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Robin Hood da City

O ex-trader Gary Stevenson trocou a fortuna no mercado financeiro pelo ativismo contra a desigualdade

Raízes. Depois de uma vida pobre e de uma riqueza amealhada em poucos anos, Stevenson lembrou-se das origens - Imagem: Redes sociais e iStockphoto
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Gary Stevenson tornou-se multimilionário ao apostar “que a desigualdade iria destruir nossa economia e tornar os mais pobres da sociedade ainda mais pobres”. Criado com um irmão e uma irmã numa casa apertada de dois quartos perto de uma linha ferroviária em Ilford, no leste de Londres, Stevenson, 35 anos, sempre quis ganhar muito dinheiro. “Eu era um garoto inteligente, pobre e ambicioso, que simplesmente não queria mais ser pobre.”

Ele alcançou seu objetivo aos 22 anos, após conseguir emprego como trader no Citigroup, em Canary Wharf, em 2008. Em dois anos ganhou seu primeiro milhão. Seus salários e bônus continuaram a subir à medida que suas apostas – que as taxas de juro não subiriam e a desigualdade social aumentaria – renderam dezenas de milhões para o banco. Então desistiu. “Eu ganhava mais dinheiro do que jamais poderia imaginar”, diz Stevenson em seu apartamento em Limehouse, com vista para a torre do Citi, onde ele trabalhou. “Mas não estava certo.” E acrescenta: “Ganhei dinheiro apostando em um desastre. Apostei no colapso contínuo e duradouro da economia global. Não é brincadeira, certo? Você sabe, as pessoas vão morrer por causa disso. A vida das famílias será arruinada e ficará cada vez pior”.

Stevenson não se afastou simplesmente do antigo emprego. Agora trabalha para combater o sistema em que trabalhou antes e faz campanha para conscientizar a população em geral sobre o que banqueiros fazem nas torres reluzentes de Canary Wharf e da City de Londres para manter a “economia injusta”. “A única maneira de mudar o sistema é deixar os cidadãos realmente irritados com ele. Você sabe, eu costumava trabalhar naquele prédio ali e recebia 1 milhão de libras por ano. Agora estou aqui dando informações de graça, e não é como se a mídia estivesse em cima de mim – o ­establishment não quer que a população saiba a verdade. Se soubessem o quanto a desigualdade é um problema sério, poderíamos ter uma conversa adequada para fazer algo a respeito.”

Stevenson tenta dizer o que acredita ser a verdade em uma série de vídeos em seu canal no YouTube, GarysEconomics.­ Nos vídeos, o ex-trader explica como a ­City funciona, por que os ricos ficaram ainda mais ricos durante a crise do Coronavírus e por que os milionários deveriam pagar mais impostos. Quando pergunto por que desistiu do dinheiro e da carreira, responde: “Se você passa pela casa do seu vizinho e vê que está pegando fogo, o que você faz? Você tenta tirá-los. Esta é uma economia a pegar fogo”.

Stevenson, que chegou da academia vestindo um agasalho, acrescenta: “É um desastre o que acontece hoje, e não quero que aconteça. Eu gostaria de ter filhos um dia e gostaria de dizer a eles: ‘Eu previ esse desastre’, e eles dirão: ‘O que você fez? Você ganhou muito dinheiro com isso ou tentou impedi-lo?’ Eu direi: ganhei muito dinheiro, mas também tentei impedi-lo. Honestamente, acho incrível quando pessoas como você me perguntam por quê. Não quero que esse desastre aconteça e tento impedir. Posso contê-lo? Talvez não. Mas não há muitos que possam se dar ao luxo de fazer isso e ter o conhecimento que tenho, então preciso tentar”.

Nos seis anos em que trabalhou no banco, Stevenson ganhou dinheiro suficiente para nunca mais ter de trabalhar. A luta, diz, é ajudar os outros. “Eu sei que sou rico. Mas esses são meus amigos e minha família. Eu não fui para Eton. Essas são as pessoas com quem eu cresci.”

Sua irmã, Debris Stevenson, é uma poeta e artista de grime (uma espécie de rap), cuja história de amadurecimento, Poet in Da Corner, inspirada no álbum seminal de Dizzee Rascal, foi apresentada no teatro Royal Court e percorreu o país. Seu irmão é um programador de computador que aprendeu sozinho a construir supercomputadores a partir de componentes que encontrou em caçambas. Ele ajudou os dois a comprar suas casas.

Em seu canal no YouTube, GarysEconomics, ele explica o sistema e defende a taxação de grandes fortunas

Stevenson, que faz campanha por um imposto sobre a riqueza como parte do movimento Milionários Patrióticos, descreve a desigualdade de riqueza como “um câncer em nossa economia” que “não é tratado e só cresce”. “Se você não fizer nada a respeito, é inevitável que a economia fique cada vez pior.”

Então, o que ele faria se fosse Rishi ­Sunak? “Bem, se eu fosse o chanceler e meu sogro fosse um dos homens mais ricos do mundo, o que eu provavelmente faria é garantir que nunca tributássemos os ricos, para que meus filhos fossem muito ricos.”

Mais seriamente, Stevenson diz que combater a desigualdade deve ser uma prioridade para o governo. “A política pela qual faço campanha é principalmente um imposto sobre a riqueza, porque acho que é a mais viável”, diz. “Mas também há outras maneiras, incluídos os limites no tempo que alguém pode conservar a riqueza.” Ele propõe que, se os ricos tivessem de gastar uma parte de seu dinheiro em um determinado período, isso impulsionaria a economia real e ajudaria na crise do custo de vida. “O imposto é o mais importante. É a única maneira de os mais pobres terem chance de recuperar o atraso”, afirma. “Não estou falando de impostos enormes para aqueles de alta renda, como médicos ou advogados, falo sobre ir atrás das famílias que guardam seu dinheiro desde sempre. Essas famílias têm centenas de milhões de libras, e o dinheiro faz dinheiro, então só aumenta. Eu pagava 45% de imposto sobre meus ganhos, mas o Duque de Westminster não pagava quase nada sobre seus bilhões de herança.”

Quando o sexto duque de Westminster­ morreu, em 2016, seus herdeiros não pagaram imposto de transmissão sobre a maior parte de sua fortuna familiar de 8,3 bilhões de libras (53,5 bilhões de ­reais). Seu filho, Hugh Grosvenor, de 31 anos, herdou o título e se tornou um dos homens mais ricos do mundo, como acionista majoritário da empresa imobiliária global Grosvenor Estates, que possui várias propriedades nos bairros de West End, Mayfair e Belgravia, em ­Londres, além de propriedades em Cheshire, ­Lancashire e na Escócia.

Stevenson teme que políticos e economistas não sejam capazes de consertar a economia até que suas origens reflitam melhor a sociedade. “Se você encher os departamentos de política e economia como enchem esses arranha-céus em ­Canary Wharf com gente de famílias ricas, de escolas e universidades de elite, elas não dão a mínima porque estão ganhando. Claro que elas não sabem o que acontece. Esses caras acham que a economia está ótima, porque é ótima para eles.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1216 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Robin Hood da City”

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