O texto abaixo é uma carta aberta de Ari Marcelo Solon, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ao sociólogo português Boaventura de Sousa Santos após o texto deste publicado no blog Outras Palavras, de CartaCapital, intitulado “A possível extinção do Estado de Israel“.
Prezado Professor Boaventura
Caminhamos juntos no Rio de Janeiro, muitos anos atrás, visitando as favelas cariocas. Desde então, tenho lutado pelo direito de Pasárgada, como o senhor denominava a favela da Rocinha, em estudo sobre seu peculiar sistema jurídico.
Em nome do direito de Pasárgada e de minha ética religiosa, condenei os ataques que ocasionaram a morte de crianças e civis em Gaza, assim como os foguetes lançados de forma indiscriminada contra a população civil israelense, pelo Hamas. E é em nome desta mesma ética que não posso tolerar o antissemitismo de esquerda, manifesto em seu artigo publicado na última Carta Capital (26.08.14), no qual o sr. prega a extinção o Estado de Israel.
A despeito de o antissemitismo de direita igualmente me causar repulsa, não vale a pena combatê-lo racionalmente. De outra parte, o antissemitismo disfarçado, dos meus irmãos que lutam por uma utopia humanística, trazem à memória as lições esboçadas pela dialética do esclarecimento, trazidas por Adorno. Combater o judeu como algo nocivo, global e poderoso é na realidade uma crítica pueril da direita nazifascista ao capitalismo moderno.
Esta mesma dialética ensina-nos que criticar a figura abstrata do judeu-neocolonialista afigura-se verdadeira estratégia regressiva – e não libertária. Partindo-se dos ideais que reafirmam posições igualitárias, tecer críticas a determinadas políticas de um ou outro governo israelense é razoável e faz parte do debate democrático. Contudo, pregar a extinção do Estado, pura e simplesmente, ultrapassa o limite do tolerável e ofende os direitos humanos dos perseguidos que ali se estabeleceram, muitos deles animados por um socialismo utópico que chegou a florescer naquele deserto.
Assim, judeus e árabes – exatamente como decidiu a ONU, há quase setenta anos – têm direito à morada no solo abrâmico com seus descendentes, da forma que entenderem razoável, na medida – e apenas na medida – em que trilharem seus passos com justiça.
Ari Marcelo Solon
Professor Associado da Faculdade de Direito da USP