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Perú Libre acusa Pedro Castillo de ‘giro à direita’ e diz que não apoiará novos ministros

O partido, que se diz marxista-mariateguista, afirmou que irá recompor a sua bancada no Congresso

Pedro Castillo cumprimenta Mirtha Vasquez, substituta de Guido Bellido na liderança ministerial. Foto: Presidencia del Perú/AFP
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O presidente do partido peruano Perú Libre, Vladimir Cerrón, anunciou que não chancelará a nova equipe do presidente Pedro Castillo, em comunicado divulgado nesta quinta-feira 14. A legenda, que se diz seguidora do filósofo Karl Marx e do militante comunista José Carlos Mariátegui, acusa Castillo de dar um “inocultável giro político para o centro-direitismo”, após o governo informar a renúncia de sete dos 19 ministros, entre eles, o chefe do gabinete ministerial Guido Bellido, que representava a sigla no Executivo.

 

Em nota, o Perú Libre declarou que a decisão foi tomada em uma assembleia na quarta-feira 13. O partido disse que não dará ao novo gabinete o “voto de confiança”, dispositivo constitucional do país em que o Parlamento decide ou não chancelar o corpo ministerial do governo.

“Existe um inocultável giro político do governo e seu gabinete para o centro-direitismo, onde aumentaram os representantes ‘caviares’, que usufruem do financiamento exterior, de patrões e empresários e do próprio Estado”, diz a nota do Perú Libre. “Integram essa composição partidos sem registro, sustentados por ONGs norte-americanas, que têm governado com os quatro últimos governos e agora com o atual.”

Segundo o documento, a bancada do Perú Libre no Parlamento deverá passar por uma recomposição que demandará algumas expulsões.

Alguns atos de Castillo podem explicar o descontentamento do Perú Libre. Durante a corrida presidencial, Castillo havia protocolado na Justiça Eleitoral o projeto político do partido, em vez de um plano claro do que seria o seu governo. Ao longo da campanha, ele chegou a apresentar um projeto para os primeiros cem dias da sua gestão, mas o texto continha mais princípios do que propostas específicas, além de não considerar metas a longo prazo.

Empossado no fim de julho, Castillo deu alguns acenos para a iniciativa privada. Primeiro, em agosto, reconduziu ao cargo o presidente do Banco Central, Julio Velarde, que está no posto há 15 anos e passou por governos neoliberais, desde Alan García (2006-2011), presidente conhecido como “camaleônico” por ter passado da esquerda para a direita. A manutenção de Velarde no Banco Central é vista como uma tentativa de diálogo entre Castillo e o mercado financeiro.

Castillo também tem evitado ameaçar o empresariado de nacionalizar ou estatizar alguns setores estratégicos do país. O presidente disse ter “compromisso com a iniciativa privada” – a declaração tinha o objetivo de reverter declarações de Guido Bellido, seu então chefe de gabinete ministerial, que havia afirmado em público que poderia nacionalizar uma jazida de gás na região de Cuzco. No início de outubro, Castillo chegou a dizer que, depois de uma viagem aos Estados Unidos, pôde conhecer melhor como uma empresa privada funciona.

“Temos uma concepção mais clara do que é a empresa privada depois de irmos para o exterior e vermos muitos compromissos por parte da empresa privada e muitos empresários dos quais tomamos as palavras de que virão ao Peru para investir”, disse o presidente.

Em rede nacional, na semana passada, Castillo ratificou que tem “compromisso com a iniciativa privada”.

A referência do Perú Libre feita a ONGs estrangeiras que sustentam parte do atual do governo tem como principal exemplo o caso de Mirtha Vásquez, a substituta de Guido Bellido na chefia ministerial. A nova primeira-ministra já trabalhou como advogada da Asociación Pró Derechos Humanos, a APRODEH, criada em 1983 e que tem como uma de suas aliadas a organização francesa Federação Internacional de Direitos Humanos, financiada pelas entidades Open Society Foundations (Estados Unidos) e Oak Foundations (Suíça), entre muitas outras.

Vale observar que Castillo não é um militante orgânico do Perú Libre, mas sim, havia sido convidado por Vladimir Cerrón para concorrer às eleições presidenciais. O presidente, que era professor, também manifestava vontade de criar um partido com profissionais do magistério, a partir dos sindicatos. Uma ala da legenda, minoritária, compartilha desse anseio – por isso, a nota do Perú Libre cita que parte da sua bancada no Parlamento, ligada ao magistério, “têm um projeto de partido próprio” e sugere que essa fração pode ser expulsa.

Raul Nunes, sociólogo e membro do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina, considera que a situação de Castillo está “ambígua”. Por um lado, Castillo pode contar com menos votos dos seus partidários para interromper, por exemplo, um pedido “moção de vacância”, que representa na prática um pedido de impeachment, já mobilizado pela oposição de extrema-direita. Por outro, o pesquisador observa possibilidade de criar uma ponte de diálogo com o Congresso, já que a sua aliança com o Perú Libre nunca foi bem aceita por setores empresariais, pela imprensa e parcela da opinião pública.

“O Perú Libre é considerado, pela imprensa, pela direita e pela centro-direita como um grande adversário. O Vladimir Cerrón é visto como radical, incompetente e corrupto. Então, essa aliança do Pedro Castillo com o Perú Libre tem esse problema de aceitação dentro do Congresso”, observa Nunes. “Esse rompimento pode ser uma forma de o Castillo dialogar melhor com o Congresso também.”

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