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Telescópio Alma vislumbra os mistérios do espaço no topo do mundo

Um radiotelescópio supersensível a 5 mil metros de altitude, no Chile, poderá detectar uma nova galáxia a cada três minutos

Um radiotelescópio supersensível a 5 mil metros de altitude, no Chile, poderá detectar uma nova galáxia a cada três minutos. Foto: Alma Observatory
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Por Alok Jha

Passe alguns dias com os astrônomos nos telescópios mais sofisticados do mundo nas montanhas do Chile e sua pele começará a ter uma sensação diferente. O rosto fica esticado, as mãos e os lábios se ressecam. Parece que não faz muita diferença a quantidade de água que você bebe. Passe algumas semanas aqui e, como contam os astrônomos, começarão as dores de cabeça e as tonturas. “Você realmente sente isso quando está aqui há muito tempo”, diz Jonathan Smoker, um astrônomo do Observatório Meridional Europeu (ESO, na sigla em inglês) no monte Paranal, no norte do Chile. “Às vezes minhas mãos começam a sangrar, de tão secas.”

 

 

Os cientistas e técnicos que trabalham aqui não podem ficar na montanha mais de 14 dias seguidos. Depois disso eles precisam descer ao nível do mar para se recuperar. A 2,5 mil metros de altitude, no norte do deserto de Atacama, Paranal não é um lugar para seres humanos viverem por longos períodos: seco, empoeirado e desprovido de vida. Mas é perfeito para observar o céu: à noite, o ar extremamente seco faz com que o Telescópio Muito Grande (VLT, na sigla em inglês) consiga rastrear e medir as estrelas, buracos negros e planetas com extrema precisão, usando seus quatro observatórios individuais. No centro de cada observatório há um espelho de 8 metros de largura, feito de uma única peça de vidro polido, cuja forma exata muda 100 vezes por segundo para contrabalançar em tempo real o efeito de distorção do ar sobre a estrela que tenta detectar.

O VLT, inaugurado em 1998, foi o primeiro telescópio a captar a imagem de um exoplaneta e fez contribuições importantes para nossa compreensão do buraco negro gigante que fica no centro da Via Láctea. Mas não é o mais radical dos telescópios operados pela ESO. O VLT recentemente ganhou a companhia no Chile de um telescópio ainda maior e mais sensível: o Atacama Large Millimetre/Submillimetre Array (Alma). Quando estiver completa, em 2013, essa série de 66 antenas de rádio de fibra de carbono, cada uma com 12 metros de largura, abrirá os olhos dos astrônomos para a metade do universo que esteve até agora escondida dos telescópios ópticos modernos.

O Alma vai detectar radiação semelhante a microondas — cerca de mil vezes mais longas do que a luz que enxergamos, mas facilmente absorvida pela água na atmosfera. Por isso os astrônomos escolheram o platô de Chajnantor, a 5 mil metros de altitude nos Andes, perto da fronteira com a Bolívia, para construir sua nova instalação. É um dos lugares mais secos do mundo, e o ar contém a metade do oxigênio que existe ao nível do mar. Nessa altitude o Alma será capaz de produzir imagens muito nítidas de partes do universo envoltas em poeira.

“Quando uma estrela se forma, isso acontece em nuvens de gás frias e empoeiradas”, diz John Richer, cientista do projeto Alma e da Universidade de Cambridge. “No momento em que se forma, ela está envolta nesse material empoeirado, do qual só escapa a metade da luz de uma estrela típica. Muitas outras estrelas se formam em nuvens muito densas, e sua luz é completamente absorvida pela poeira dessas nuvens.”

Essas nuvens de poeira parecidas com cinzas, que também são o berço de galáxias no universo inicial e de planetas — incluindo o nosso –, ocultam as estrelas do equipamento óptico infravermelho moderno, como o VLT e o Telescópio Espacial Hubble. Enquanto a poeira esconde as estrelas, ela também é aquecida pela luz das estrelas alguns graus acima do zero absoluto (-273 graus Celsius). Então a poeira emite radiação própria em comprimentos de onda de menos de 1 milímetro, que podem ser detectadas na Terra.

