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Qual seria o impacto da adesão de Finlândia e Suécia à Otan?

Eventual entrada das duas nações dobraria a extensão da fronteira terrestre entre os países-membros da aliança e a Rússia. Especialistas avaliam quais seriam os efeitos no norte da Europa

A Otan em crise existencial (Foto: Mandel Ngan/AFP)
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A fronteira terrestre da Otan com a Rússia pode mais que dobrar se a Suécia e, especialmente, a Finlândia efetivamente aderirem à aliança de defesa mútua.

Atualmente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte compartilha uma fronteira terrestre de 1.215 quilômetros com a Rússia – formada pelos territórios de Estônia, Lituânia, Letônia, Noruega e Polônia. Se Finlândia se juntar à Otan, a fronteira direta com os russos aumentará para 2.600 quilômetros.

Em declaração conjunta nesta quinta-feira (12/05), o presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, e a primeira-ministra Sanna Marin disseram que a adesão do país fortaleceria toda a aliança de defesa. “A Finlândia deve solicitar a adesão à Otan sem demora. Esperamos que as medidas nacionais ainda necessárias para tomar essa decisão sejam tomadas rapidamente nos próximos dias.”

Enquanto isso, a Suécia, que tradicionalmente é mais relutante em aderir à aliança, deve anunciar quais são seus planos ainda nesta semana.

O que isso significa para a Otan?

Robert Dalsjo, analista da Agência Sueca de Pesquisa de Defesa, ligada ao governo sueco, disse à DW que a adesão dos dois países significaria que a Otan não precisaria mais ter dúvidas sobre como a Suécia e a Finlândia agiriam em uma crise.

“A Otan saberá com certeza qual é a posição da Suécia e da Finlândia, e isso aumentará a segurança e o poder de dissuasão na região do Mar Báltico. Também tornará a defesa dos países bálticos mais fácil para a aliança, porque não haverá mais dúvidas sobre se o espaço aéreo sueco pode ser usado, por exemplo, para enviar tropas ou suprimentos para nações bálticas”, diz Dalsjo. “Politicamente, também seria mais um motivo de prestígio.”

Harry Nedelcu, especialista em Otan e Diretor da Rasmussen Global, uma consultoria de política internacional, compartilha avaliação semelhante.

“A primeira mensagem dessas nações que se juntam à Otan é política e direcionada à Rússia. Em segundo lugar, para a Otan isso também é sobre as capacidades genuínas que a Finlândia e a Suécia estariam trazendo para a mesa. Enquanto outros países da Europa diminuíram suas forças militares depois da Guerra Fria, a Finlândia e a Suécia, por outro lado, vêm reforçando sua capacidade militar, o que pode ser um ganho para a aliança”, afirma.

O embaixador da Finlândia junto à Otan, Klaus Korhonen, disse à DW que, embora a Rússia continue sendo um importante vizinho da Finlândia, a confiança na relação foi abalada por causa da guerra de agressão lançada por Moscou contra a Ucrânia.

“A Rússia, de certa forma, mudou o jogo na Europa em relação ao futuro. Então, acho que certamente será uma das tarefas da política externa da Finlândia no futuro também construir com a Rússia, novamente, um relacionamento funcional, baseado em interesses mútuos. Mas resta ver como isso vai acontecer.”

O que motivou a mudança de postura?

Após a desintegração da União Soviética, em 1991, tanto a Finlândia como a Suécia aproximaram-se da União Europeia e se tornaram membros do bloco em 1995. No entanto, ambas as nações continuaram se mantendo militarmente neutras, evitando se juntar à Otan.

A Suécia não faz parte de uma aliança militar há mais de 200 anos e também manteve a neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial. A Finlândia, por outro lado, aderiu à neutralidade após ser derrotada pela União Soviética durante a Segunda Guerra.

Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia causou abalos nos dois países e desencadeou novas discussões sobre o futuro de suas políticas de segurança.

“Para os finlandeses, a política externa sempre foi sobre levar em conta que temos uma longa fronteira com a Rússia, uma combinação de realismo e idealismo”, disse à DW o ex-primeiro-ministro da Finlândia Alexander Stubb.

Mas ele destaca como a guerra na Rússia resultou em uma mudança de postura no país. “Algumas semanas antes do início da guerra, 50% dos finlandeses eram contra a adesão à Otan, e 20% eram a favor. Da noite para o dia isso mudou para 50% a favor e 20% contra.” Agora que a Finlândia anunciou sua intenção de aderir à aliança, Stubb avalia que esse apoio chegará a 80%.

