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Sem Bolsonaro, Brasil sobe 19 posições no ranking anual de liberdade de imprensa da RSF
Apesar do avanço, persistem desafios: violência estrutural contra profissionais, concentração privada no setor de mídia e o peso da desinformação
O Brasil melhorou sua posição no índice anual de liberdade de imprensa divulgado nesta terça-feira 9 pela ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF), sediada em Paris. Entretanto, a RSF aponta um cenário global grave para os profissionais do setor no último ano: os assassinatos, as detenções e os desaparecimentos de jornalistas aumentaram em 2025, impulsionados por guerras e pelo crime organizado.
Segundo a organização, a melhora no Brasil reflete a normalização das relações entre órgãos do Estado e a imprensa, após a posse do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “em contraste com o período anterior, marcado por hostilidade permanente do governo Jair Bolsonaro contra jornalistas”.
Apesar do avanço, persistem desafios: violência estrutural contra profissionais, concentração privada no setor de mídia e o peso da desinformação, que continua a intoxicar o debate público no Brasil, observa a Repórteres Sem Fronteiras.
O relatório destaca ainda que nos últimos dez anos, ao menos 30 jornalistas foram assassinados no Brasil e que, em 2022, três assassinatos estiveram diretamente ligados à prática jornalística, incluindo o do britânico Dom Phillips, morto na Amazônia enquanto investigava crimes ambientais em terras indígenas.
‘Maior prisão aberta de jornalistas no mundo’
Ainda segundo o documento, na antepenúltima posição do ranking, ultrapassada apenas pela Coreia do Norte e pela Eritreia, a China seria a “maior prisão aberta de jornalistas no mundo”, com 121 profissionais detidos num total de 503 em todo o planeta.
Em dados globais, o relatório revela que Israel responde por mais de 43% dos assassinatos de jornalistas na Faixa de Gaza. No mundo, o cenário é alarmante: 67 jornalistas foram mortos desde dezembro de 2024, quase 80% por forças armadas ou por redes ligadas ao crime organizado.
Na América Latina, o México é hoje o primeiro país mais perigoso para jornalistas, com nove mortes só em 2025.
Nas primeiras posições do ranking da RSF, encontram-se respectivamente a Noruega, a Estônia e a Holanda como países mais seguros do mundo para se exercer a profissão de jornalista.
Quando jornalistas se tornam alvos
“O número de jornalistas mortos (de 1º de dezembro de 2024 a 1º de dezembro de 2025) voltou a subir, devido às práticas criminosas de forças armadas regulares ou não e do crime organizado”, lamenta a entidade de defesa da liberdade de imprensa, que reforça: “Os jornalistas não morrem, eles são mortos”.
Seis dias após a condenação do jornalista francês Christophe Gleizes a sete anos de prisão em segunda instância na Argélia por apologia ao terrorismo, a RSF também informa que 503 jornalistas estão presos atualmente em 47 países (121 na China, 48 na Rússia, 47 em Mianmar). A organização contabiliza ainda 135 jornalistas desaparecidos, alguns deles há mais de 30 anos, e 20 jornalistas mantidos como reféns, principalmente na Síria e no Iêmen.
Em 2023, a RSF havia registrado 49 jornalistas mortos, um dos números mais baixos das últimas duas décadas. Mas a guerra conduzida por Israel na Faixa de Gaza desde os ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023, fez esse número disparar: 66 mortos em 2024 e 67 em 2025.
“É isso que provoca o ódio aos jornalistas, é isso que provoca a impunidade”, declarou Anne Bocandé, diretora editorial da RSF. “Hoje existe um verdadeiro desafio: que os governos se comprometam com a proteção dos jornalistas e não os transformem em alvos”, acrescentou.
Com pelo menos 29 profissionais de mídia mortos nos últimos 12 meses no território palestino enquanto trabalhavam, e cerca de 220 desde outubro de 2023, incluindo aqueles mortos fora do exercício da profissão, “o exército israelense é o pior inimigo dos jornalistas”, acusa a RSF.
“Não são balas perdidas”
Embora jornalistas devam ser protegidos como civis em zonas de conflito, o exército israelense foi acusado repetidamente de mirar deliberadamente profissionais da imprensa e já enfrenta denúncias por crimes de guerra. Israel justifica dizendo que ataca o Hamas, classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
O exército israelense chegou a admitir ter alvejado um famoso correspondente da emissora Al-Jazeera, Anas al-Sharif, morto junto com outros cinco profissionais em um bombardeio em agosto, alegando que ele era “terrorista” disfarçado de jornalista — acusações sem provas, rebateu a RSF.
“Não se trata de balas perdidas. É, de fato, um alvo deliberado contra jornalistas porque eles informam o mundo sobre o que acontece nesses territórios”, denuncia Bocandé.
A RSF também lamenta que 2025 tenha sido o ano mais letal para jornalistas no México em pelo menos três anos, com nove mortos, “apesar dos compromissos” assumidos pela presidente Claudia Sheinbaum. As vítimas cobriam política local, denunciavam o crime organizado e seus vínculos com autoridades, e haviam recebido ameaças explícitas.
A Ucrânia (três jornalistas mortos, incluindo o fotojornalista francês Antoni Lallican) e o Sudão (quatro mortos) também figuram entre os países com balanços mais trágicos, segundo a RSF.
Outras organizações apresentam números diferentes devido a metodologias distintas. A Unesco, por exemplo, contabiliza 91 jornalistas mortos no mundo em 2025.
Com AFP
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