Mundo
Sem freios
Trump ataca a regulação das big techs e ameaça retaliar as tentativas de controle das empresas dos EUA


A União Europeia aplicou em abril multa de 200 milhões de dólares, cerca de 1 bilhão de reais, à Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, com base numa novíssima lei antitruste europeia que busca garantir a livre concorrência de mercado e evitar a criação de oligopólios dominados pelas chamadas big techs norte-americanas. Em 24 de agosto, o dono da empresa multada, Mark Zuckerberg, foi à Casa Branca queixar-se a Donald Trump. No dia seguinte, o republicano publicou um post na rede Truth Social no qual ameaçava castigar com taxas todos os países que ousarem dificultar os negócios de Zuckerberg e de outros gigantes do setor.
“As empresas de tecnologia americanas não são mais o capacho do mundo”, anunciou, concluindo que “impostos, legislação e regulamentação de mercados digitais são todos projetados para prejudicar ou discriminar a tecnologia americana”.
Com as tradicionais letras maiúsculas e pontos de exclamação, ele avisou que essas “ações discriminatórias” serão respondidas com “tarifas adicionais substanciais às exportações”, além da restrição de acesso a chips e outras tecnologias de ponta produzidas pelos EUA. A ideia é torturar com taxas e alijar do mercado de tecnologia quem mexer com os magnatas do setor, neoaliados.
Esse viés político-ideológico de defesa das big techs é uma prioridade da Casa Branca e foi anunciado com clareza logo no primeiro discurso do vice-presidente, JD Vance, aos europeus presentes na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro.
“A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China, não é nenhum outro ator externo. O que me preocupa é a ameaça que vem de dentro: o recuo da Europa em relação a alguns de seus valores mais fundamentais”, associados por ele às tentativas de responsabilizar aqueles que cometem crimes de ódio e outras violações nas plataformas de internet.
Vance e Trump querem exportar a defesa irrestrita da liberdade de expressão, tal como entendida nos EUA, usando como aríete as ameaças, sanções e taxações que têm sido alardeadas como respostas às políticas de tributação das big techs.
As economias europeias buscam, por seu lado, formas de gerar receita para financiar o que foi até hoje um dos mais eficientes sistemas de bem-estar social. A taxação das big techs não apenas poderia gerar receitas, mas também daria alguma proteção a empresas do continente que buscam inovar, competir e empregar num setor largamente dominado pelos EUA. A França, por exemplo, passou a cobrar 3% sobre o faturamento de empresas cujas receitas globais excedam 750 milhões de euros (4,7 bilhões de reais). O Reino Unido, que, desde o Brexit, em 2020, não faz mais parte do bloco europeu, cobra 2% sobre essas mesmas gigantes do setor, uma receita anual extra de 800 milhões de libras (5,8 bilhões de reais). Itália e Espanha também têm políticas nacionais de taxação semelhantes, contra as quais Trump ameaça despejar sua ira em forma de retaliação. •
Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sem freios’
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