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Quem será o anti-Trump?

Os democratas iniciam as prévias para escolher o adversário do presidente republicano em 2020

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Ao sentir a multidão desanimada, Donald Trump mudou de assunto e mirou a questão mais importante, seu slogan para a reeleição. Deveria o rebelde que virou presidente manter o “Faça os EUA grandes de novo” (Maga, em inglês), que ele caracterizou como, “provavelmente e possivelmente, o maior tema na história da política”? Ou mudar para “Mantenha os EUA grandes”?

Foi o último que transformou o estádio em um caldeirão ruidoso. “Ah, desculpe, país do Maga, mas não chegou perto”, disse o presidente na noite da terça-feira 18. “Eu pensei que vocês tivessem decidido, e então ouvi essa ovação. Meus tímpanos nunca mais serão os mesmos. Mantenha os EUA grandes.”

Agora será a vez de os democratas procurarem uma frase mágica. Vinte candidatos, todos na corrida para fazer de Trump o primeiro presidente a cumprir um único mandato desde George Bush pai, se apresentarão em duas noites para os primeiros debates preliminares do partido, em Miami. Todos estarão ansiosos para evitar um erro que encerre a campanha. Todos estarão ansiosos para oferecer um mote que viralize e possa competir com a potência de “Make America great again”.

Entre os candidatos mais antigos em campo está Joe Biden, 76 anos, cujo argumento tem sido descrito pelos céticos como “Make America 2016 again” (Faça os EUA voltarem a 2016) – uma restauração da Presidência de Barack Obama, quando Biden serviu como vice. Mas o candidato mais jovem, Pete Buttigieg, de 37 anos, prefeito de South Bend, em Indiana, enfatizou a necessidade de olhar para o futuro: “Não existe uma política honesta que gire em torno da palavra ‘novamente’”.

Neil Sroka, porta-voz do grupo progressista Democracia para a América, disse: “Faça os EUA grandes novamente foi claro e muito alinhado com o fanatismo subjacente à campanha e à administração de Trump. O slogan fez algo que Trump é incapaz de fazer, manter a parte ruidosa em silêncio e manter a parte tranquila ruidosa. Com ‘Mantenha os EUA grandes’, o ponto importante está calado. Significa manter o país grande para homens brancos heterossexuais”.

O primeiro democrata a entrar na disputa foi o ex-congressista John Delaney, há quase dois anos. Outros candidatos têm feito campanha e captação de recursos há meses. Mas para milhões de norte-americanos os debates vão dar o verdadeiro tiro de largada. O alinhamento é historicamente diversificado, incluindo seis mulheres, seis negros e um homem gay.

Os eleitores democratas lutam com inúmeros fatores de pressão e atração. Trump é uma singularidade tão única que o partido deveria jogar com segurança e permanecer no centro? Eles podem contemplar a nomeação de mais um homem branco idoso? Esta eleição é sobre contar com a base, ou alcançar os republicanos independentes e descontentes? Ou Trump mudou tudo?

As posições dos candidatos no pódio refletirão sua classificação nas pesquisas em 12 de junho. Elizabeth Warren e o ex-congressista Beto O’Rourke, do Texas, estarão no centro do palco na primeira noite, dando a Warren, em crescimento, uma chance real de brilhar. Na segunda noite, Biden e Bernie Sanders estarão no meio, ladeados por rivais como Buttigieg e Kamala Harris.

Será um teste especial para Biden, cujas candidaturas à Presidência em 1988 e 2008 caíram e queimaram, e que foi descrito como uma “máquina de gafes”. Recentemente, ele lembrou a “civilidade” dos segregacionistas raciais com os quais trabalhou no Senado. “Ele nunca me chamou de ‘moleque’, ele sempre me chamou de ‘filho’”, disse sobre um deles. O termo racista recebeu fortes críticas de outros candidatos da legenda.

James Clyburn, afro-americano e líder da maioria na Câmara dos Deputados, afirmou na sexta-feira 21: “Foi um erro não forçado. Esperamos que ele não cometa muitos. Mas, como em qualquer partida de tênis, um erro não forçado e até mesmo dois erros não forçados não o fariam necessariamente perder a partida. Biden falava apenas sobre sua capacidade de sair da zona de conforto e talvez fique um pouco confortável demais dizendo isso”.

Clyburn foi descrito como um “fazedor de reis” na Carolina do Sul, o primeiro estado sulino a votar. “Apenas a partir dos relatórios que recebo, os eleitores dizem que Biden tem se saído excepcionalmente bem”, afirma. “Ele tem um tremendo reservatório de boa vontade aqui no estado.” Biden precisará, no entanto, estar “no auge de seu jogo” nos debates, acrescentou.

“Os espectadores pensam sobre isso: quem poderia se manter firme num confronto com Trump?”

De fato, Biden será o principal alvo de seus colegas debatedores. “Ele é um homem de 76 anos que pegará bolas pela esquerda, direita e centro durante duas horas, sob as luzes quentes da televisão. Ele não passa por isso há 20 anos. Basta um momento de cansaço às 22h35, e acabou. Há uma grande possibilidade de que isso aconteça”, compara Henry Olsen, do Centro de Ética e Políticas Públicas em Washington.

Uma pesquisa recente da CBS News revelou que a capacidade de vencer Trump é a qualidade mais importante para os eleitores democratas (78%), antes das novas ideias políticas (40%) e da mudança de Washington (31%).

