Mundo

Protestos não dão trégua em crise que já soma 45 mortes no Peru

As manifestações seguem desde a destituição e detenção do presidente de esquerda e de origem indígena Pedro Castillo

Protestos não dão trégua em crise que já soma 45 mortes no Peru
Protestos não dão trégua em crise que já soma 45 mortes no Peru
Foto: Diego Ramos / AFP
Apoie Siga-nos no

Novos enfrentamentos em regiões do Norte e do Sul do Peru foram registrados na sexta-feira 20, em meio a novas manifestações em Lima contra a presidente Dina Boluarte, que não dão trégua apesar das 45 mortes ocorridas desde o início da onda de protestos em dezembro.

Os choques se concentraram nas regiões de La Libertad (Norte), Arequipa e Puno (Sul), com bloqueios de estradas e batalhas campais entre os manifestantes, que atiravam pedras com estilingues, e a polícia, que respondia com gás lacrimogênio.

Na região de Puno, uma multidão queimou a delegacia do distrito de Zepita e incendiou um posto alfandegário em Desguadero, na fronteira com a Bolívia, informou a televisão local.

Em Arequipa, a segunda maior cidade do país, dezenas de moradores tentaram, pelo segundo dia consecutivo, invadir a pista de pouso do aeroporto, que está fechado e protegido pelas forças de segurança desde quinta-feira.

Já na capital do país, Lima, milhares de manifestantes desfilaram à tarde, entoando palavras de ordem em alto e bom som: “Dina assassina!” e “Esta democracia não é uma democracia! Dina o povo lhe repudia!”.

Com uma bandeira Yunguyo — povo das margens do lago Titicaca na fronteira com a Bolívia — nas costas e usando um chapéu de palha branco, Olga Mamani, de 50 anos, afirmava: “Queremos a renúncia de Dina. Se ela não renunciar, o povo não ficará em paz”.

“A folha de coca nos dá força para esta luta que começamos, queremos que Dina renuncie e que se feche o Congresso […] vamos ficar aqui até as últimas consequências”, disse Antonio Huamán, um camponês de 45 anos que partiu de Andahuaylas, epicentro das manifestações em dezembro.

Na quinta-feira 19, o governo declarou o estado de emergência em sete das 25 regiões do país — incluindo a capital e áreas do Norte e do Sul do país — até meados de fevereiro. Com isso, habilitou-se a intervenção militar junto à polícia para controlar a ordem pública.

Os distúrbios já somam 45 mortes — 44 civis e um policial — desde 7 de dezembro, após a destituição e detenção do presidente de esquerda e de origem indígena Pedro Castillo. Ele foi acusado de tentar um golpe de Estado, ao querer dissolver o Congresso, controlado pela direita, que estava a ponto de destituí-lo do poder por suspeita de corrupção.

Castillo foi substituído por Boluarte, sua vice-presidente, mas ela é vista como “traidora” pelos manifestantes.

Turistas ilhados em Machu Picchu

Em Cusco, o serviço de trens para a cidadela inca de Machu Picchu, a principal atração turística do país, continuou interrompido na sexta-feira 21 por causa dos protestos, enquanto o aeroporto de Cusco retomou suas operações.

Segundo o governo, a suspensão dos trens para Machu Picchu deixou pelo menos 417 turistas, entre estrangeiros e locais, ilhados em Aguas Calientes. Essa localidade fica no sopé da montanha, onde foi erguida a famosa cidadela inca.

“Não podem sair, porque a via férrea foi danificada em diferentes trechos. Alguns turistas optaram por ir andando até Piscacucho (localidade próxima de Ollantaytambo), mas é uma caminhada de seis horas, ou mais, e muito poucas pessoas conseguem fazê-la”, declarou o ministro do Comércio Exterior, Luis Fernando Helguero, à imprensa.

“Não temos certeza de que um trem virá nos buscar. Como podem ver, todos os turistas aqui estão fazendo fila, recolhendo assinaturas e se registrando” para que possam ser evacuados, disse à AFP o chileno Alem López.


‘A luta continua’

Os organizadores garantem que as mobilizações não vão acabar até que haja a renúncia da presidenta Boluarte.

“A luta vai continuar em todas as regiões até conseguirmos a renúncia de Boluarte e os outros pontos da agenda, como a realização de eleições este ano e o referendo para a [Assembleia] Constituinte”, declarou à AFP o secretário-geral da Confederação Geral de Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo López.

Na noite de ontem, Boluarte voltou a pedir calma, em uma mensagem transmitida pela televisão estatal.

“Às irmãs e aos irmãos que, sim, querem trabalhar em paz; que, sim, querem levar renda para seus lares para sustentar suas famílias, lhes digo, e também aos que estão provocando estes atos de protesto; aos que se deslocaram das províncias para a capital, não vou me cansar de chamá-los para o bom diálogo”, disse.

Mas suas palavras chegam a ouvidos surdos.

“Este governo não nos representa. É ilegítimo para o povo aimara, por isso viemos aqui, para fazer nossa voz de protesto ser ouvida”, disse à AFP Ricardo Mamani, de 47 anos, que participou das marchas em Lima.

“Viajamos por 42 horas desde a região de Puno. Estamos exigindo, de uma vez por todas, que esta senhora [Dina Boluarte] saia do caminho para que o povo esteja em paz”, acrescentou.

Vestido de preto em sinal de luto pelos mortos nas manifestações, Mamani pediu às organizações internacionais de direitos humanos que intervenham.

“Não sentimos a presença do direito internacional. Não há quem nos defenda”, clamou, indignado.

A crise também reflete a imensa lacuna que existe entre a capital e as províncias pobres que apoiam Castillo, cujos habitantes viam sua eleição como uma forma de revanche contra o poder de Lima.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo