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Ativistas pedem punição aos Emirados Árabes Unidos, novo abrigo da fortuna dos oligarcas russos

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Os iates rumam a Dubai, onde ninguém faz perguntas inconvenientes - Imagem: Michael Gaylard
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Ativistas e políticos aumentaram a pressão para que os Emirados Árabes Unidos sejam incluídos na lista negra por suas falhas no combate ao fluxo de “dinheiro sujo” e no cumprimento das sanções impostas aos oligarcas russos. O Estado do Golfo tornou-se um refúgio importante para os super-ricos da Rússia que fogem do impacto das sanções globais, com jatos particulares e iates imensos ligados a bilionários que se dirigiram aos país após a invasão da Ucrânia.

Bill Browder, financista e crítico do regime de Vladimir Putin, disse: “Dubai tem sido um lugar seguro para o ‘dinheiro sujo’. Agora deve ser colocado em listas negras financeiras e seus líderes não devem ser bem-vindos aqui”. Sanções secundárias, defende Browder, devem ser impostas aos Emirados Árabes Unidos, a menos que prestem assistência aos países que buscam os bens dos oligarcas. Segundo informações recentes, há mais de três meses, um dos jatos particulares mais caros do mundo, pertencente ao ex-proprietário do clube de futebol Chelsea, Roman Abramovich, está estacionado em ­Dubai. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos citou o último voo registrado­ do Boeing 787 Dreamliner de 350 milhões de dólares – de Moscou a Dubai em 4 de março – em documentos legais nos quais solicita a sua apreensão. Os agentes também foram autorizados por um juiz a apreender uma segunda aeronave pertencente a Abramovich, um Gulfstream G650ER, em Moscou, apesar de não haver perspectiva de apreensão imediata.

Investigadores do FBI descobriram, como muitos outros que perseguem os bens de oligarcas, que a trilha frequentemente leva aos Emirados Árabes Unidos. Também houve um aumento da compra de propriedades na região pelos russos. Os EAU foram colocados em uma “lista cinza” pelo órgão de fiscalização global da Força-Tarefa de Ação Financeira (Gafi), em março, por causa de deficiências em suas medidas de combate à lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros, e agora há pedidos para que o país seja incluído em listas internacionais semelhantes.

Funcionários nos Emirados Árabes Unidos não consideram que sejam obrigados a implementar sanções elaboradas por outros países, mas insistem que trabalham para remediar as preocupações destacadas pelo Gafi. O país também assinou uma série de pactos de assistência jurídica mútua e extradição com outros Estados, os EUA incluídos, em 24 de fevereiro, mesmo dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia. O destino do jato particular de Abramovich pode agora ser um teste de seu compromisso com a cooperação internacional. Em 25 de fevereiro, os Emirados Árabes Unidos se abstiveram de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que condena a invasão da Ucrânia.

Dubai virou o paraíso para os bilionários submetidos a sanções dos EUA e da Europa

Karen Greenaway, advogada e ex-agente do FBI especializada em fluxos de dinheiro ilícitos, disse que as autoridades norte-americanas quase certamente procurarão a assistência das autoridades dos Emirados Árabes Unidos sobre o jato ligado a Abramovich. “As autoridades dos Emirados dizem que estão limpando seu ato de transparência financeira, mas agora têm sido obrigados a andar na linha entre a Rússia e os EUA, o Reino Unido e a União Europeia.”

Os Emirados Árabes Unidos são um destino popular para turistas russos e também têm cerca de 100 mil residentes de língua russa. Um relatório da ­Betterhomes, agência imobiliária de ­Dubai, descobriu que as compras de imóveis no emirado aumentaram 67% nos primeiros três meses de 2022. Um superiate que sumiu nos sistemas de rastreamento oceânico – o futurista Motor Yacht A de 240 milhões de libras (1,4 bilhão de reais), patrimônio do bilionário Andrey Melnichenko – foi visto no porto do emirado ao norte de Ras al-Khaimah, de acordo com o Financial Times. Melnichenko foi submetido a sanções pela União Europeia em março, e as autoridades italianas apreenderam seu iate a vela de 143 metros no mesmo mês. O iate a motor escapou até agora da aplicação de sanções.

O superiate Madame Gu está ligado a Andrey Skoch, bilionário e integrante do Parlamento russo que está sujeito a sanções dos EUA, Grã-Bretanha e UE. A embarcação também está sob sanções norte-americanas, mas sua localização é desconhecida. Ela foi vista pela última vez em Dubai, em 6 de março. O papel dos emirados como santuário para a elite russa desde a invasão da Ucrânia colocou mais uma vez em evidência suas medidas de combate à lavagem de dinheiro ilícito. Uma investigação publicada no mês passado sobre um vazamento de dados de propriedades em Dubai revelou vários donos acusados ou condenados por crimes ou sob sanções internacionais, entre eles empresários próximos ao Kremlin. Integrantes do Parlamento Europeu pediram à Mairead McGuinness, comissária de serviços financeiros, que os Emirados Árabes Unidos sejam incluídos em sua lista de países terceiros que representam ameaças significativas ao sistema financeiro. Kira Marie ­Peter-Hansen, eurodeputada dinamarquesa, disse que a última investigação revelou como os emirados são um porto seguro para os lucros do crime, funcionários corruptos e oligarcas russos. “Queremos que os Emirados Árabes Unidos sejam colocados em uma lista negra, especialmente à luz do grande ­número de oligarcas russos que usam o país para evitar sanções”, afirmou.

Autoridades dos EAU não responderam aos pedidos de entrevista. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1213 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Porto seguro”

 

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