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Recuperação econômica chinesa não reflete realidade do planeta

Analistas ocidentais desconfiam, porém, de manipulação dos dados oficiais

Chineses participam da comemoração da fundação da República Popular da China (Foto: NOEL CELIS / AFP) Chineses participam da comemoração da fundação da República Popular da China (Foto: NOEL CELIS / AFP)
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por Emma Graham-Harrison

Pequim despertou inveja, admiração e um ressentimento considerável quando divulgou os dados do desempenho do PIB. A China é a primeira grande economia a voltar a crescer depois da devastação causada pela Covid-19 no primeiro semestre do ano.

O país parecia ter alcançado a recuperação em forma de V perseguida por ministros da Economia do mundo todo, após ser pioneira em bloqueios em massa para conter o vírus que se instalou em Wuhan, fechando então suas fronteiras para impedir que ele voltasse do exterior.

Praticamente livre do vírus, a população poderia retornar a algo parecido com a vida normal em escritórios, escolas, lojas e restaurantes, e o governo incentivou uma onda de investimentos em infraestrutura e novas fábricas. Os dados oficiais mostraram crescimento de 4,9% do PIB entre julho e setembro, um pouco abaixo do que os economistas esperavam, mas ainda uma conquista surpreendente.

Analistas alertaram, no entanto, que a aparente manipulação de dados e os detalhes de como a China voltou a crescer, confiando mais no investimento do que no consumo, levantam questões sobre a força e a durabilidade da recuperação econômica. Nick Marro, analista-chefe de comércio global da Economist Intelligence Unit, considera que os números parecem mostrar uma mistura de alguns dados para reforçar a taxa de crescimento geral do Produto Interno Bruto no terceiro trimestre, embora tenha advertido que não há evidência direta de manipulação dos indicadores.

“A agência de estatísticas chinesa é opaca sobre sua metodologia e, a menos que obtenhamos mais detalhes sobre seus ajustes, nunca saberemos a história completa. Mas parece haver evidências de um ajuste direcionado para ajudar a elevar esse número”, disse.

Marro acrescenta: “Os números de setembro foram suavizados, alterando discretamente a base histórica de comparação. Basicamente, alguns dos índices de setembro de 2019 foram redistribuídos para outubro daquele ano, a fim de diminuir a base de comparação. Isso gerou uma distorção estatística em que os números de crescimento de setembro de 2020 podem ter sido artificialmente inflados”.

A diferença na taxa de crescimento não foi enorme, prossegue o analista, mas a manipulação sugeriu que a economia pode não estar tão forte quanto Pequim gostaria que os habitantes e os estrangeiros pensassem. “A maior implicação é que o cenário de investimento pode ser mais frágil do que os números oficiais sugerem no último trimestre de 2020. Este talvez seja o maior risco que as empresas precisam levar em consideração.”

Leland Miller, presidente-executivo da consultoria China Beige Book, que acompanha a economia chinesa com dados que ela mesma coleta, além das estatísticas oficiais, sinalizou o que considerou uma alteração muito mais perturbadora nos dados.

A China registrou crescimento de 0,8% no investimento em ativos fixos nos três primeiros trimestres do ano, em comparação com 2019, mas os números absolutos para o mesmo período mostraram queda de vários trilhões de yuans. “Isso não é brincadeira. Essa simples constatação faz desaparecer 2,5 trilhões de yuans em investimentos em ativos fixos.” A única explicação dada pelas autoridades chinesas para a discrepância foi que os dados foram ajustados para refletir “os resultados do quarto censo econômico nacional, aplicação da lei estatística e regulamentação de programas estatísticos”, portanto os economistas não têm como avaliar a precisão das revisões ou compará-las com outros dados. Se o investimento em ativos fixos tivesse realmente caído, como sugerem os dados brutos, enquanto o consumo também caiu, o crescimento geral do PIB poderia ser muito menor que o número divulgado, disse Miller. “Há lições muito grandes aqui, pois os analistas pensam que a China está de volta. Eles fizeram um trabalho muito bom, mas… não estão nem perto de voltar para onde estavam antes.”

Enquanto isso, a pandemia levou muitas empresas ocidentais a reconsiderar sua dependência das fábricas chinesas. E enquanto Pequim há vários anos pede um “reequilíbrio” da economia para impulsionar o consumo interno, ela tem tido dificuldade para torná-lo realidade. Outros desafios de longo prazo, incluindo dívidas e envelhecimento da população, foram temporariamente ofuscados pelo coronavírus, mas não são menos problemáticos. “Mesmo que o crescimento salte de uma base baixa no ano que vem, ainda existem problemas estruturais subjacentes”, aponta George Magnus, ex-economista-chefe do UBS e associado ao Centro China da Universidade de Oxford. “Isso inclui dívida crescente, dados demográficos, baixa produtividade, um ambiente externo muito mais hostil para comércio e investimentos. Todas essas coisas vão pesar sobre o potencial de expansão e desenvolvimento da China.”

Observação de CartaCapital: nos últimos 20 anos, os analistas ocidentais não se cansam de prever, com baixíssima taxa de sucesso, o momento em que a locomotiva chinesa perderia fôlego. Em outubro, pelo critério de poder de paridade de compra, o país ultrapassou os rivais Estados Unidos e se tornou oficialmente a maior economia do planeta. O Fundo Monetário Internacional estima que a China será a única nação a crescer neste ano, 1,9%. Percentual modesto em comparação aos anos recentes, mas um colosso diante da queda acentuada dos demais PIBs.

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