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Portugal aprova lei que endurece regras para imigrantes
Segunda versão de projeto votado no Parlamento restringe possibilidade de brasileiros entrarem como turistas e depois tentarem regularizar estadia, além de criar novas regras para reunião familiar


O parlamento de Portugal aprovou nesta terça-feira 30 nova versão de um projeto anti-imigração que modifica a Lei de Estrangeiros e que pretende, entre outras medidas, limitar a reunião familiar de imigrantes e fechar brechas para regularização de estadia.
O projeto aprovado é uma segunda versão do texto, após uma primeira, aprovada em julho, ter sido barrada pelo Tribunal Constitucional. No início de agosto, o tribunal considerou inconstitucionais alguns pontos das novas regras de reunião familiar, e declarou que alguns requisitos eram “vagos”.
A nova versão permaneceu inalterada em diversos pontos, mas sofreu modificações para incluir a possibilidade de mais flexibilização no casos de reunião familiar. O projeto foi aprovado pela base do governo de Portugal, liderado pelo conservador Luís Montenegro, com votos da legenda de ultradireita Chega. Foram 160 votos a favor e 70 contra.
Inicialmente, o Chega queria negar aos imigrantes acesso à seguridade social por um prazo de cinco anos, mas o governo Montenegro recusou incluir a proposta na lei, temendo que o texto fosse novamente barrado pelo Judiciário.
Assim como já havia ocorrido com a versão anterior, o novo projeto deve afetar diretamente brasileiros beneficiados por programas anteriores que flexibilizavam a estadia prolongada no país. Isso porque o texto modifica os requisitos de residência para os cidadãos de países de língua portuguesa e as regras para solicitar um visto de trabalho.
O texto, com os novos ajustes, deve agora voltar para análise do presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, que pode sancioná-lo ou vetá-lo. Foi Souza que enviou a versão original para o Tribunal Constitucional após surgirem dúvidas sobre a legalidade de várias medidas.
Turistas brasileiros não poderão mais se regularizar
A principal mudança é o fim definitivo da possibilidade de entrar no país legalmente de forma temporária, como turista, para só depois pleitear uma autorização de residência.PortuPortugal
Essa alternativa já havia sido restringida em 2024, mas ainda contava com salvaguardas em casos específicos para cidadãos do Brasil e do Timor-Leste.
O modelo permitia uma permanência estendida no país, já que o solicitante poderia ficar em Portugal legalmente enquanto aguardava a análise de seu caso.
Essa mudança, aprovada em julho, não havia sido objeto de contestação pelo Tribunal Constitucional.
Reunião familiar limitada, mas com exceções
No contexto de Portugal, a reunião familiar é o direito que um imigrante com residência legal tem de trazer familiares para viverem com ele no país.
Pela nova lei, imigrantes que já estão no país só poderão solicitar um visto para seus familiares após dois anos de residência legal. Até o novo projeto, não existia tempo mínimo.
O novo texto, porém, prevê mais flexibilização nas exceções de certos grupos, como forma de atender exigências do Tribunal Constitucional.
Enquanto a proposta inicial contemplava a isenção do tempo mínimo para migrantes com filhos menores ou parentes altamente qualificados, agora, essa possibilidade foi incorporada para aqueles com familiares com deficiência ou dependentes.
Outra modificação é que, no caso de casais com um filho em comum, também será possível solicitar a reunificação imediata com o cônjuge que está fora de Portugal.
Para os casais sem filhos, há uma via intermediária, que é a redução do prazo para um ano, desde que seja um casamento ou uma união efetiva de acordo com a lei portuguesa, o que excluiria casamentos de menores, casamentos poligâmicos ou forçados.
Apesar dessas exceções, em todos os casos de reagrupamento familiar é necessário que o requerente com uma autorização de residência em Portugal cumpra uma série de medidas de integração.
Nesse ponto, o governo também introduziu mudanças, pois o Tribunal Constitucional havia apontado que essas medidas eram “vagas”. O texto agora inclui que esses requisitos são “formação na língua portuguesa, bem como na cultura e nos valores constitucionais portugueses”.
Se essas condições não forem atendidas, elas podem levar à não renovação da autorização de residência do imigrante que solicita a reunificação.
Seguindo as sugestões do Tribunal Constitucional, o novo projeto também incluiu outras exceções no reagrupamento familiar, como o caso de razões humanitárias ou a prova de laços e vínculos familiares efetivos com Portugal, embora a decisão final dependa do Judiciário.
Vistos para lusófonos
O texto também endurece o regime de vistos para falantes de língua portuguesa, ao determinar que a solicitação precisa ser feita previamente, no país de origem. Segundo o artigo 75 da lei aprovada, cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) só poderão pedir residência em Portugal se entrarem no país com algum visto consular, seja de trabalho, seja de estudante ou de aposentado.
Vistos para procura de trabalho também só serão disponibilizados a imigrantes “altamente qualificados”. Aqueles que não conseguirem emprego no prazo previsto terão de retornar aos países de origem. E, o retorno a Portugal, com visto, só poderá ocorrer novamente depois do prazo de um ano.
Demais profissionais poderão obter visto de trabalho apenas se já tiverem contrato antes de entrar no país.
Projeto anti-imigração ampliado
O movimento faz parte de uma ofensiva anti-imigração em Portugal, que ecoa outros países europeus na tentativa de dificultar a naturalização de estrangeiros.
A imigração se tornou um dos principais temas políticos em Portugal e alavancou o partido de ultradireita Chega, segundo mais votado na recente eleição legislativa.
Em junho, o país já havia começado a notificar milhares de estrangeiros que tiveram suas manifestações de interesse negadas, incluindo brasileiros que não se enquadravam nos critérios para o benefício.
Mudanças na lei de cidadania portuguesa
Ainda está pendente de votação no Parlamento uma proposta de alteração da Lei da Nacionalidade, também apresentada pelo governo de Montenegro. Inicialmente, a previsão era que o projeto fosse votado ainda em setembro, mas o tema tem sido alvo de discussões acaloradas e deve ficar para outubro.
O projeto prevê o fim do direito automático à cidadania por nascimento para filhos de imigrantes. Hoje, a nacionalidade portuguesa é concedida automaticamente a essas crianças, mas, com a mudança, só poderá ser solicitada se o estrangeiro comprovar pelo menos três anos de residência legal antes do nascimento do filho.
Outra mudança relevante pode ser o aumento do período de residência mínima exigido para solicitar a nacionalidade portuguesa, que passará de cinco para dez anos. Para cidadãos de países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), como os brasileiros, esse prazo será reduzido para sete anos.
Além disso, o projeto prevê que imigrantes naturalizados poderão perder a cidadania caso sejam condenados por crimes graves.
Segundo o governo, há cerca de 1,5 milhão de imigrantes vivendo em Portugal, equivalente a 15% da população. Esse número é quatro vezes maior do que o de 2017. Os brasileiros formam a maior comunidade de estrangeiros no país – eram mais de 500 mil em 2023, segundo um relatório do Itamaraty, e a segunda maior no exterior, perdendo apenas para os Estados Unidos.
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