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Relaxamento no controle das fake news pode ter impacto grave em 2026, diz professor sobre decisão da Meta
Para Marcio Moretto, o fim da checagem afronta soberania das nações e impõe um retrocesso que ignora as lições do escândalo Cambridge Analytica


O anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, sobre o fim do programa de checagem de fatos nos Estados Unidos e a adoção de um sistema de “notas da comunidade” semelhante ao do X (antigo Twitter) alarmou especialistas em tecnologia e proteção de dados dentro e fora do país.
A decisão de encerrar o programa, implementado em 2016, coincide com a posse iminente de Donald Trump como presidente dos EUA, e indica uma tentativa da Meta de se reposicionar politicamente, buscando alinhamento com o novo governo. Em vídeo publicado nas redes sociais, Zuckerberg disse contar com o presidente norte-americano “para pressionar os governos de todo o mundo, que visam perseguir empresas americanas e pressionando para implementar mais censura“. Trump, por sua vez, gabou-se de que o fim da checagem se deu, ‘provavelmente’, por causa de suas ameaças.
No anúncio, Zuckerberg defendeu uma suposta ‘restauração da liberdade de expressão’, afirmando que o sistema atual possui “muitos erros e censura demais”. Agora, a moderação será feita pelos próprios usuários em conteúdos considerados de ‘menor gravidade’ pela Meta, estratégia semelhante à adotada pela plataforma X, do bilionário Elon Musk, crítico da moderação nas redes sociais, que ele classifica como ‘censura’. No X, as “notas da comunidade” permitem que colaboradores adicionem contexto e esclarecimentos aos tweets.
Embora a mudança esteja, por ora, restrita aos EUA, há possibilidade de expansão para outros países. O secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant, expressou preocupação com a decisão da Meta, interpretando-a como um “convite à extrema-direita”.
Para o professor da Universidade de São Paulo, Marcio Moretto, coordenador do projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital, a medida é temerária, pois contraria o entendimento internacional sobre a responsabilização das plataformas em relação à moderação de conteúdos. Moretto explica que o Marco Civil da Internet estabeleceu que as plataformas eram protegidas juridicamente por serem intermediárias, mas a pandemia da Covid-19 e os ataques à democracia no Brasil e nos EUA reforçam a necessidade de maior responsabilização das empresas.
“Dois fatores foram cruciais para isso: a pandemia e os ataques à democracia, que demonstraram como as consequências das fake news davam pouca margem a correções posteriores”, diz Moretto. Ele cita a adoção de ferramentas de moderação como resposta a esses desafios.
A Meta já enfrentou críticas no passado, como no escândalo da Cambridge Analytica, onde dados de milhões de usuários foram utilizados indevidamente para influenciar processos eleitorais. Em 2018, Zuckerberg chegou a comparecer ao Senado americano para explicar o caso. “Naquela época, o Facebook respondeu criando um processo interno de moderação e regulação de conteúdos”, relembra. “Agora, o anúncio atual vai na contramão desse movimento. Zuckerberg não só indica um afrouxamento interno, como também sinaliza que enfrentará legislações, como as da União Europeia e, eventualmente, do Brasil.”
O CEO da Meta afirma que a mudança começará nos Estados Unidos, mas não descarta a expansão para outros países. “Isso revela a provável política externa do governo Trump em relação à regulação das plataformas, o que afronta a soberania nacional”, diz Moretto.
Para Moretto, a sinalização ao campo da extrema-direita e o relaxamento no controle das fake news podem gerar consequências políticas e sociais negativas, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19, com desinformação sobre vacinas. Ele destaca que o cenário se agrava com o lobby das big techs no campo político. “[Esse lobby] contribuiu para o arquivamento do PL das Fake News no Brasil”, afirma.
Ainda que a medida não se aplique ao Brasil de imediato, Moretto alerta para impactos nas eleições presidenciais de 2026. “A questão não é o uso das plataformas para promover um candidato, o problema é como são usadas. Uma coisa é saber fazer campanha, outra é usar as redes para atacar a democracia ou questionar as urnas eletrônicas”, pontua, referindo-se às estratégias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após ser derrotado por Lula (PT).
“A preocupação é com o uso ilegal das plataformas para incitar a população contra as instituições democráticas”, conclui.
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