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Sem chão
O maior terremoto em 120 anos espalha medo e destruição no Marrocos


Um forte terremoto nas montanhas do Alto Atlas, no Marrocos, matou quase 3 mil pessoas até a terça-feira 12, número que continua a aumentar à medida que as equipes de resgate vasculham os escombros e alcançam as áreas remotas mais atingidas. O terremoto, de magnitude 6,8 na escala Richter, é o maior a abalar o país do Norte da África em 120 anos.
A maioria das vítimas estava na turística Marrakesh e em cinco províncias próximas ao epicentro, informou o Ministério do Interior. O total de feridos também se eleva exponencialmente. O número de mortos quase certamente aumentará, conforme as equipes de resgate lutam para percorrer estradas cheias de pedras, até as remotas aldeias montanhosas mais atingidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 300 mil cidadãos foram afetados pelos fortes tremores em todo o país.
O Marrocos declarou três dias de luto nacional, durante os quais a bandeira nacional seria hasteada a meio mastro, informou a corte real. As forças armadas marroquinas têm enviado equipes de resgate às áreas afetadas, para fornecer água potável, alimentos, tendas e cobertores, acrescentou. Moradores de Marrakesh, a principal cidade mais próxima do epicentro, disseram que alguns edifícios desabaram na cidade velha, patrimônio mundial da Unesco. A famosa mesquita Koutoubia, do século XII, sofreu danos, cuja extensão não foi imediatamente definida.
Segundo relatos iniciais, parte de um minarete que se elevava sobre Djemaa el-Fna, praça do mercado e centro turístico, desabou, ferindo dois pedestres, antes que os demais fugissem para a área aberta da praça. A televisão local mostrou pilhas de escombros e canos quebrados a esmagar carros estacionados e bloquear ruas em Marrakesh, enquanto os moradores corriam para as ruas após o terremoto, que ocorreu às 23h11 da noite da sexta-feira 8. A tevê estatal mostrou gente enrolada em cobertores dormindo na rua, temendo novos tremores secundários. “O problema é que, em locais onde os terremotos destrutivos são raros, os edifícios simplesmente não são construídos de forma robusta o suficiente para suportar fortes tremores do solo. Muitos desabam, resultando em grande número de vítimas”, afirmou Bill McGuire, professor emérito de Riscos Geofísicos e Climáticos do University College London. “Eu estava voltando para casa, quando ocorreu o terremoto. Meu carro balançava para a frente e para trás, mas não imaginei nem por um segundo que isso queria dizer que estava havendo um terremoto”, disse Fayssal Badour, de Marrakesh, que falou à rede de tevê France24. “Parei e percebi a catástrofe… parecia que estávamos num rio que de repente transbordou. Os gritos e o choro eram insuportáveis.”
Grande parte das vítimas estava na turística Marrakesh. O governo decretou três dias de luto
A maioria das mortes, explicou uma autoridade local, ocorreu em áreas montanhosas de difícil acesso. O ministro do Interior do Marrocos tentou tranquilizar o público num comunicado. “As autoridades estatais continuam mobilizando todos os recursos humanos e logísticos necessários, como unidades especializadas em primeiros socorros, incluindo equipes de busca e salvamento”, diz o texto. Separadamente, os militares marroquinos anunciaram que o rei Mohammed VI autorizou as forças armadas a intervir e supervisionar os esforços de auxílio. “Unidades de resposta rápida, aviões, helicópteros, drones, centros de engenharia e logística foram destacados para o local, com o objetivo de levar o apoio necessário às áreas e residências afetadas”, afirmou.
“A terra tremeu durante cerca de 20 segundos. As portas abriam e fechavam sozinhas quando eu desci correndo do segundo andar”, contou Hamid Afkir, professor numa área montanhosa a oeste do epicentro, perto de Taroudant, acrescentando que houve tremores secundários. De acordo com o centro geofísico do Marrocos, o terremoto ocorreu na área de Ighil, com magnitude de 7,2. O Serviço Geológico dos Estados Unidos estimou a magnitude do terremoto em 6,8 e disse que ocorreu a uma profundidade relativamente rasa, de 18,4 quilômetros.
