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Polícia da Colômbia cometeu abusos gravíssimos e deve ser reformada, diz Human Rights Watch

Relatório de organização americana registra mortes por armas de fogo, espancamentos, estupros e detenções arbitrárias contra manifestantes

Policiais colombianos abordam manifestante em Cali, na Colômbia, em 4 de junho. Foto: Luis Robayo/AFP
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Policiais da Colômbia cometeram abusos “gravíssimos” contra manifestantes nos protestos iniciados em abril deste ano, declarou a organização americana Human Rights Watch em relatório divulgado nesta quarta-feira 9. A entidade cobra a adoção de uma “ampla reforma policial” pelo governo de Iván Duque para garantir o respeito dos oficiais ao “direito de reunião pacífica” e o questionamento dos responsáveis pelos abusos na Justiça.

As mobilizações no país sulamericano, que ainda seguem nesta semana, começaram em 28 de abril por causa da reforma tributária do governo, apresentada ao Congresso em 15 de abril. A medida é impopular pelo aumento de impostos. Em 2 de maio, o presidente da República retirou a proposta e convocou a elaboração de um novo texto, “fruto do consenso”. As negociações foram iniciadas, mas interrompidas na segunda-feira 7 pelo comitê que representa os manifestantes, que afirma que o governo não atende às suas demandas.

Em torno dessa disputa, violentos conflitos ocorreram com a participação de agentes do Estado. A HRW diz que recebeu 68 relatos de mortes ocorridas desde o início dos protestos e confirmou 34 óbitos nesse contexto, incluindo 31 manifestantes ou transeuntes, dos quais 20 parecem ter sido mortos pela polícia.

“Em várias ocasiões, a política tem dispersado manifestações pacíficas de forma arbitrária e usando força excessiva, e frequentemente brutal, incluindo o uso de munição letal”, diz o relatório.

Há evidências críveis que indicam que a polícia matou pelo menos 16 manifestantes ou transeuntes com munição letal disparada por armas de fogo, com ferimentos no tórax e na cabeça. Pelo menos uma pessoa foi morta por espancamento, e outras 3 perderam a vida pelo uso excessivo de gás lacrimogêno ou de projéteis de efeito moral. Pessoas armadas vestidas de civis mataram pelo menos 8 manifestantes.

Colombianos protestam contra autoritarismo do governo de Iván Duque. Foto: Luis Robayo/AFP

A HRW diz que o número real de manifestantes e transeuntes feridos provavelmente seja maior do que os 1,1 mil relatados pelo Ministério da Defesa. A organização documentou 9 casos de lesões graves nos olhos, dos quais 7 tratam de provável perda permanente de visão em um olho.

A entidade afirma que documentou 17 espancamentos, frequentemente realizados com o uso de cassetetes e 2 casos de violência sexual por policiais contra manifestantes, sendo que a Ouvidoria recebeu denúncias de 2 casos de estupro, 14 casos de agressão sexual e 71 casos de violência de gênero por policiais, como agressões e abuso verbal.

Além disso, um total de 419 pessoas foram dadas como desaparecidas; desse número, 290 foram localizados pela Procuradoria-Geral, em 24 de maio. Em determinados casos, aqueles que denunciaram os desaparecimentos não sabiam que as pessoas haviam sido detidas.

A pesquisa é resultado de entrevistas com mais de 150 pessoas, a maioria por telefone, incluindo vítimas, familiares, advogados, testemunhas, promotores, autoridades judiciais, funcionários da Ouvidoria de Direitos Humanos (Defensoría del Pueblo) e defensores dos direitos humanos, em 25 cidades colombianas. Também houve reuniões da HRW com a vice-presidente da Colômbia, Marta Lucía Ramírez, que também é ministra das Relações Exteriores; com a chefia da polícia; com a Procuradoria-Geral; e com o comando do Sistema de Justiça Militar.

‘Algumas propostas do governo parecem superficiais’

A HRW afirma que algumas propostas do governo “parecem superficiais”, no que diz respeito a mudanças na polícia anunciadas por Iván Duque em 6 de junho. Segundo a organização, certas iniciativas podem ter impacto positivo se adotadas adequadamente, como a reforma do sistema disciplinar da polícia, mas são insuficientes.

Segundo a entidade, o sistema disciplinar da polícia não puniu  responsáveis por abusos durante protestos realizados em 2019 e 2020. Investigações criminais do Ministério Público também não avançaram significativamente.

“No geral, as mudanças anunciadas ficam aquém das reformas necessárias para prevenir as violações dos direitos humanos e assegurar a punição dos responsáveis”, comenta o relatório.

O presidente da Colômbia, Iván Duque. Foto: Reprodução/ONU

Alguns manifestantes se envolveram com violência

Embora a maioria das manifestações tenham sido pacíficas, diz a HRW, algumas pessoas se envolveram em graves atos de violência, como ataques a policiais e delegacias com pedras e coquetéis molotov, além de saques e incêndio a propriedades públicas e privadas.

Segundo a organização, mais de 1,2 mil policiais foram feridos até 3 de junho, 192 em estado grave. Em 29 de abril, “várias pessoas espancaram e abusaram sexualmente de uma policial feminina enquanto atacavam uma delegacia de polícia em Cali”.

Houve, também, bloqueios de estradas por longos períodos, o que limitou ou impediu a distribuição de alimentos ou a circulação de ambulâncias, especialmente nos estados de Valle del Cauca e Cundinamarca. As restrições chegaram a prejudicar o acesso a oxigêncio por pacientes com Covid-19, segundo o Ministério da Saúde da Colômbia, o que resultou na morte de uma menina recém-nascia em 23 de maio.

A violência contra os policiais e os bloqueios das estradas são “injustificáveis”, disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão Américas da HRW. Porém, não são desculpas para a brutalidade policial, disse ele.

“As violações de direitos humanos cometidas pela polícia na Colômbia não são incidentes isolados cometidos por policiais indisciplinados, mas sim o resultado de falhas estruturais”, observa ele, no relatório. “É necessária uma ampla reforma que separe claramente a polícia das forças armadas e garanta supervisão e responsabilização adequadas para garantir que essas violações não ocorram novamente.”

Comissão da OEA investigará abusos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, afirmou, na segunda-feira 6, que investigará 584 supostos casos de violação de direitos humanos durante os protestos.

O órgão recebeu um relatório da Defensoria do Povo, que detectou 417 queixas até 3 de junho. Dessas denúncias, 73% apontam responsabilidade por forças públicas, das quais 98% estão relacionadas à Polícia Nacional.

A Defensoria também registrou ataques a 233 jornalistas, com responsabilidade de agentes estatais em 53% dos casos.

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