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Qual é o futuro da Ucrânia?

Para ter estabilidade a longo prazo o país precisa de um acordo de união nacional, ou deve começar a cogitar uma divisão política. Por José Antonio Lima

Manifestante pega fogo ao se esconder em uma barricada incendiada durante confronto com a polícia, em Kiev, capital da Ucrânia, nesta quinta-feira 20. A violência da repressão mina ainda mais a legitimidade do presidente ucraniano
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A legitimidade do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, foi novamente minada nesta quinta-feira 20. O caos se ampliou em Kiev, a capital do país, devido aos confrontos entre forças de segurança e manifestantes que, há três meses, protestam contra o desejo do governo de aproximar a Ucrânia da Rússia. Segundo números oficiais, 39 pessoas morreram nesta quinta, muitas assassinadas por atiradores de elite, levando o total de vítimas fatais para 67 nos últimos três dias. Yanukovych decidiu fazer um jogo duplo. Ao mesmo tempo em que indica a possibilidade de convocar o Exército e ampliar a repressão, reabre negociações com a oposição. Dificilmente a estratégia terá sucesso. No curto prazo, a Ucrânia deve precisar de um governo de transição, sem Yanukovych, para evitar uma guerra civil. No médio e longo prazos, o país precisa considerar soluções mais difíceis para obter estabilidade.

Os problemas atuais do povo ucraniano têm raízes históricas antigas. A Ucrânia é fruto da reorganização geopolítica realizada ao fim da Primeira Guerra Mundial. Encerrado aquele conflito, um pedaço do Império Austro-Húngaro foi unido a um território do Império Russo e o resultado foi um Estado fraco na fronteira entre a Europa e a Rússia. Os habitantes das duas áreas eram bastante diferentes e até hoje o contraste é claro. No sul e no leste da Ucrânia, redutos eleitorais de Yanukovych, predominam a língua e a etnia russas, enquanto no norte e no oeste, onde a oposição tem mais votos, a língua e a etnia são ucranianas.

Ao longo do século XX, essas diferenças foram suprimidas pela formação da União Soviética e a brutal e sanguinária repressão imposta por Moscou. Em diversas oportunidades, o lado “ucraniano” da Ucrânia se insurgiu contra a influência russa, sempre em batalhas ferozes, mas nunca vitoriosas. O fim da União Soviética, e a consequente independência da Ucrânia, trouxeram os contrastes internos de volta à tona. Um fator externo, entretanto, serviria para transformar a dualidade de identidades da Ucrânia em um barril de pólvora.

Para os Estados Unidos e a União Europeia, o fim da União Soviética foi uma oportunidade de encurralar a Rússia. Este processo se deu por meio de duas entidades internacionais, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a própria UE. Em 1999, Hungria, Polônia e República Tcheca, todos ex-membros do Pacto de Varsóvia, entraram na Otan. Em 2004, foi a vez de Bulgária, Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia. Da mesma forma, países da Europa Oriental “migraram” para a União Europeia na última década. Em 2004, foi a vez de Estônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia e Polônia. Em 2007, a de Bulgária e Romênia.

O resultado desse processo foi a chegada das fronteiras militares e econômicas do “Ocidente” às portas de Moscou, uma ameaça estratégica intolerável para a Rússia. Da antiga área de influência soviética só restam Bielorrússia, uma ditadura sustentada pela Rússia, e a Ucrânia, dividida entre a Europa e Moscou.

Para o Ocidente, tirar a Kiev da esfera de influência da Rússia de Vladimir Putin seria um trunfo e tanto. Ocorre que a cartada máxima nesse jogo, a integração completa à União Europeia, não pode ser usada agora. A Ucrânia é um país pobre, de 45 milhões de pessoas, que não poderiam ser absorvidas imediatamente por França, Alemanha e outros países sem causar instabilidade. Assim, a UE tenta atrair a Ucrânia de outras formas, como acordos comerciais. Em novembro, um deles quase foi assinado, mas a recusa de Viktor Yanukovych de confirmar a negociação, sob pressão da Rússia, fez explodir os atuais protestos contra ele.

Para a Rússia, a Ucrânia é um trunfo muito mais importante do que para a União Europeia. Pelas terras ucranianas Moscou envia seu gás natural para a Europa e tem acesso às águas quentes do Mar Negro. Também é no Mar Negro, no território ucraniano da Crimeia, que está uma das mais importantes frotas navais de Moscou. A saída da Ucrânia da esfera de influência russa, assim, é encarada quase que como uma questão existencial por Moscou.

O que não se sabe ainda é até onde está disposto a ir o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para garantir influência sobre a Ucrânia. Yanukovych pode transformar o país em uma ditadura ao aumentar ainda mais repressão, ou levar a Ucrânia a uma guerra civil. Ambos cenários são de instabilidade, e aparentemente não desejáveis pela Rússia. Como Estados Unidos e União Europeia também não têm interesse em um cenário caótico, a formação de algum tipo de governo de transição pode ser a solução a curto prazo.

Ocorre que a realização de novas eleições, hoje programadas para 2015, vai simplesmente reabrir as feridas mais para frente caso a Ucrânia continue se dividindo e sendo disputada entre a Rússia e o Ocidente. Diante disso, o país precisa de uma solução de longo prazo, e ela não será nada fácil. Uma possibilidade é um acordo nacional, com concessões de lado a lado, que permita ao país conviver com as potências internacionais sem se conflagrar a cada crise. Caso isso não seja possível, talvez a Ucrânia deva pensar em uma solução mais insólita e radical: se dividir em dois países para que cada um possa seguir seu rumo em paz.

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