Quando estiver em plena operação em 2013, a Alma fornecerá uma sensibilidade tão maior que a dos atuais instrumentos que encontrará uma galáxia ainda não vista a cada três minutos.

Os pratos serão controlados por turnos de astrônomos em uma Instalação de Apoio Operacional (OSF na sigla em inglês), uma série de escritórios e oficinas situados a mais de 2 mil metros abaixo de Chajnantor. Aqui os visitantes têm a oportunidade de se aclimatar ao ar rarefeito, antes da lenta subida até o local.

Na viagem de meia hora montanha acima, a vegetação muda a cada 500 metros de altitude, enquanto o microclima fica mais frio e úmido. Perto da OSF, crescem mato baixo e pequenos cactos. A três mil metros cactos gigantes dominam o terreno, cercados por densos arbustos arredondados com longos espinhos que são conhecidos localmente como “almofada de sogra”. Mais acima, as plantas espinhosas dão lugar a arbustos maiores e pastagem.

A cinco mil metros, o terreno parecido com Marte não suporta vida. As montanhas não têm características além das pequenas rochas que salpicam a superfície e manchas de neve e gelo que restaram do último inverno.

No início de 2012, os primeiros 30 pratos do Alma estarão instalados e em operação. Com intervalos de minutos, os discos brancos giram e mudam de ângulo em sincronia, voltados para um alvo invisível.

Em 2013, Alma terá todas as suas antenas de fibra de carbono, que podem ser dispostas em inúmeras configurações a até 16 km de distância por todas as montanhas, dependendo das medições que os astrônomos quiserem fazer.

Quando a luz submilimétrica de galáxias e nuvens de poeira distantes atravessam o universo e atingem as antenas do Alma, ela passa por uma corrida de obstáculos cuidadosamente construída para garantir sua medição com máxima precisão.

Os pratos de fibra de carbono são ligados por meio de fibras ópticas a um prédio a algumas centenas de metros de distância, e as ondas de luz que chegam são primeiramente enviadas para um instrumento conhecido como correlator. Aqui, milhares de microprocessadores marcam cada onda de luz que chega com um carimbo de tempo, com precisão de picossegundos (10-12 de segundo), para garantir que toda a luz de uma única fonte possa ser reunida mais tarde nos detectores.

Para obter essa precisão, os cientistas têm de levar em conta as menores flutuações no comprimento das fibras ópticas, que podem se expandir e contrair devido a mudanças de temperatura ao seu redor. As fibras são enterradas um metro abaixo do solo, mas onde elas emergem para se conectar com as antenas e computadores em cada extremidade são expostas ao ar e podem sofrer mudanças. Qualquer diferença é minúscula — de milímetros –, mas ao longo de uma fibra de 20 quilômetros essa expansão e contração afetará o tempo de chegada dos impulsos de luz ao correlator em alguns fentossegundos (10-15 de segundo).

Os engenheiros encontraram uma solução precisa: uma série de máquinas chamadas de corretores de comprimento de linha. Estes contêm pequenas espirais de fibra óptica conectadas a pistões. Conforme a luz da galáxia distante chega, os computadores usam os pistões para alongar a fibra apenas o suficiente para compensar as mudanças térmicas ocorridas antes na fibra principal. “Na verdade ele mantém a fibra exatamente no mesmo comprimento, garante que você receba o mesmo número de comprimentos de ondas de luz o tempo todo”, diz Richard Hills, cientista de projeto do Alma.

Essa atenção minuciosa significa que todas as diferentes antenas, embora a quilômetros de distância sobre o platô, funcionem como um único telescópio. A técnica de combinar os sinais de vários receptores, conhecida como interferometria, permite que os astrônomos obtenham todos os benefícios de um telescópio muito maior sem precisar construí-lo. Os dados combinados de 66 antenas produzirão a sensibilidade de um telescópio com um diâmetro de 14 mil metros.

O correlator transmite sua luz perfeitamente monitorada pelo corredor até uma segunda sala refrigerada, e então compara os sinais de cada antena em cada ponto específico no tempo. Ele busca sinais que pareçam vir da mesma fonte no céu, captando a luz de galáxias ou nuvens de poeira do zumbido no fundo do universo.

