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Com aval tácito de Trump, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, anuncia plano de ocupação do enclave palestino

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Mais de 200 jornalistas foram assassinados nas operações israelenses – Imagem: Yousef Al Zanoon/Anadolu/AFP
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No domingo 10, Israel impôs mais um dia sangrento aos jornalistas que atuam na Faixa de Gaza. Um ataque aéreo matou seis profissionais: cinco deles contratados da rede Al Jazeera, financiada pelo governo do Catar, e um freelancer. O ataque, assumido pelo exército israelense, tinha como alvo específico Anas al-Sharif, que há dois anos vinha divulgando imagens e informações sobre o massacre no enclave palestino para diferentes veículos de comunicação. Segundo Tel-Aviv, Al-Sharif seria um “terrorista” ligado ao Hamas.

A ofensiva foi condenada pela ONG Repórteres Sem Fronteiras como “uma tática vergonhosa, repetidamente usada contra jornalistas que cobrem crimes de guerra, enquanto o exército já assassinou mais de 200 profissionais da mídia”. Thibaut Bruttin, diretor da organização, avalia que esse tipo de ação faz parte da “estratégia de Israel de impor um blecaute de mídia, desenhada para ocultar os crimes cometidos por seu exército há mais de 21 meses”.

De acordo com um estudo da ­Watson School of International and Public Affairs, publicado em abril, “a guerra em Gaza, desde outubro de 2023, já matou mais jornalistas do que a Guerra Civil dos EUA, nos anos 1860, as duas guerras mundiais, a Guerra da Coreia, do Vietnã, na ex-Iugoslávia e no Afeganistão após o 11 de Setembro”. E essa é apenas uma fração do massacre em curso.

Os dados mais recentes do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), referentes à primeira semana de agosto, registram 61.158 palestinos mortos, entre eles 18.430 crianças. Hoje, perto de 86% da área cultivável foi destruída, e apenas 1,5% permanece disponível para uso. No cenário da produção de fome com objetivos militares, julho registrou o maior número de crianças com desnutrição aguda: 12 mil.

O assassinato dos jornalistas ocorreu dois dias após o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciar um plano para expandir as incursões militares e tomar a cidade de Gaza, onde vive cerca de 1 milhão de habitantes. Na prática, toda a população da região norte do enclave palestino pode ser deslocada à força. A operação tem cinco objetivos declarados: desarmamento do Hamas, resgate de todos os reféns, desmilitarização de Gaza, “controle de segurança da Faixa de Gaza” por Israel e o estabelecimento de uma “administração civil alternativa”, sem a presença do Hamas ou da Autoridade Palestina – esta última controla parcialmente a Cisjordânia.

Em artigo publicado no diário israelense Haaretz, a analista política Dahlia Scheindlin faz uma observação importante: no comunicado sobre o plano enviado à imprensa estrangeira, o governo Netanyahu destacava que a administração civil alternativa “não seria israelense”. Já na versão em hebraico, não havia esse destaque, nem qualquer negativa sobre a intenção de Israel “ocupar Gaza”.

A tomada do norte, de acordo com o blog de Barak Ravid na Axios, seria apenas a primeira fase. O plano utilizaria os campos de concentração implementados no início de julho, que Israel chama de “cidades humanitárias”, localizadas na costa e no sul da Faixa de Gaza. Os habitantes da cidade de Gaza seriam deslocados para essas áreas e, caso alguma nação estrangeira aceitasse recebê-los, seriam expulsos definitivamente, explicou o jornalista, que também é comentarista da rede CNN. Na quarta-feira 13, ­Netanyahu debochou dos países que estão reconhecendo o Estado palestino e disse que, se realmente querem ajudar, devem “abrir suas portas” para os deslocados.

Os EUA saíram em defesa de Israel na reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU

Donald Trump, ao que tudo indica, deu aval para a implementação do plano israelense. No domingo 10, o ex-presidente norte-americano conversou por telefone com Netanyahu e teria concordado com a necessidade de intensificar a pressão sobre o Hamas, informou ­Ravid. Naquele mesmo dia, a representante dos EUA, Dorothy Shea, reiterou ao Conselho de Segurança da ONU que “Israel tem o direito de decidir o que precisa fazer para sua segurança e quais medidas deve tomar para acabar com a ameaça representada pelo Hamas”. Enquanto isso, mediadores egípcios e cataris, agora com um apoio mais firme da Turquia, buscam retomar as negociações de cessar-fogo em Doha até a sexta-feira 15.

Basem Naim, líder do Hamas, afirmou ao site DropNews que a desmilitarização exigida por Israel é uma linha vermelha: “Ninguém pode nos negar o direito de resistir à ocupação”. O grupo condiciona seu desarmamento à retirada das forças israe­lenses e à constituição de um Estado palestino. “Estamos prontos para entregar nossas armas se tivermos um Estado.”

Para viabilizar o cessar-fogo, o ­Hamas concorda em devolver todos os reféns e em entregar a governança da Faixa de Gaza. Exige, no entanto, a retirada das Forças de Defesa de Israel do território palestino – embora se mostre disposto a aceitar sua presença em zonas próximas às fronteiras –, a retomada da ajuda humanitária sob coordenação da ONU e a libertação de 200 palestinos condenados à prisão perpétua, além de outros 2 mil, que teriam sido sequestrados após os ataques de 7 de outubro de 2023. “Já dissemos, desde o primeiro dia, que estamos prontos para abrir mão de governar a Faixa de Gaza para um corpo palestino independente e tecnocrático”, enfatizou Naim.

Se a aliança entre Israel e EUA continua sólida, a pressão internacional pelo fim da guerra vem ganhando força. Na segunda-feira 11, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, comunicou a intenção de se juntar à França, ao Reino Unido, ao Canadá e a outros países no reconhecimento do Estado palestino. Segundo ele, esse é um passo decisivo para encerrar a “catástrofe humanitária”.

Até mesmo aliados históricos estão se afastando. Na sexta-feira 8, o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, suspendeu as exportações de equipamentos militares para Israel. Dias depois, o Fundo de Investimentos Soberano da Noruega (FIS) anunciou que encerrará contratos com administradores de investimentos israelenses e fará uma revisão de seu portfólio.

O movimento começou após a imprensa norueguesa revelar que o FIS, com quase 2 bilhões de dólares em ativos, mantinha ações na empresa Bet ­Shemesh Engines Ltd. (BSEL), fornecedora de peças para caças israelenses. O Fundo possuía participações em 61 companhias israelenses, mas desde julho se desfez de papéis de 17 delas, incluindo empresas de energia e telecomunicações. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sinal verde’

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