Mundo
Só Trump pode vencer o jogo para o qual está convidando Lula
Ao agir de maneira personalíssima e imprevisível, o presidente americano abre para o Brasil a arena de uma disputa em que as regras nunca serão claras


O presidente dos EUA, Donald Trump, fez um afago a seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, nesta terça-feira 23. De acordo com Trump, ambos tiveram uma “boa conversa”, de “20 segundos”, ao se cruzarem na antessala que dá acesso ao púlpito em que são feitos os discursos dos chefes de Estado.
Lula vinha descendo e Trump vinha subindo. “Eu o vi, ele me viu e nos abraçamos. Combinamos de nos encontrar na semana que vem”, disse o presidente americano à toda a plateia presente na Assembleia-Geral, agregando que Lula pareceu ser “um homem muito legal”, com quem teve “uma química excelente”.
As declarações destoam do clima geral das relações recentes entre Brasil e EUA. Trump está há meses numa cruzada hostil contra o Judiciário brasileiro, que ele acusa de perseguição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros envolvidos na trama golpista julgada pelo Supremo. Por meio de declarações públicas, da imposição de altas taxas alfandegárias e de sanções unilaterais, o presidente americano espera pressionar e constranger o Brasil, salvando a pele de um aliado de extrema-direita que, no fundo, ele mal conhece, mas que se presta por ora ao papel de pivô da exportação desse discurso segundo o qual a extrema-direita é vítima de uma onda de perseguições internacionais.
Lula está atravessando no meio do caminho dessa cruzada e, por isso, vem sendo atropelado por um governo americano abertamente truculento. O aceno afável feito por Trump na ONU surpreendeu e levantou a hipótese de que, agora, uma “química excelente” surgida entre os dois possa fazer o jogo virar.
É possível que, à esquerda, haja gente acreditando que o carisma pessoal de Lula seja tão irresistível que ele possa fazer com que Trump abandone seus aliados de extrema-direita e pule o muro. Mas basta observar o comportamento do presidente americano em negociações prévias para saber o quanto essa hipótese é improvável.
O Trump que convida Lula para uma conversa é o mesmo que promoveu o linchamento político público do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em um encontro televisionado ao vivo no Salão Oval da Casa Branca. Se ele foi capaz de humilhar um aliado, o que fará com um adversário proclamado?
Mais recentemente, Trump recebeu o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um encontro bilateral no Alaska. Na ocasião, ele estendeu um tapete vermelho e deu tapinhas nas costas do líder de uma potência contra a qual os EUA vinham se debatendo há anos no front ucraniano.
Ou seja, o que ambas situações demonstram é que cabe a Trump decidir quem é a amigo e quem é inimigo. O presidente americano faz isso com base em premissas indecifráveis, que são personalíssimas. Ninguém é capaz de prever e de antecipar com quem ele terá uma “química excelente” ou quem ele irá achincalhar diante das câmeras.
Lula, até agora, estava encastelado numa posição defensiva. O presidente brasileiro estava sendo injustamente atacado pelos EUA, cujas medidas hostis foram anunciadas em posts de internet, sem qualquer contato prévio pelos canais diplomáticos adequados entre os dois chefes de Estado. Subitamente, tudo mudou. Agora, é o líder máximo da maior potência do mundo quem – não num aperto de mãos, mas num forte abraço – convida Lula a sair da toca e se expor.
O problema é que Trump (só ele e mais ninguém) sabe quais são os elementos químicos que o afastam subitamente de um aliado como Zelensky e o aproximam de supostos adversários como Putin ou Lula. Ninguém sabe como marcar pontos em um jogo em que as regras não são claras. Não há como agradar uma autoridade personalista, narcisística e despótica em sua essência, cujos sentimentos são imperscrutáveis para quem tenta agradar.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.