“O que chega a cada telescópio são sinais muito fracos, mas de cada telescópio também vem a emissão do fundo de microondas, da atmosfera, o ruído que é gerado no telescópio e nos próprios receptores”, diz Hills. “Estes são cem, mil, ou, no caso de um objeto realmente fraco, um milhão de vezes mais fortes do que o que realmente procuramos. Mas serão ruídos aleatórios, enquanto os sinais que vêm de nossa galáxia distante serão iguais, enterrados naquele ruído. Temos de procurar a correlação, os fragmentos daquele sinal que são iguais.”

Os dados individuais de cada antena, cerca de 120 gigabits por segundo, são comparados com os das outras antenas. “Como os sinais de diferentes locais no céu chegam com tempos ligeiramente diferentes. É isso que nos permite saber onde cada objeto individual está na imagem”, diz Hills. “Não apenas temos de comparar cada amostra, precisamos comparar as que têm tempos ligeiramente diferentes. O resultado é que a quantidade de aritmética que você precisa fazer chega a mais de 1.016 operações por segundo. Um PC rápido faz 2 GHz, que são 2×109. São 10 milhões de PCs em termos de poder de processamento.”

Em outubro do ano passado, o Alma divulgou sua primeira imagem científica, tirada por medições de 16 dos pratos então instalados em Chajnantor. Ela mostrou os redemoinhos violentos das galáxias Antennae, um par de galáxias em espiral distorcida que estão em processo de colisão a cerca de 70 milhões de anos-luz da Terra.

Embora o Alma ainda não esteja terminado, o ESO já pretende construir o telescópio da próxima geração. O Telescópio Extremamente Grande Europeu (ELT) ficará situado perto do observatório principal do VLT em Paranal. A tinta nos contratos mal secou — o acordo do governo chileno em ceder o local quase no topo do monte Armazones só foi concedido algumas semanas atrás. Ainda não existe estrada até o local, e chegar ao pico de três mil metros a partir da estrada mais próxima representa um trajeto acidentado que levanta nuvens de poeira do deserto.

O ELT terá um poder de captação muito maior que os telescópios de Paranal, graças a um espelho principal de quase 40 metros. A construção desse telescópio de 1 bilhão de euros levará pelo menos uma década e exigirá novas tecnologias — ninguém sabe como construir um espelho de 40 metros com um único bloco de vidro (quanto menos transportá-lo em segurança pelo deserto), por isso ele será composto de mil segmentos hexagonais menores.

O espelho principal vai refletir a luz de antigas estrelas que detectar em um espelho secundário de quatros metros antes que ela continue até atingir os detectores. Coletar mais luz vai permitir resolver mais detalhes que nunca — o ELT será capaz de tirar fotos de exoplanetas diretamente, por exemplo, e até descobrir que elementos químicos existem em suas atmosferas. Ele vai enxergar mais longe no espaço profundo (e portanto mais atrás no tempo em direção ao início do universo) e explorar a natureza da energia escura e da matéria escura. Mais importante, segundo Gonzalo Argando, do ESO, é o inesperado, “as coisas que os astrônomos nem sequer supõem hoje e que poderão reformular a astronomia como a conhecemos.”

Um planeta semelhante à Terra, com condições semelhantes, e que possa até sustentar vida é fascinante, por motivos científicos assim como culturais. Michael Sterzik, vice-diretor do observatório de Paranal, disse que caracterizar as propriedades da atmosfera de um exoplaneta será um grande sucesso para o ELT. Ele tem aguda consciência de como tal descoberta atrairia o público, o que o ESO faz questão de salientar quando explica os grandes custos da astronomia moderna, dinheiro que precisa vir de governos cada vez mais sem caixa. O ELT poderá ser o último grande telescópio financiado durante algumas décadas, enquanto o mundo se concentra em sair das dificuldades financeiras. Mas também poderá ser o que detectará os primeiros sinais de que não estamos sós no universo.

