Mundo

Por dentro do universo dos hackers

O livro “Nós somos Anônimos: Por Dentro do Mundo Hacker de Lulzsec, Anonymous e a Ciberinsurgência Global”, de Parmy Olson, desvenda quem são esses grupos

Apoie Siga-nos no

Por Carole Cadwalladr

Talvez seja um pouco difícil lembrar atualmente, mas em 2010 parecia haver uma nova superpotência global. Uma superpotência que agia de maneira heterodoxa, era inexplicável e, no entanto, do povo. E que, sobretudo, não tinha nome ou rosto. Era, como o próprio grupo se chamava, Anônimo.

Nascido da internet, o grupo atuava de forma mais decisiva e eficaz quando a própria internet era ameaçada. Uma de suas primeiras e mais bem-sucedidas operações ocorreu poucos dias após o Wikileaks publicar os telegramas diplomáticos e ver sua fonte de verbas cortada quando PayPal, Visa e Mastercard se recusaram a aceitar doações em nome do site de vazamentos.

Parmy Olson, repórter da revista Forbes e autora de We Are Anonymous (Little Brown & Com-Usa, 528 págs., R$ 38,60), descreve o que aconteceu a seguir. Até aquele ponto, Anonymous era uma “marca de usuários da internet conhecidos por perturbar donos de restaurantes, perseguir pedófilos e protestar contra a igreja da Cientologia”, mas os ataques ao Wikileaks o tornaram político.

Centenas de pessoas encheram suas salas de bate-papo e seus operadores as orientavam a baixar um software que poderiam usar para praticar “DDoS” (denial-of-service attack, ou “ataque de negação de serviço”) contra o site do PayPal. O objetivo era efetivamente inundá-lo de tráfego e torná-lo inútil, ou, como eles colocaram: “entrar na maldita colmeia”.

Para quem busca uma visão do que realmente estava acontecendo, quem era o cérebro por trás dos ataques e como a “colmeia” funcionava, o livro de Olson é uma leitura realmente maravilhosa. De uma massa de detalhes confusos, ela criou uma narrativa clara e coesa que segue as origens do Anonymous até o site 4Chan e narra minuciosamente a cronologia de sua evolução. Não que a confusão se dissipe. Como ela mesma indica, “a mídia, a polícia e até os hackers tinham seus próprios conceitos do que realmente era: uma ideia, um movimento, uma organização criminosa e outras coisas”.

Mas é com o surgimento de uma facção secundária, LulzSec, que o livro realmente ganha vida. Um pequeno grupo de talentosos hackers e ativistas, os membros do LulzSec foram durante algum tempo os mais procurados ciber criminosos do planeta. Eles invadiram a CIA e a Soca, a Agência contra o Crime Organizado Grave do Reino Unido. Depois que a PBS transmitiu um programa que consideraram crítico ao Wikileaks, eles invadiram seu servidor e postaram uma história em seu site alegando que Tupac Shakur tinha sido encontrado vivo e com saúde “na Nova Zelândia”. Eles derrubaram a primeira página do jornal The Sun e a substituíram por outra, que afirmava que Rupert Murdoch tinha morrido “em seu famoso jardim de topiárias”.

E Olson está em um lugar privilegiado. Enquanto o mundo ainda estava surpreso com as façanhas do LulzSec e a polícia e os serviços de segurança de pelo menos dois continentes tentavam encontrá-los, ela ficou amiga de um dos principais membros do grupo, Topiary. O autor da reportagem do Sun era um adolescente que vivia longe dos centros de poder que ajudava a atacar: as ilhas Shetland, ao norte da Escócia.

Olson fica lá, vendo a saga se desenrolar, falando com outros membros do grupo, incluindo Sabu, o líder, enquanto escolhem seus próximos alvos e se divertem na “lulz”, a mera alegria anárquica de pôr de joelhos corporações globais como a Sony.

Porque o humor, assim como o poder, foi uma chave das operações do LulzSec. Fazia parte da cultura do Anonymous, escreve Olson, inventar “declarações aleatórias e escandalosas” (este foi um problema especial, ela descobriria, quando se tratou de elucidar o que realmente havia acontecido, mas a autora explica em uma de suas muitas e meticulosas notas de rodapé que sempre tentou confirmar qualquer declaração de maneira independente). “Por exemplo, se alguém estava prestes a deixar seu computador por alguns minutos para tomar café, ele ou ela poderia dizer: ‘Brb, FBI na porta’.”

E então o FBI estava na porta. Sabu foi apanhado pelos agentes federais dos EUA, detido por 24 horas, transformado em informante e colocado de volta na posição. Foi apenas uma questão de tempo para que as prisões começassem, incluindo as de Topiary, Ryan Cleary, um adolescente autista de Essex, Ryan Ackroyd, um ex-soldado de 26 anos de Doncaster que dizia ser uma garota de 16 anos, e T-flow, ou Mustafa Al-Bassam, do sul de Londres, que realmente tinha 16 na época e cujo currículo de hacker incluía um script que ajudou os revolucionários tunisianos a superar o bloqueio de seu governo à internet.

É uma história fascinante. E se há um elemento de sorte no fato de Olson ter conseguido acesso privilegiado é o tipo de sorte que você tem de trabalhar muito para conquistar. Porque esta pode ser uma história sobre o alcance e o poder da nova tecnologia, mas é apoiada por uma reportagem investigativa à moda antiga. A pesquisa de Olson é realmente impressionante.

E, por isso, é uma pena que não haja mais sobre ela no livro. Quando a entrevistei para um artigo que escrevi sobre o Anonymous no ano passado, Olson contou que voou para Shetland para conhecer Topiary, enquanto o mundo ainda não tinha pistas de sua identidade. É uma história de detetive tão emocionante que ela poderia contar mais sobre o processo investigativo em si — embora se deva creditar a Olson que sua modéstia e senso de decoro jornalístico a impediram.

Na verdade, o livro tem apenas um defeito substancial, que claramente não é falha de Olson: ele está desatualizado. Eu li primeiro a edição americana quando foi publicada no ano passado, mas devido a questões jurídicas em torno dos julgamentos, a editora no Reino Unido, William Heinemann, adiou sua publicação por um ano. Surpreendentemente, porém, deu a Olson como prazo máximo fevereiro, o que significa que não há atualizações sobre os julgamentos na Grã-Bretanha ou as sentenças, não há muito sobre a enorme disparidade entre as penas dos principais atores nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Irlanda e absolutamente nada sobre a importância do vazamento de Snowden e a ANS.

Aqui está a principal conclusão: se você quer ser um hacker, dê o fora dos EUA. Jake Davis, conhecido como Topiary, já cumpriu sua pena e está livre, enquanto Barrett Brown, que se confessou culpado de invadir a Stratfor, uma agência privada de inteligência que trabalha para o governo americano, enfrenta potencialmente uma pena de cem anos. Mas a batalha da internet contra a nação-estado está apenas começando.

Leia mais em www.theguardian.co.uk

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo