A invasão ao Congresso dos Estados Unidos por apoiadores do presidente Donald Trump na última quarta-feira 7 pode deixar marcas profundas na democracia norte-americana.
Para Felipe Pereira Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU), alguns elementos indicam que, caso os responsáveis não sejam punidos, as consequências podem ser graves.
Loureiro não é taxativo, mas aponta para a possibilidade do trumpismo se fortalecer a partir da radicalização incentivada pelo presidente após perder as eleições para o democrata Joe Biden.
“Se a narrativa do Trump vingar, a gente vai ter uma presidência muito difícil para o Biden”, afirma em entrevista a CartaCapital. “A manutenção do trumpismo enquanto força independente e força social vai depender de como os atos que ocorreram ontem vão ser interpretados e digeridos pela massa de eleitores”, acrescenta.
De acordo com o professor, as reações instituicionais serão fundamentais para impedir que novos movimentos como o ocorrido no Capitólio, que deixou quatro mortos, se repitam.
“O primeiro passo já foi dado. Após o Congresso ser invadido, os deputados e senadores retornaram rapidamente para continuar o processo de ratificação do Joe Biden. Foi fundamental que eles não demorassem, pois deram o sinal de não rendição à violência. Um segundo passo, que já tem apoio de segmentos da sociedade, é que não é possível mais continuar com o Trump na presidência, mesmo tendo tão pouco tempo de mandato em curso. A mensagem que fica é: incitar um ato contra instituições democráticas precisa ter consequências. A retirada do Trump da presidência seria um elemento importante para mostrar que esse tipo de atitude não pode ser aceita”, diz.
Leia a entrevista completa.
CartaCapital: Quais são as consequências para a democracia americana?
Felipe Loureiro: No calor do momento, é difícil cravar quais são as consequências do gravíssimo ato, um golpe insuflado pelo Trump, mas o que me parece claro é: se o que aconteceu ontem não for endereçado pelos principais responsáveis pelas instituições políticas dos Estados Unidos as consequências podem ser graves.
O primeiro passo já foi dado. Após o Congresso ser invadido, os deputados e senadores retornaram rapidamente para continuar o processo de ratificação do Joe Biden. Foi fundamental que eles não demorassem, pois deram o sinal de não rendição à violência.
Um segundo passo, que já tem apoio de segmentos da sociedade, é que não é possível mais continuar com o Trump na presidência, mesmo tendo tão pouco tempo de mandato em curso. A mensagem que fica é: incitar um ato contra instituições democráticas precisa ter consequências. A retirada do Trump da presidência seria um elemento importante para mostrar que esse tipo de atitude não pode ser aceita.
O terceiro elemento é que, se a narrativa do Trump vingar, a gente vai ter uma presidência muito difícil para o Biden.
Agora, se a violência que vimos se transformar em um trampolim para que muitos trumpistas concluam, como algumas lideranças já concluíram, que a força passou de todos os limites pode ser um cenário que pode fortalecer a democracia americana. E o fato do Biden ser moderado pode ser um elemento importante para construir pontes e arrecefer a polarização.
O trumpismo é uma força que independe do partido Republicano?
FL: Me parece que as eleições de novembro de 2020 demonstraram claramente que existe nos Estados Unidos um movimento social muito amplo que é fiel a uma pessoa. Esses trumpistas, antes de serem republicanos, são trumpistas, o que deixa claro porque muitos políticos têm medo de contrariar o Trump. Hoje, podemos dizer que o trumpismo é, sim, uma força que sobrepõe ao partido Republicano.
E a manutenção do trumpismo enquanto força independente e força social vai depender de como os atos que ocorreram ontem vão ser interpretados e digeridos pela massa de eleitores.
CC: Movimentos como o de ontem tendem a fazer parte da democracia americana?
FL: Desde pelo menos a primeira década do século XXI nos Estados Unidos se observa o crescimento de grupos de extrema-direita. Esse crescimento ganhou dimensões ainda mais significativas com a eleição do Barack Obama, que foi considerado um presidente ilegitimo por muitos conservadores. Com o trumpismo, esse grupos de extrema-direita, neonazistas e supremacistas brancos ganharam uma dimensão nunca antes vista, porque o presidente os apoia e os sustenta retoricamente e nas próprias ações.
Diante disso, com o Trump fora da presidência a tendência é de enfraquecimento desses grupos. Ao mesmo tempo, se o trumpismo continuar como um movimento importante na política, os movimentos podem a continuar a existir.
CC: O legado de Trump fará com que partidos criem barreiras para impedir candidatos como ele?
FL: Quando o Nixon renunciou houve um movimento no Congresso para aprovar um conjunto de leis para impedir de algo próximo ao que Nixon fez pudesse retornar para a presidência norte-americana.
Já o Trump levou os abusos de poder a um nível nunca antes visto e a maior prova foi o que aconteceu ontem.
Há um conjunto de justificativas para que reformas sejam aprovadas, limitando o poder do presidente e mudando formas de se instaurar políticas patrimonialistas. Mas eu não sei se, diante da quantidade das ameaças e problemas que a administração Biden vai enfrentar, haverá força política para aprovar um conjunto de medidas como essas.
Acredito que haverá um movimento no partido Republicano se os republicanos anti-trumpistas ganharem hegemônia no partido.
CC: Trump pode responder judicialmente pelo que houve no Capitólio?
FL: Enquanto presidente, hoje, ele pode responder sendo expulso do cargo por meio de um processo de impeachment ou com o vice-presidente acionando a 25a emenda da Constituição americana e o Trump seria impedido.
Deixando de ser presidente, ele pode ser processado civil e criminalmente por ter violado leis federais, mas vai depender de procuradores federais levarem isso a fundo e a dúvida se o Trump teria poder para se auto-perdoar como presidente. Alguns juristas dizem que não, outros dizem que sim. Isso, provavelmente, vai ser decidido pela Suprema Corte.
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