“As pessoas estão realmente entusiasmadas e querem saber mais sobre suas origens e as origens do universo”, diz Sterzik. “Estou muito otimista de que continuará havendo financiamento para essas instalações que ajudam a responder às perguntas fundamentais da humanidade.”

Por Alok Jha

Passe alguns dias com os astrônomos nos telescópios mais sofisticados do mundo nas montanhas do Chile e sua pele começará a ter uma sensação diferente. O rosto fica esticado, as mãos e os lábios se ressecam. Parece que não faz muita diferença a quantidade de água que você bebe. Passe algumas semanas aqui e, como contam os astrônomos, começarão as dores de cabeça e as tonturas. “Você realmente sente isso quando está aqui há muito tempo”, diz Jonathan Smoker, um astrônomo do Observatório Meridional Europeu (ESO, na sigla em inglês) no monte Paranal, no norte do Chile. “Às vezes minhas mãos começam a sangrar, de tão secas.”

 

 

Os cientistas e técnicos que trabalham aqui não podem ficar na montanha mais de 14 dias seguidos. Depois disso eles precisam descer ao nível do mar para se recuperar. A 2,5 mil metros de altitude, no norte do deserto de Atacama, Paranal não é um lugar para seres humanos viverem por longos períodos: seco, empoeirado e desprovido de vida. Mas é perfeito para observar o céu: à noite, o ar extremamente seco faz com que o Telescópio Muito Grande (VLT, na sigla em inglês) consiga rastrear e medir as estrelas, buracos negros e planetas com extrema precisão, usando seus quatro observatórios individuais. No centro de cada observatório há um espelho de 8 metros de largura, feito de uma única peça de vidro polido, cuja forma exata muda 100 vezes por segundo para contrabalançar em tempo real o efeito de distorção do ar sobre a estrela que tenta detectar.

O VLT, inaugurado em 1998, foi o primeiro telescópio a captar a imagem de um exoplaneta e fez contribuições importantes para nossa compreensão do buraco negro gigante que fica no centro da Via Láctea. Mas não é o mais radical dos telescópios operados pela ESO. O VLT recentemente ganhou a companhia no Chile de um telescópio ainda maior e mais sensível: o Atacama Large Millimetre/Submillimetre Array (Alma). Quando estiver completa, em 2013, essa série de 66 antenas de rádio de fibra de carbono, cada uma com 12 metros de largura, abrirá os olhos dos astrônomos para a metade do universo que esteve até agora escondida dos telescópios ópticos modernos.

O Alma vai detectar radiação semelhante a microondas — cerca de mil vezes mais longas do que a luz que enxergamos, mas facilmente absorvida pela água na atmosfera. Por isso os astrônomos escolheram o platô de Chajnantor, a 5 mil metros de altitude nos Andes, perto da fronteira com a Bolívia, para construir sua nova instalação. É um dos lugares mais secos do mundo, e o ar contém a metade do oxigênio que existe ao nível do mar. Nessa altitude o Alma será capaz de produzir imagens muito nítidas de partes do universo envoltas em poeira.

“Quando uma estrela se forma, isso acontece em nuvens de gás frias e empoeiradas”, diz John Richer, cientista do projeto Alma e da Universidade de Cambridge. “No momento em que se forma, ela está envolta nesse material empoeirado, do qual só escapa a metade da luz de uma estrela típica. Muitas outras estrelas se formam em nuvens muito densas, e sua luz é completamente absorvida pela poeira dessas nuvens.”

Essas nuvens de poeira parecidas com cinzas, que também são o berço de galáxias no universo inicial e de planetas — incluindo o nosso –, ocultam as estrelas do equipamento óptico infravermelho moderno, como o VLT e o Telescópio Espacial Hubble. Enquanto a poeira esconde as estrelas, ela também é aquecida pela luz das estrelas alguns graus acima do zero absoluto (-273 graus Celsius). Então a poeira emite radiação própria em comprimentos de onda de menos de 1 milímetro, que podem ser detectadas na Terra.

Quando estiver em plena operação em 2013, a Alma fornecerá uma sensibilidade tão maior que a dos atuais instrumentos que encontrará uma galáxia ainda não vista a cada três minutos.