Para a Suécia, a possibilidade de ingressar na aliança é também uma mudança de paradigma.

“A Otan nunca viu um potencial candidato menos entusiasmado do que a Suécia, que atualmente é liderada por um governo social-democrata. Eles [suecos] sabem que, se a Finlândia se candidatar, eles também terão que fazer o mesmo, porque, do contrário, a Suécia ficará sozinha fora da Otan e terá que gastar muito mais com defesa”, avalia Elisabeth Braw, do think tank American Enterprise Institute (AEI), em entrevista à DW.

O ex-premiê Stubb acrescenta que, diante da mudança de cenário, tanto a Finlândia quanto a Suécia são capazes de tomar decisões rápidas.

“A Finlândia fez isso ao longo de sua história. A Suécia não teve a necessidade de fazer isso. Mas agora, quando eles também enfrentam uma Rússia agressiva, revisionista, imperialista, totalitária e autoritária, eles estão concluindo que a adesão à Otan é o caminho a seguir”, diz.

Novos desafios para a Otan?

Os membros da Otan já deixaram claro que a Finlândia e a Suécia seriam “recebidas de braços abertos”. Já o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, acrescentou que o processo de adesão tende a “ser rápido”. A Alemanha também apoia decisões nesse sentido.

No entanto, Dalsjo, da Agência Sueca de Pesquisa de Defesa, disse à DW que o grande desafio para a Otan no momento não seria a absorção da candidatura da Suécia e da Finlândia, mas como lidar com o impacto da guerra na Ucrânia.

“A Otan se apegou a uma noção de que a humanidade havia virado a página [da Guerra Fria] e que a Rússia havia se tornado um parceiro estratégico. Por essa razão, a aliança não construiu uma força robusta no leste. Isso terá que mudar”, afirma.

Nedelcu, da Rasmussen Global, avalia que a adesão finlandesa e sueca fortaleceria a presença da Otan na região do Báltico. “A Finlândia e a Suécia já estão entre os parceiros mais fortes e integrados da Otan. A adesão à aliança resultará em uma presença naval mais forte da Otan no mar Báltico.”

Reação russa

Moscou, enquanto isso, vem advertindo contra a adesão das duas nações. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, enfatizou que a expansão da Otan para o leste não traria estabilidade à Europa.

No mês passado, o ex-presidente russo Dmitri Medvedev alertou que Moscou fortaleceria sua presença na região do Báltico se a Finlândia e a Suécia se juntassem à Otan.

No entanto, a especialista Elisabeth Braw diz que uma invasão russa da Finlândia ou da Suécia é altamente improvável.

“Ninguém argumentaria seriamente que a Rússia provavelmente invadirá a Suécia ou a Finlândia se eles se aderirem à Otan. A Rússia claramente não tem os recursos. Então agora não seria o momento para a Rússia retaliar militarmente contra a Suécia e/ou a Finlândia”, afirma.

“O que a Rússia está fazendo no momento é realizar ataques cibernéticos contra a Finlândia e lançar campanhas publicitárias bobas contra a Suécia, alegando que várias personalidades suecas eram nazistas. Se isso é o melhor que eles conseguem fazer, acho então que este é um bom momento para se juntar à Otan.”

Já Nedelcu avalia ser provável que a Rússia tome atitudes agressivas contra os dois países durante o período intermediário do processo de ratificação para a adesão à aliança. Dessa forma, países aliados da Suécia e da Finlândia poderiam deslocar algumas forças militares para o Mar Báltico como forma de enviar uma mensagem política ao Kremlin.

Na quarta-feira, o Reino Unido assinou um acordo para apoiar a Suécia caso a nação escandinava seja atacada. Espera-se que outros países ocidentais sigam o exemplo com acordos semelhantes com Estocolmo e a Finlândia.

Braw reitera que, independentemente do apoio que um país possa receber do Reino Unido e dos Estados Unidos, tornar-se membro da Otan representaria uma posição formidável contra eventuais ameaças russas.

“Quando esta guerra acabar, a Rússia lamberá suas feridas e avaliará: ‘Bem, tivemos nosso momento Vietnã. Fomos muito mal e nos colocamos numa situação embaraçosa. Este é o momento de reformar nossas forças armadas.’ E eles devem fazer isso. Talvez não o façam tão radicalmente como os Estados Unidos após a Guerra do Vietnã, mas eles vão emergir muito melhores do que estão agora”, avalia Braw.

“A partir desse ponto, a Suécia, a Finlândia e outros países da região realmente teriam que se preocupar com uma possível agressão russa. Este então seria um bom momento para ser membro da Otan.”

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