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Robert Mueller não é Sergio Moro

O juiz brasileiro teria muito a aprender com o procurador-especial dos EUA que investiga o presidente Donald Trump

Mueller não vaza e evita os holofotes
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O Brasil por muito tempo espelhou-se nos EUA. Hoje, pode-se dizer, temos algo em comum: duas das piores crises políticas da história dos dois países. Presidentes impopulares de legitimidade questionável, economias em uma encruzilhada e, em particular, o protagonismo do judiciário no encaminhamento da questão política. Se temos Sérgio Moro, os americanos tem Robert Mueller, procurador-especial encarregado de uma investigação que ameaça derrubar o governo Trump.

Os paralelos são muitos, assim como as diferenças. A economia norte-americana apresenta bons índices de crescimento e emprego, mas a escalada da desigualdade terá de ser enfrentada mais cedo ou mais tarde. A situação brasileira é muito mais preocupante, com recessão e desemprego em alta e nenhuma luz no fim do túnel. Um túnel que em breve será privatizado.

Em termos de aprovação, Trump tem sido desastroso. Seu desempenho é o pior entre os últimos presidentes, caindo de próximo da metade, no início do mandato, para pouco mais de 30% atualmente. Ainda assim, um fenômeno se comparado a Temer, que tem um décimo desse número. É um feito digno de nota, dado o histórico da incipiente administração Trump.

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Desde que assumiu a presidência, o bilionário acumula derrotas. Apesar da maioria republicana nas duas casas do Legislativo, Trump não obteve apoio para extinguir o plano de saúde pública criado pelo governo anterior, o chamado Obamacare.

Seus decretos contra a imigração foram questionadas por juízes e governos estaduais. Sua mais nova iniciativa, uma reforma tributária impopular, que beneficia sobretudo os super-ricos, terá dificuldade em ser aprovada por um congresso que se prepara para as eleições de 2018. Neste quesito, ponto para Temer, que tem sido bem-sucedido em enfiar suas reformas goela abaixo do povo brasileiro.

O principal problema de Trump reside, porém, na investigação sobre o envolvimento de sua campanha com a Rússia. Diversos integrantes de sua equipe, incluído Donald Trump Jr., mantiveram contatos com agentes do Kremlin durante o período eleitoral, com o objetivo de obter segredos potencialmente danosos aos Clinton. Outro aspecto da colaboração com os russos envolveu, como comprovado pelo FBI, o roubo de informações e emails do Partido Democrata por meio de hackers.

Ao contrário do Brasil, onde operações policiais de nomes pitorescos se repetem como novelas das oito, é praticamente inédita a gravidade da atual crise política nos EUA. Seria preciso voltar ao caso Watergate, que levou à renúncia de Nixon em 1974, para traçar um paralelo. Atualmente, mais da metade dos norte-americanos acredita que o país encontra-se no pior momento de sua história, uma percepção compartilhada por millenials, babyboomers e por aqueles que viveram a II Guerra Mundial.

As evidências de conluio entre Trump e os russos começam a aparecer ainda na campanha, quando o então candidato diz, em pleno comício: “Rússia, se vocês estão ouvindo, por favor consigam os emails de Hillary Clinton”. Desde então, foram descobertas reuniões não declaradas ao FBI, trocas de emails comprometedores entre Trump Jr. e um emissário de Putin e contatos secretos entre agentes russos e o alto escalão da equipe de Trump.

As baixas começaram pela demissão do general Flynn, escalado como conselheiro de Segurança Nacional, por ter mentido sobre seus contatos com os russos. Acuado, Trump decide demitir o diretor do FBI, James Comey, em uma clara tentativa de obstrução de justiça. Foi um tiro no pé. Jeff Sessions, o procurador-geral de Trump, em tese responsável por dar continuidade às investigações, foi obrigado a declarar-se suspeito sob pena de perjúrio, uma vez que havia informado ao Senado sobre os seus próprios contatos com os russos.

Eis que surge a figura do procurador-especial Robert Mueller. Ex-diretor do FBI por 10 anos, Mueller serviu a governos republicanos e democratas, tendo reconhecimento entre políticos dos dois partidos e o que, no Brasil, se chamaria “reputação ilibada”. Ele dispõe de amplos recursos humanos e materiais e possui independência operacional em relação ao Departamento de Justiça. Ou seja, é um pesadelo para Trump.

Assim como Sérgio Moro, Mueller tem sob sua alçada um caso que pode definir os rumos da política nacional. As semelhanças, contudo, terminam aí.

Desde que assumiu as investigações, Mueller não deu entrevistas, não foi fotografado ao lado de políticos, não vazou informações para a mídia. Não é herói de filme de cinema e, se fosse, não acredito que iria à estreia, muito menos fantasiado de segurança de porta de balada. Seu perfil, sóbrio e discreto, dá credibilidade às investigações e em tudo contrasta com o gosto de Moro pelo espetáculo e pela excepcionalidade jurídica.

Em sua mais recente ação, Mueller indiciou George Papadopolous, ex-integrante da campanha de Trump, que declarou-se culpado de diversas acusações, entre elas ter mentido ao FBI. No mês passado, o ex-diretor da campanha, Paul Manafort, foi colocado em prisão domiciliar e teve sua residência revistada. Em nenhum dos casos a mídia foi avisada com antecedência. Tampouco se adivinha quem será o próximo alvo. 

O esfacelamento do Executivo em virtude da corrupção, aliado a Legislativos omissos ou cooptados, não deixa outra saída senão a via judicial. Trata-se de um preocupante enfraquecimento da democracia, uma vez que o judiciário é o único poder não eleito pelo povo. No caso dos EUA, ao menos, arrisco dizer que o processo está em boas mãos.

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