Os pratos serão controlados por turnos de astrônomos em uma Instalação de Apoio Operacional (OSF na sigla em inglês), uma série de escritórios e oficinas situados a mais de 2 mil metros abaixo de Chajnantor. Aqui os visitantes têm a oportunidade de se aclimatar ao ar rarefeito, antes da lenta subida até o local.

Na viagem de meia hora montanha acima, a vegetação muda a cada 500 metros de altitude, enquanto o microclima fica mais frio e úmido. Perto da OSF, crescem mato baixo e pequenos cactos. A três mil metros cactos gigantes dominam o terreno, cercados por densos arbustos arredondados com longos espinhos que são conhecidos localmente como “almofada de sogra”. Mais acima, as plantas espinhosas dão lugar a arbustos maiores e pastagem.

A cinco mil metros, o terreno parecido com Marte não suporta vida. As montanhas não têm características além das pequenas rochas que salpicam a superfície e manchas de neve e gelo que restaram do último inverno.

No início de 2012, os primeiros 30 pratos do Alma estarão instalados e em operação. Com intervalos de minutos, os discos brancos giram e mudam de ângulo em sincronia, voltados para um alvo invisível.

Em 2013, Alma terá todas as suas antenas de fibra de carbono, que podem ser dispostas em inúmeras configurações a até 16 km de distância por todas as montanhas, dependendo das medições que os astrônomos quiserem fazer.

Quando a luz submilimétrica de galáxias e nuvens de poeira distantes atravessam o universo e atingem as antenas do Alma, ela passa por uma corrida de obstáculos cuidadosamente construída para garantir sua medição com máxima precisão.

Os pratos de fibra de carbono são ligados por meio de fibras ópticas a um prédio a algumas centenas de metros de distância, e as ondas de luz que chegam são primeiramente enviadas para um instrumento conhecido como correlator. Aqui, milhares de microprocessadores marcam cada onda de luz que chega com um carimbo de tempo, com precisão de picossegundos (10-12 de segundo), para garantir que toda a luz de uma única fonte possa ser reunida mais tarde nos detectores.

Para obter essa precisão, os cientistas têm de levar em conta as menores flutuações no comprimento das fibras ópticas, que podem se expandir e contrair devido a mudanças de temperatura ao seu redor. As fibras são enterradas um metro abaixo do solo, mas onde elas emergem para se conectar com as antenas e computadores em cada extremidade são expostas ao ar e podem sofrer mudanças. Qualquer diferença é minúscula — de milímetros –, mas ao longo de uma fibra de 20 quilômetros essa expansão e contração afetará o tempo de chegada dos impulsos de luz ao correlator em alguns fentossegundos (10-15 de segundo).

Os engenheiros encontraram uma solução precisa: uma série de máquinas chamadas de corretores de comprimento de linha. Estes contêm pequenas espirais de fibra óptica conectadas a pistões. Conforme a luz da galáxia distante chega, os computadores usam os pistões para alongar a fibra apenas o suficiente para compensar as mudanças térmicas ocorridas antes na fibra principal. “Na verdade ele mantém a fibra exatamente no mesmo comprimento, garante que você receba o mesmo número de comprimentos de ondas de luz o tempo todo”, diz Richard Hills, cientista de projeto do Alma.

Essa atenção minuciosa significa que todas as diferentes antenas, embora a quilômetros de distância sobre o platô, funcionem como um único telescópio. A técnica de combinar os sinais de vários receptores, conhecida como interferometria, permite que os astrônomos obtenham todos os benefícios de um telescópio muito maior sem precisar construí-lo. Os dados combinados de 66 antenas produzirão a sensibilidade de um telescópio com um diâmetro de 14 mil metros.

O correlator transmite sua luz perfeitamente monitorada pelo corredor até uma segunda sala refrigerada, e então compara os sinais de cada antena em cada ponto específico no tempo. Ele busca sinais que pareçam vir da mesma fonte no céu, captando a luz de galáxias ou nuvens de poeira do zumbido no fundo do universo.

