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Kremlin avalia como ‘positivo’ encontro com emissário dos EUA, mas não há avanço para cessar-fogo
Steve Witkoff chegou ao país poucos dias antes do fim do ultimato estabelecido pelo presidente dos EUA ao russo


Dois dias antes do fim do ultimato dado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para a Rússia acabar com o conflito na Ucrânia, o Kremlin afirmou ter tido um encontro “útil e construtivo” com o enviado americano Steve Witkoff. O emissário dos EUA se reuniu durante três horas, nesta quarta-feira 6, com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou.
“Houve uma conversa muito útil e construtiva” sobre a Ucrânia e as relações russo-americanas, disse a repórteres o conselheiro diplomático de Putin, Yuri Ushakov, acrescentando que Moscou havia “enviado sinais concretos” em relação ao conflito ucraniano.
Nenhuma informação foi divulgada sobre o conteúdo das discussões, segundo agências de notícias russas. Em sua chegada a Moscou, Witkoff foi recebido pelo chefe do fundo soberano da Rússia e conselheiro de Vladimir Putin, Kyrill Dmitriev. Nas redes sociais, ele escreveu que “o diálogo prevalecerá”.
Donald Trump tem expressado sua crescente frustração com o presidente russo pela falta de progresso em direção a um acordo de paz na Ucrânia. O republicano ameaçou impor tarifas pesadas aos países que compram energia russa, em especial sobre a Índia, principal compradora de petróleo russo, juntamente com a China. O Kremlin denunciou veementemente essa forma de pressão.
Três fontes próximas ao Kremlin disseram à Reuters que Vladimir Putin não demonstrou intenção de cumprir o ultimato de Donald Trump. O líder russo acredita estar vencendo a guerra e não tem intenção de reduzir seus objetivos militares na Ucrânia, que considera mais importantes do que seu desejo de melhorar as relações entre Moscou e Washington.
De acordo com a Bloomberg e o veículo de mídia independente russo The Bell, o Kremlin poderia propor, no entanto, uma moratória aos ataques aéreos da Rússia e da Ucrânia, uma ideia já levantada, na semana passada, pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, durante uma reunião com Vladimir Putin. Essa medida ficaria muito aquém do cessar-fogo imediato e completo que a Ucrânia e os Estados Unidos exigem há meses. Contudo, poderia oferecer a Donald Trump uma saída e um alívio para ambas as partes em conflito.
Ataques continuam
A Ucrânia continua a atacar refinarias e depósitos de petróleo russos, causando danos significativos.
Por sua vez, a Rússia realizou seus maiores ataques aéreos contra cidades ucranianas desde a retomada das negociações de paz diretas em maio, matando pelo menos 72 pessoas na capital, Kiev. Na semana passada, Donald Trump chamou os ataques russos de “repugnantes”.
Apesar da pressão de Washington, a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia avança. Putin tem rejeitado sistematicamente os apelos por um cessar-fogo. Ele afirma, no entanto, que deseja uma “paz duradoura e estável”, destacando, entretanto, que suas condições para a trégua não mudaram. As exigências de Moscou incluem a saída das tropas ucranianas das áreas ocupadas pelos russos e que Kiev desista do processo de adesão à Otan.
Nesta quarta-feira, Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, pediu novamente um cessar-fogo completo. “A guerra deve acabar e, por enquanto, depende da Rússia”, escreveu ele no Telegram.
“A Rússia repetirá que está pronta para um cessar-fogo, mas somente sob as condições que estabeleceu”, analisa Gerhard Mangott, professor austríaco de Ciência Política que faz parte de um grupo de acadêmicos e jornalistas ocidentais que se reúne regularmente com Vladimir Putin, há anos.
Considerando que um acordo é improvável, ele acredita que “Trump ficará sob pressão para fazer o que anunciou: aumentar as tarifas sobre todos os países que compram petróleo e gás, e provavelmente também urânio, da Rússia.”
Fontes russas disseram à Reuters que Vladimir Putin duvidava que novas sanções americanas tivessem muito impacto na economia russa, após as sucessivas ondas de sanções adotadas pelos países ocidentais durante os três anos e meio de guerra.
O Kremlin prefere conversar com Steve Witkoff, um magnata do mercado imobiliário sem experiência diplomática e que, certas vezes, se alinhou às posições russas em relação à Ucrânia, especialmente quanto à anexação de territórios ocupados. Uma interação que o Kremlin considera mais fácil do que com o ex-general Keith Kellogg, o enviado original de Donald Trump para esse conflito.
Os críticos de Steve Witkoff, que também está encarregado de negociar um cessar-fogo na Faixa de Gaza e um acordo sobre o programa nuclear iraniano, acreditam que o bilionário, amigo de longa data de Donald Trump, está completamente desorientado quando se trata de negociar pessoalmente com Vladimir Putin.
Durante a sua última visita à Rússia, em abril, Witkoff viajou a São Petesburgo sem sequer contar com a ajuda de um tradutor e pareceu completamente sozinho diante do líder do Kremlin e de seus experientes conselheiros Kyrill Dmitriev e Yuri Ushakov. A reunião não produziu resultados tangíveis e o mundo ainda espera avanços possíveis dessa segunda visita.
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