Durante os debates, Trump vai crescer. Olsen acrescenta: “O democrata ideal terá uma personalidade em que os ataques de Trump parecerão malucos, ou apenas vão resvalar. Biden não é assim. Amy Klobuchar seria esse tipo. Cory Booker poderia ser. A base democrata só pode levar você até certo ponto. Para vencer, você tem de se dar bem entre os republicanos suburbanos descontentes e ex-democratas de colarinho-azul. Idealmente, você não iria querer uma plataforma fortemente progressista, porque isso traria algo para Trump contra-atacar. Você quer algo como a campanha de mídia de 2018: os deputados democratas tiveram temas brandos e venceram. Mas não sei se a ala progressista está disposta a permitir que eles façam isso”.

Desde que John F. Kennedy ofuscou Richard Nixon, cujo terno branco saiu mal na televisão em preto e branco em 1960, os debates de campanha eleitoral também tiveram a ver com carisma e dominar a telinha – lugar em que Trump se sente em casa.

“Os espectadores pensam sobre isso: quem poderia se manter firme num confronto com Trump?”, pergunta Aaron Kall, diretor de debates na Universidade de Michigan. “Biden, dada a sua estatura, seriedade e experiência como vice-presidente, seria capaz de se manter, mas definitivamente não tem a qualidade estelar. Se há alguém com essa qualidade especial, eu diria que é Buttigieg.” Mas, avalia, “nenhum deles tem o poder estelar de Trump ou vai reunir 20 mil apoiadores em um comício”.

Foi o que o presidente fez em Orlando, na Flórida. Os democratas também vão lutar para se igualar ao puro frenesi de um comício de Trump, uma mistura hoje familiar de show de rock, esportes, pantomima política e, na opinião dos críticos, um banho de nostalgia rançosa.

Assim como o mote “Make America great again” é amplamente visto como uma referência à década de 1950 – um país de subúrbios idílicos para brancos e leis Jim Crow para afro-americanos –, a trilha sonora dos comícios de Trump é cheia de canções antigas com frases de efeito. No lançamento da campanha, havia Rolling Stones, Luciano Pavarotti (Nessun Dorma, ou Ninguém Vai Dormir), Frank Sinatra (My Way), o musical Cats (Memory) e Queen, cuja canção We Are the Champions contém a letra trumpiana: “Não é um tempo para perdedores”.

Igualmente apropriado, o comício foi realizado em um estádio esportivo e ofereceu uma mistura de diversão, ameaça e tribalismo: torcedores usavam as cores do time e realizavam a “onda mexicana”, torcendo por seu time e vaiando a oposição. Quando a multidão gritou “prenda-a!”, sobre Hillary Clinton, adversária de Trump em 2016, foi como a memória muscular dos torcedores de futebol.

Trump vendia nostalgia, não só por um país que nunca existiu, mas pelas pretensas glórias de 2016. Seu discurso de quase uma hora e meia reciclou os mesmos velhos temas, metáforas e falsidades populistas, desde o ataque a Clinton até propagar o medo da imigração, e ofereceu poucas propostas políticas.

Quando ficou no roteiro e elogiou suas realizações (crescimento econômico, baixo desemprego, juízes conservadores), pareceu um pouco sem graça, e a plateia percebeu, mas quando ele expressou queixas (“Nós passamos pela maior caça às bruxas da história política”) e passou a atacar a mídia (“Foi um monte de notícias falsas lá atrás”), ele se incendiou como um roqueiro idoso ao tocar seus maiores sucessos.

Os democratas são “uma turba de esquerda radical”, disse Trump. “Um voto em qualquer democrata em 2020 é um voto na ascensão do socialismo radical, e a destruição do sonho americano (…) Esta eleição não é meramente um veredicto sobre o incrível progresso que fizemos. É um veredicto sobre a conduta antiamericana daqueles que tentam minar nossa grande democracia e minar vocês.”

Para Bill Galston, ex-assessor do presidente Bill Clinton, “Trump não fica tão à vontade com boas notícias. Ele fica muito mais feliz ao atacar um inimigo claramente identificado com a ponta de sua lança. Esse é o seu modo-padrão. Ele se define contra os adversários e tira força de uma posição de opositor. O núcleo de seu apoio está lá porque ele compartilha suas antipatias. Ele é o único líder na vida deles que deu voz plena e descarada a essas antipatias”.

Não há dúvida de que Trump enfrenta uma luta difícil. Ele é o único presidente na história da pesquisa Gallup a nunca passar de 50% de aprovação. Ainda assim fez de tolos os analistas e pesquisadores na última vez, ao menos no colégio eleitoral. O comício na Flórida foi uma formidável demonstração de força de sua base. Trump arrecadou 24,8 milhões de dólares em menos de 24 horas, muito mais do que qualquer democrata.

Tom Tancredo, um ex-congressista republicano do Colorado, previu: “Acredito que ele vencerá, e com bastante facilidade. Parte da base democrata só pode ser satisfeita pelo rótulo mais radical. Eles são todos malucos esquerdistas, mas alguns são mais malucos que outros. Biden é, provavelmente, o menos maluco, mas, por causa disso, acho que ele quase não tem chance de vencer”.

O comício de Orlando deixou claro que Trump redobrará esforços para mobilizar apoio central e pouco se esforçará para afirmar que governa para todos. Os sinais indicam que 2020 será uma repetição de 2016, mas ainda mais desagradável, brutal e longo, menos “Mantenham os EUA grandes” do que “Olá, escuridão, minha velha amiga”, da canção The Sound of Silence, de Simon & Garfunkel.

Os democratas estão ansiosos para crescer e encontrar um candidato que, como Clinton ou Obama, provoque grande entusiasmo. Os debates oferecerão um vislumbre de futuros alternativos. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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