrependimento pela saída pode ser medido em números. Já em 2021, uma sondagem do The Observer, associado ao jornal britânico The Guardian, apontava que 60% dos eleitores britânicos achavam que a saída aconteceu de maneira pior do que esperavam. No início deste ano, o portal britânico What UK Thinks realizou uma sondagem que mostrou que, se a votação fosse hoje, 58% dos britânicos votariam pela permanência na União Europeia, contra 42% que prefeririam permanecer fora.

A sondagem revelou, também, que os britânicos reconhecem que a pandemia de Covid-19 e a guerra entre a Rússia e Ucrânia são fatores importantes para a crise econômica (o Reino Unido experimenta, por exemplo, inflação atual acima dos dois dígitos), mas parte substancial dos eleitores aponta que a culpa pela crise é do Brexit.

Dificuldades na economia

Um sentimento comum aos britânicos que experimentam as consequências do Brexit é a falta de direção. No setor comercial, por exemplo, a saída do Reino Unido significou não apenas o desligamento com a União Europeia, mas a separação do mercado único e da própria união aduaneira europeia (a última realizou-se em 2021). Em pesquisa realizada no final do ano passado pela Câmara Britânica de Comércio com 500 empresas do Reino Unido, mais da metade das empresas afirmou que enfrenta dificuldades com a burocracia imposta pelo Brexit. Além disso, 75% das empresas britânicas afirmaram que o Brexit não impulsionou os negócios.

A situação impactou, consequentemente, os empregos. Em síntese, o Brexit buscou criar um sistema de imigração baseado em uma métrica de pontuação. As regras de circulação de mão de obra ficaram mais restritas, uma vez que uma das premissas do Brexit era proteger o mercado de trabalho britânico, favorecendo os trabalhadores da região. No entanto, um estudo das consultorias Center for European Reform e UK In a Changing Europe, divulgado pela BBC, aponta que o Reino Unido tem 330 mil trabalhadores a menos, sendo a queda um resultado direto da separação da UE.

A dificuldade na promoção de novos negócios, as barreiras à importação e à exportação, além da diminuição de mão de obra, fizeram com que o Reino Unido passasse a experimentar uma inflação poucas vezes vista na história. Em outubro do ano passado, a inflação registrada foi de 11,1%. Trata-se do valor mais alto em mais de 40 anos. Ainda inserida em uma economia globalizada, a região não está imune ao crescimento da inflação global, especialmente no que se refere aos alimentos. 

Nesse contexto, o próprio Reino Unido é a única economia do G7 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo) que ainda não regressou aos níveis de Produto Interno Bruto (PIB) pré-pandemia. Gabinetes ligados ao governo britânico estimam que o Brexit poderá, a longo prazo, reduzir em 4% toda a produtividade britânica. O Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou, nesta semana, que o Reino Unido deverá ser a única economia dos principais países a não crescer.

A situação implica em uma redução geral nos investimentos. A BBC aponta, por exemplo, que o investimento na economia britânica é praticamente nulo desde a votação do Brexit, em 2016. Nos países do G7, o investimento empresarial gira em torno de 13% do PIB. Em comparação, esse mesmo tipo de investimento é de 9% no Reino Unido. Um relatório da Bloomberg Economics, divulgado nesta semana, indica que o Brexit pode ter custado 100 bilhões de libras (124 bilhões de dólares) por ano à economia britânica. A Bloomberg, no entanto, reconhece que é difícil medir a extensão da perda da produção do Reino Unido, uma vez que a pandemia de Covid-19 também produziu impacto.

A razão do fenômeno é a mesma que experimentam empresas, agentes financeiros, governos e a população britânica: a insegurança trazida pela saída do Reino Unido da UE.

Protestos 

A sociedade britânica tem reagido ao contexto de crise atual: na última quarta-feira 1, o Reino Unido vivenciou o seu maior dia de greve geral em onze anos. A reivindicação geral por melhores salários fechou escolas, paralisou três e fez com que funcionários ficassem ausentes em diversos gabinetes do governo. Estima-se que cerca de 500 mil pessoas tenham entrado em greve.

O Brexit surgiu como uma questão de soberania nacional. Para os britânicos, o custo dessa soberania é a renúncia à segurança que a presença em um bloco como a UE pode fornecer. Para definir a situação que vivem, os britânicos têm feito uso de uma expressão que vem ficando famosa: o “Breget”, que une a palavra “Brexit” a regret, ou seja, “arrependimento”.   

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