“O que chega a cada telescópio são sinais muito fracos, mas de cada telescópio também vem a emissão do fundo de microondas, da atmosfera, o ruído que é gerado no telescópio e nos próprios receptores”, diz Hills. “Estes são cem, mil, ou, no caso de um objeto realmente fraco, um milhão de vezes mais fortes do que o que realmente procuramos. Mas serão ruídos aleatórios, enquanto os sinais que vêm de nossa galáxia distante serão iguais, enterrados naquele ruído. Temos de procurar a correlação, os fragmentos daquele sinal que são iguais.”

Os dados individuais de cada antena, cerca de 120 gigabits por segundo, são comparados com os das outras antenas. “Como os sinais de diferentes locais no céu chegam com tempos ligeiramente diferentes. É isso que nos permite saber onde cada objeto individual está na imagem”, diz Hills. “Não apenas temos de comparar cada amostra, precisamos comparar as que têm tempos ligeiramente diferentes. O resultado é que a quantidade de aritmética que você precisa fazer chega a mais de 1.016 operações por segundo. Um PC rápido faz 2 GHz, que são 2×109. São 10 milhões de PCs em termos de poder de processamento.”

Em outubro do ano passado, o Alma divulgou sua primeira imagem científica, tirada por medições de 16 dos pratos então instalados em Chajnantor. Ela mostrou os redemoinhos violentos das galáxias Antennae, um par de galáxias em espiral distorcida que estão em processo de colisão a cerca de 70 milhões de anos-luz da Terra.

Embora o Alma ainda não esteja terminado, o ESO já pretende construir o telescópio da próxima geração. O Telescópio Extremamente Grande Europeu (ELT) ficará situado perto do observatório principal do VLT em Paranal. A tinta nos contratos mal secou — o acordo do governo chileno em ceder o local quase no topo do monte Armazones só foi concedido algumas semanas atrás. Ainda não existe estrada até o local, e chegar ao pico de três mil metros a partir da estrada mais próxima representa um trajeto acidentado que levanta nuvens de poeira do deserto.

O ELT terá um poder de captação muito maior que os telescópios de Paranal, graças a um espelho principal de quase 40 metros. A construção desse telescópio de 1 bilhão de euros levará pelo menos uma década e exigirá novas tecnologias — ninguém sabe como construir um espelho de 40 metros com um único bloco de vidro (quanto menos transportá-lo em segurança pelo deserto), por isso ele será composto de mil segmentos hexagonais menores.

O espelho principal vai refletir a luz de antigas estrelas que detectar em um espelho secundário de quatros metros antes que ela continue até atingir os detectores. Coletar mais luz vai permitir resolver mais detalhes que nunca — o ELT será capaz de tirar fotos de exoplanetas diretamente, por exemplo, e até descobrir que elementos químicos existem em suas atmosferas. Ele vai enxergar mais longe no espaço profundo (e portanto mais atrás no tempo em direção ao início do universo) e explorar a natureza da energia escura e da matéria escura. Mais importante, segundo Gonzalo Argando, do ESO, é o inesperado, “as coisas que os astrônomos nem sequer supõem hoje e que poderão reformular a astronomia como a conhecemos.”

Um planeta semelhante à Terra, com condições semelhantes, e que possa até sustentar vida é fascinante, por motivos científicos assim como culturais. Michael Sterzik, vice-diretor do observatório de Paranal, disse que caracterizar as propriedades da atmosfera de um exoplaneta será um grande sucesso para o ELT. Ele tem aguda consciência de como tal descoberta atrairia o público, o que o ESO faz questão de salientar quando explica os grandes custos da astronomia moderna, dinheiro que precisa vir de governos cada vez mais sem caixa. O ELT poderá ser o último grande telescópio financiado durante algumas décadas, enquanto o mundo se concentra em sair das dificuldades financeiras. Mas também poderá ser o que detectará os primeiros sinais de que não estamos sós no universo.

“As pessoas estão realmente entusiasmadas e querem saber mais sobre suas origens e as origens do universo”, diz Sterzik. “Estou muito otimista de que continuará havendo financiamento para essas instalações que ajudam a responder às perguntas fundamentais da humanidade.”

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