Philippe Vernant, especialista em tectônica ativa, particularmente do Marrocos, na Universidade de Montpellier, na França, disse à Agência France-Presse que, embora o terremoto não tenha atingido a região sismológica mais ativa, podem ser esperadas réplicas. “Mesmo que sejam menos fortes, podem levar ao colapso edifícios já enfraquecidos pelo primeiro terremoto. Tradicionalmente, tendemos a dizer que os tremores secundários diminuem de intensidade.”
Ighil, área montanhosa com pequenas aldeias agrícolas, fica a cerca de 70 quilômetros a sudoeste de Marrakesh. O terremoto ocorreu pouco depois das 11 da noite. Em Marrakesh, algumas casas na densamente povoada cidade velha desabaram e as pessoas removiam os escombros manualmente, enquanto esperavam por equipamentos pesados, disse o morador Id Waaziz Hassan. Imagens da muralha medieval da cidade mostraram grandes rachaduras numa seção e partes que haviam caído, com escombros na rua.
Outro morador de Marrakesh, Brahim Himmi, disse ter visto ambulâncias saindo da cidade velha e muitas fachadas de edifícios danificadas. Os cidadãos ficaram assustados e do lado de fora para o caso de haver outro terremoto, disse.
As equipes de resgate ainda contam os mortos, enquanto diminuem as chances de encontrar sobreviventes. Cerca de 300 mil cidadãos foram afetados – Imagem: Fadel Senna/AFP e Fethi Belaid/AFP
Moradores de Rabat, capital do país, cerca de 350 quilômetros ao norte de Ighil, e na cidade costeira de Imsouane, cerca de 160 quilômetros a oeste, também fugiram de suas casas, temendo um terremoto mais forte, segundo testemunhas. “Ouvimos gritos no momento do tremor”, disse por telefone um morador de Essaouira, 200 quilômetros a oeste de Marrakesh. “As pessoas estão nas praças, nos cafés, preferindo dormir ao ar livre. Pedaços de fachadas caíram.”
Alguns vídeos compartilhados nas redes sociais pareciam mostrar ao menos um prédio desabando e escombros nas ruas. Outros mostravam pessoas saindo de shopping centers, restaurantes e prédios de apartamentos e se reunindo do lado de fora. O Serviço Geológico dos EUA afirmou que a população da região vivia em “estruturas que são altamente vulneráveis a abalos sísmicos”. A conectividade à internet foi interrompida em Marrakesh, devido a cortes de energia na região, de acordo com o monitor global de internet NetBlocks.
O Marrocos sofreu sismos na região norte devido à sua posição entre as placas tectônicas africana e euroasiática. O país sofreu um grande tremor de magnitude 6,3 na cidade de Al Hoceima, na costa norte, em 2004, que matou mais de 600 pessoas. O sismo foi sentido na vizinha Argélia e em lugares tão distantes quanto Portugal, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e a agência de Defesa Civil da Argélia, que supervisiona as respostas de emergência.
Líderes e diplomatas de todo o mundo expressaram condolências e ofereceram apoio, incluída a Turquia, onde poderosos terremotos em fevereiro mataram mais de 50 mil. Na Espanha, na outra margem do estreito de Gibraltar, o primeiro-ministro Pedro Sanchez expressou sua “solidariedade e apoio à população do Marrocos depois deste terrível terremoto… A Espanha está com as vítimas desta tragédia”. O presidente francês, Emmanuel Macron, disse estar “arrasado” e que “a França está pronta para ajudar com os primeiros socorros”.
A televisão estatal argelina transmitiu uma mensagem da Presidência, declarando que o Estado abriria seu espaço aéreo para permitir o transporte de ajuda humanitária ao Marrocos, bem como ofereceria recursos. Foi uma mudança após a ruptura completa das relações diplomáticas entre os dois países que durou dois anos.
Em 1980, um terremoto de magnitude 7,3 em El Asnam, na vizinha Argélia, matou 2,5 mil pessoas e deixou ao menos 300 mil desabrigados. Um terremoto de magnitude 5,8 também abalou a cidade costeira de Agadir em 1960, deixando mais de 15 mil mortos. •
*Agência France-Presse, Reuters e Associated Press contribuíram para esta reportagem.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1277 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.
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