Por que o trabalho de jornalistas em Gaza virou alvo de ataque de mídia pró-Israel

Questionamentos sobre a 'rapidez' com que profissionais chegaram à fronteira em 7 de outubro ganham tração na internet

Registro da Faixa de Gaza, em meio aos bombardeios israelenses, em 10 de novembro de 2023. Foto: Jack Guez/AFP

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Enquanto os bombardeios sobre a Faixa de Gaza deixam mais de 11 mil mortes, em decorrência de um ataque sem precedentes do Hamas ao território de Israel que matou cerca de 1,4 mil pessoas, o governo israelense e alguns veículos norte-americanos aliados de Tel Aviv tentam desviar a atenção para os jornalistas que, desde 7 de outubro, cobrem in loco a nova etapa do histórico conflito.

A abordagem ganhou tração na última quarta-feira 8, quando um site chamado Honest Reporting, sediado em Nova York, publicou uma matéria a questionar duas conceituadas agências internacionais de notícias, a Associated Press e a Reuters. O título, em tradução livre, era Fronteiras rompidas: imagens da AP e da Reuters sobre atrocidades do Hamas levantam questionamentos éticos.

Em linhas gerais, o veículo contesta a rapidez com que fotojornalistas prestadores de serviços para essas agências e para grandes veículos chegaram à fronteira entre Gaza e Israel em 7 de outubro.

“O que eles estavam fazendo lá tão cedo, no que normalmente teria sido uma tranquila manhã de sábado? Isso foi coordenado com o Hamas?”, questiona o HR. “Será que os serviços de notícias respeitáveis, que publicaram as suas fotos, aprovaram a sua presença dentro do território inimigo, junto com os terroristas infiltrados?”

Apenas no trecho final da reportagem há uma menção ao fato de que o gabinete do primeiro-ministro de Israel, o extremista de direita Benjamin Netanyahu, questionou o “fenômeno” dos jornalistas que cobriram o ataque do Hamas, rotulando-os como “cúmplices de crimes contra a humanidade”.

Conforme já mostrou CartaCapital, o governo de Israel não hesitou em usar as redes sociais para atacar veículos que questionaram a versão “oficial” sobre a explosão em um hospital de Gaza que deixou centenas de mortos, em outubro.


Cabe um alerta: o Honest Reporting, responsável por levar essas alegações a um novo nível, diz ter como missão “analisar histórias, artigos e imagens que aparecem na cobertura da mídia sobre Israel, expondo e respondendo a imprecisões ou preconceitos”.

O site mencionou diretamente quatro fotojornalistas prestadores de serviço para a AP e para conhecidos veículos globais. Sobre um deles, chegou a publicar uma foto em que ele apareceria ao lado de uma liderança do Hamas. No caso da Reuters, há dois profissionais citados nominalmente.

Reações

Após a publicação da matéria, uma porta-voz da Associated Press, citada pelo site Daily Wire, negou qualquer conhecimento prévio sobre o ataque. “O papel da AP é recolher informações sobre notícias em todo o mundo, onde quer que aconteçam, mesmo quando esses eventos são horríveis e geram vítimas em massa. A AP usa imagens tiradas por freelancers de todo o mundo, inclusive em Gaza”, diz o comunicado.

Curiosamente, o Honest Reporting argumentou, após as respostas das agências, não tê-las acusado de saber previamente do ataque, embora a sugestão permeie todo o texto.

A Reuters também emitiu um comunicado a “negar categoricamente ter conhecimento prévio sobre o ataque”.

Reuters adquiriu fotografias de dois fotógrafos freelancers baseados em Gaza que estavam na fronteira na manhã de 7 de outubro, com os quais não tinha relação prévia. As fotografias publicadas pela Reuters foram tiradas duas horas após o Hamas disparar foguetes para o sul de Israel e mais de 45 minutos depois de Israel informar que homens armados haviam cruzado a fronteira.”

Outra conhecida a agência de notícias, a francesa AFP, decidiu reagir, embora não tenha sido citada pelo Honest Reporting.

“O site não mencionou a AFP, mas algumas publicações nas redes sociais na França o fizeram desde então”, explica a France-Presse.

A AFP diz que três fotógrafos baseados em Gaza trabalham em tempo integral para a agência há mais de 20 anos. “Cada um estava claramente identificado como jornalista, no capacete e no colete à prova de balas. As primeiras fotos perto da fronteira de Gaza foram tiradas mais de uma hora após o início do ataque.”

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