O presidente argentino Javier Milei decidiu levar ao extremo, ou ao pé da letra, um conselho de Nicolau Maquiavel: fazer todo o mal de uma só vez. Os 664 artigos da “lei-ônibus”, somados aos 336 pontos de um decreto promulgado no período de festas natalinas, alteram de maneira profunda o ordenamento jurídico e econômico do país. Somem-se às medidas as trocas no comando das Forças Armadas, a recusa a integrar o BRICS e o alinhamento automático a Washington. Em um vídeo fúnebre de fim de ano, divulgado no sábado 30, Milei prometeu aos compatriotas uma descida ao inferno, sem escala no purgatório. A vida será difícil, mas, se as medidas não forem aprovadas pelo Congresso, dramatizou, haverá uma catástrofe econômica de proporções bíblicas, “de magnitude desconhecida por qualquer argentino vivo”. O autointitulado libertário não poderá, concordemos, ser acusado de estelionato eleitoral.
Uma parte dos analistas internacionais vê na blitzkrieg de Milei uma “evolução” da estratégia do extremismo de direita, após o fracasso de Jair Bolsonaro no Brasil. Nada de concessões à democracia, nenhuma brecha à reorganização da oposição e dos movimentos sociais, nenhum átimo à reflexão dos eleitores. Ainda assim, não está claro se vai funcionar. Os cerca de mil artigos que liberaram os preços controlados, mudaram as leis trabalhistas e aumentaram o poder do Executivo entraram em vigor imediatamente, mas agora dependem do aval do Parlamento e da Justiça. A menos de um mês na Casa Rosada, Milei enfrenta crescentes dificuldades para emplacar o megapacote, em meio à fragilidade da base parlamentar e à resistência nos tribunais, enquanto o apoio popular declina de forma exponencial e o presidente se vê obrigado a se livrar de subordinados fiéis em nome da governabilidade.
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