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Rédeas curtas
O estilo centralizador de Ursula von der Leyen será testado no novo mandato


Ursula von der Leyen não quis deixar nada ao acaso. Em uma reunião fechada com integrantes do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na terça-feira 17, ela preferiu não revelar quem ficaria com qual cargo em sua nova Comissão Europeia, que deve tomar posse no fim do ano. Então, pouco depois, durante uma rápida coletiva de imprensa de 21 minutos, anunciou cada nome, deixando os eurodeputados furiosos. “Não é assim que se deve fazer”, reclamou um deles.
O segredo em torno da grande revelação é característico de Von der Leyen, que controla cuidadosamente o fluxo de informações. Nomeada a mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes e prestes a começar um segundo mandato como presidente da Comissão, a alemã organizou sua nova equipe de forma que é uma lição sobre como acumular controle. “É muito parecido com a abordagem de dividir para governar”, avalia Sophia Russack, pesquisadora do Centro de Estudos de Política Europeia, em Bruxelas.
Observadores da UE têm se debruçado sobre organogramas da nova Comissão, desenhando linhas de quem se reporta a quem. A resposta logo fica clara: todo o poder flui para Von der Leyen. A “presidencialização” da Comissão está em curso desde que a ampliação big bang da União Europeia em 2004 tornou a mesa principal do Executivo do bloco muito maior, criando uma necessidade de mais direção. Cada um dos 27 Estados membros tem um comissário, privilégio do qual nenhum quer abrir mão. Mas Von der Leyen elevou o poder presidencial a outro nível.
Recentemente, supervisionou a saída de um de seus críticos mais afiados, o comissário francês Thierry Breton, que esperava retornar a Bruxelas para um segundo mandato após ser nomeado pelo presidente da França, Emmanuel Macron. Em vez disso, após conversas secretas entre Macron e Von der Leyen, Breton ficou de fora. Ele renunciou, acusando-a de “governança questionável”.
Em outra demonstração de poder, Von der Leyen forçou governos a enviarem mulheres candidatas a comissárias, recompensando os países que obedeceram, Romênia e Eslovênia entre eles, com grandes cargos ou títulos impressionantes. Os governos que desprezaram seu pedido de sugerir mulheres, Áustria e Irlanda em destaque, ficaram sem o “grande portfólio econômico” que buscavam, embora tenham obtido cargos importantes.
A presidente do Conselho Europeu lidará com um ambiente mais hostil, inflamado pela extrema-direita
Em 2019, Von der Leyen foi uma escolha-surpresa de última hora para liderar a Comissão. Ela assumiu o cargo semanas antes de a pandemia de Covid-19 levar a Europa a uma crise sem precedentes. Durante o lockdown, trabalhar com uma pequena equipe na sede da Comissão, onde ela também mora – Von der Leyen tem uma toalete sem janelas convertida no 13º andar – reforçou sua propensão a tomar decisões sozinha. “A questão agora para o próximo mandato é se ela consegue fazer o normal”, especula Russack. Durante o primeiro mandato, acrescentou a pesquisadora, “sua equipe operou como um centro de comando em uma crise, e funcionou muito bem. Eu me pergunto se ela consegue exercer seu poder da mesma forma quando não tem a desculpa de uma emergência”.
As tarefas em sua caixa de entrada são assustadoras: a guerra brutal na Ucrânia e o espectro de Donald Trump na Casa Branca. A União Europeia está longe das metas de redução dos gases de efeito estufa até 2030, enquanto luta para mudar para uma economia verde diante da concorrência fortemente subsidiada da China e dos Estados Unidos. No início deste mês, o ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi sugeriu à UE reformas profundas e gastos anuais de 800 bilhões de euros (4,95 trilhões de reais) para evitar “um declínio lento e agonizante”.
Poucos esperam que os líderes da UE concordem com a ambiciosa agenda de Draghi. Na França, Macron está enfraquecido depois de eleições antecipadas que criaram um impasse político prolongado. O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, preside uma coalizão tripartite em disputa que está preocupada com a política interna após vitórias sem precedentes da extrema-direita nas eleições regionais.
Um alto funcionário da UE alertou contra a ideia de que Von der Leyen poderia entrar num vácuo de liderança. “Você é tão forte quanto o elo mais fraco do Conselho Europeu.” Para que a legislação seja aprovada, a presidente do Conselho precisa não apenas dos Estados membros da UE, mas do Parlamento Europeu, que tem mais eurodeputados de extrema-direita hostis à UE do que nunca. “Na legislação, ela terá muitos problemas”, projeta a autoridade sênior. “Você não está mais falando de 30 malucos. Agora você está falando de 150 parlamentares que não são bem-intencionados.” A grande coalizão de partidos pró-UE que apoiaram Von der Leyen – de seu próprio Partido do Povo Europeu, de centro-direita, dos socialistas, centristas e verdes – será testada. “Ela estará muito mais vulnerável e propensa a mudanças na maioria”, acrescentou o funcionário.
A nova Comissão de Von der Leyen provavelmente tomará posse por volta de 1º de dezembro. Estes poucos meses antes da briga podem ser o auge de seus poderes. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1330 de CartaCapital, em 02 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Rédeas curtas’
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