Pavlo Sadhoka acredita ou ao menos deseja do fundo do coração acreditar nas boas notícias da terça-feira 15. Sem olhar uma única vez para a tela de tevê que suga a atenção dos funcionários e frequentadores do café – àquela altura o Manchester City encaminhava a goleada de 5 a 0 no Sporting –, ele interrompe a observação de que Vladimir Putin é inconfiável, sorve a xícara lentamente e prossegue: “Foi um alívio. Acho que o fato de todos, a Europa, os Estados Unidos, a Otan, terem se unido contra a Rússia deu resultado”. Presidente da associação de migrantes ucranianos em Portugal, pequena comunidade de 50 mil compatriotas de um total de quase 2 milhões espalhados pelo resto do continente, Sadhoka atravessou o dia na expectativa de uma invasão iminente da sua terra natal. Pensava nas dezenas de pedidos de socorro de anônimos enviados diariamente à associação, mas também nos pais, que ainda vivem na Ucrânia. “Tracei um plano de fuga. Minha ideia era buscá-los na fronteira com a Polônia. A família da minha mulher, portuguesa, se ofereceu para abrigá-los.” E agora? “Vamos esperar mais um pouco.”
A mudança de humor deve-se ao anúncio da retirada de parte das tropas russas da fronteira com a Ucrânia, embora o Kremlin não tenha especificado e o Ocidente não tenha sido capaz de estimar a relevância do movimento. O recuo, recebido com “otimismo cauteloso” pelo secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, manteve, no entanto, a esperança de uma solução diplomática para o impasse. Nem os ataques hackers a bancos ucranianos na mesma terça tiveram o poder de azedar o clima de boa vontade que imperava nos salões da diplomacia internacional. O anticlímax, neste caso, agradou à audiência. Isso não significa que o drama tenha terminado. Nas últimas três semanas, as forças armadas de Putin empreenderam uma marcha impressionante pelas estepes e tundras. Soldados, tanques, blindados e aviões cruzaram milhares de quilômetros, alguns deslocados da extremidade leste do país, até as fronteiras ucranianas. Segundo os especialistas, entre 100 mil e 130 mil militares do antigo “Exército Vermelho”, equivalente a 60% das forças terrestres, estacionaram nas portas do país vizinho, cuja relação de amor e ódio com Moscou atravessa os séculos e se intensificou a partir de 2014. Quantos voltaram ou voltarão para casa nos próximos dias? Só Moscou pode dizer.
Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.
Já é assinante? Faça login