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Por que Bernie Sanders ainda sofre resistência de progressistas americanos?

Políticas defendidas pelo socialista são ‘revolucionárias’ e ‘assustam’ tradições liberais norte-americanas, analisa especialista

Bernie Sanders. Foto: AFP
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A corrida para as eleições americanas tem um episódio importante para definir o adversário de Donald Trump: a “Superterça”, que acontece nesta terça-feira 03, é o dia em que 14 estados votam em seu político de preferência do Partido Democrata para dar a ele mais delegados – uma forma de representação que compõe o colégio eleitoral dos EUA e que, consequentemente, define quem vai competir pela presidência.

Com a desistência de Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, pré-candidatos da ala centrista do partido, a principal disputa lança o socialista Bernie Sanders contra Joe Biden, cujo nome parece agradar mais os Democratas por não se afastar do establishment do partido que, por mais que seja oposição à Trump, segue os valores liberais norte-americanos à risca.

Biden foi vice-presidente do governo Obama, enquanto Sanders, senador do estado de Vermont, sempre criticou o partido por sua omissão em relação a políticas públicas, como a saúde e educação superior gratuita e universal, duas propostas que são carros-chefe de sua candidatura e popularidade.

“De fato, Sanders não é um moderado: as políticas que ele propõe são revolucionárias. Isso assusta. Um sistema público e universal de saúde, o perdão da dívida das universidades e a ideia de que o governo precisa criar um ensino federal para todos, na lógica liberal norte-americana, fere a própria concepção de nação deles”, diz Lucas Leite, especialista em Relações Internacionais e professor da FAAP-SP. “Em termos de capital político, é praticamente impossível aprovar esse tipo de coisa, porque o Congresso americano não tem a menor intenção de colocar isso em pauta.”, analisa o professor.

Por outro lado, Leite vê que a candidatura de Biden, que acabou de angariar o apoio de Buttigieg e Klobuchar, representa um “mais do mesmo” que pode agradar o eleitor anti-Trump que, ao mesmo tempo que quer derrotar o atual presidente, não quer dar o voto para um candidato mais radicalizado nos Estados Unidos.

“Biden tem um conhecimento enorme do Congresso americano. Ele não defende nada nem próximo às políticas públicas que o Sanders defende. Isso depende do que a população dos EUA quer: se ela busca Biden porque acredita em uma vitória contra Trump, ou se ela acha que isso não é o suficiente, mas julga a posição do Sanders não tão adequada.”, comenta Leite.

“Quem é a esquerda americana?”

Bernie Sanders é o candidato mais popular entre eleitores negros, segundo pesquisa mais recente realizada pela Reuters/Ipsos. Os latinos, uma parcela da população fortemente atacada por Trump, também estão majoritariamente ao lado do senador. Mas, além das pautas identitárias e de políticas públicas mais amplas, o que importa para a esquerda norte-americana?

“Quem é a esquerda americana? É o Sanders? Vamos colocar como quem é mais ‘progressista’, uma linha mais do próprio Obama, de centro-esquerda, uma esquerda liberal. Nisso, o Sanders estaria dentro de uma esquerda mais radicalizada para os padrões americanos.”, comenta Lucas.

Nesse caso, porém, opções como a senadora Elizabeth Warren, que também possui propostas de saúde e educação superior pública, não angariaram o público tal qual como Sanders. Até o momento, ela está na quarta posição da disputa, perdendo também para o bilionário Mike Bloomberg, que movimenta seu dinheiro para tentar entrar na disputa pela candidatura.

Com a meritocracia e o liberalismo presentes no DNA do binarismo americano, Lucas explica que o Estado, nos EUA, só interferiu mais enfaticamente em crises econômicas de mercado, como a quebra da bolsa em 1929 e, mais recentemente, a crise dos subprimes em 2008. “É identidade, que passa por quem eles são e o que buscam: são uma nação que não depende do Estado”, diz.

“A ‘esquerda americana’ é uma construção, uma aproximação cada vez maior com um suposto socialismo, com uma presença maior do estado, e que tem a ver com com a dignidade humana, e não com romper com o liberalismo. Isso nunca tinha entrado no debate americano.”, explica o professor. “Acho improvável que essa questão seja resolvida esse ano. Vejo como uma questão de tendência, de uma radicalização cada vez maior, e vão surgir outras visões que vão tentar se contrapor.”, diz Lucas.

Independente do candidato vencedor da Superterça e, depois, da candidatura oficial democrata, encarar Donald Trump pode requerer a habilidade de ir contra uma estratégia consolidada de fake news, xingamentos e até mesmo ausência em debates, aposta o professor.

“A extrema-direita geralmente vai sempre pelo mesmo caminho de tentar desconstruir a imagem do outro, usar de questões étnicas-raciais a partir da xenofobia, ter um uso enorme de fake news. De Trump, não se espera nada mais. Inclusive, é provável que ele não participe do debate. Ele pode dizer que a mídia é comprada, que não vai se submeter a isso e que, por isso, vai fazer uma live ou coisa do tipo. Essa tática populista funciona muito bem.”, analisa Lucas.

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