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Peru decreta toque de recolher em Puno, epicentro dos protestos contra o governo

Milhares pedem a renúncia de Boluarte, a realização de novas eleições e a convocação de uma Assembleia Constituinte

Marcha no Peru reúne milhares contra o atual governo. Foto: Juan Carlos Cisneros/AFP
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O Peru impôs um toque de recolher nesta terça-feira 10 na região de Puno, no sul do país, para frear os protestos contra a presidente Dina Boluarte, que deixaram 40 mortos em um mês, enquanto o novo gabinete vai ao Congresso pedir um voto de confiança.

“Foi aprovado no Conselho de Ministros um decreto supremo que declara imobilização social em Puno pelo prazo de três dias, das 20h às 04h da manhã”, anunciou o chefe de gabinete, Alberto Otárola, perante o Congresso.

O epicentro dos protestos é a região aimara de Puno (sul), na fronteira com a Bolívia, onde houve saques a comércios locais e ataques a veículos da polícia que deixaram 18 mortos entre a noite de segunda e a madrugada de terça.

As mortes aumentaram a indignação nas cidades de Puno e Juliaca, a 1.300 km de Lima, onde os moradores fazem uma greve há uma semana e mantêm o comércio fechado.

A Superintendência de Transporte Terrestre de Pessoas, Cargas e Mercadorias registrou 53 trechos de rodovias com o tráfego interrompido por piquetes em seis regiões: Puno, Cusco, Apurímac, Arequipa, Madre de Dios e Amazonas.

Na região sul-andina de Ayacucho, milhares foram às ruas na cidade de Huamanga pedir a renúncia de Boluarte, a realização de novas eleições e a convocação de uma Assembleia Constituinte, as principais reivindicações dos manifestantes.

Na segunda-feira, a repressão violenta das forças de ordem deixou 14 mortos durante tentativa de ocupação do aeroporto de Juliaca pelos manifestantes. Além disso, três pessoas faleceram no saque a um shopping center, segundo a Defensoria do Povo, que acrescentou que um policial também morreu queimado dentro de sua viatura.

“Quem vai nos defender? Quem vai ver estas crianças que estão traumatizadas, que estão ficando sem pai, sem mãe, órfãos?”, disse uma manifestante à AFP.

O governo peruano alegou que a ação contundente da polícia e dos militares que guardam o terminal aéreo ocorreu em resposta a um tumulto orquestrado por milhares de manifestantes.

“Hoje, mais de 9.000 pessoas se aproximaram do aeroporto de Juliaca e aproximadamente 2.000 iniciaram um ataque contra a polícia e as instalações, usando armas improvisadas e com dupla carga de pólvora, gerando uma situação extrema”, disse Otárola à imprensa na noite de segunda.

‘Situação de guerra’

A Igreja Católica, religião da maioria dos peruanos, qualificou como “situação de guerra” o que está acontecendo no sul do país.

“A verdade é que estamos nas mãos da barbárie […] O confronto entre irmãos e irmãs é muito mais doloroso porque fazemos parte de uma única sociedade, uma família peruana”, disse à rádio RPP o cardeal e arcebispo de Huancayo, Pedro Barreto.

O governo regional de Puno, por sua vez, decretou três dias de luto nesta terça pelas mortes registradas nas últimas horas e pediu a renúncia da presidente.

“Meu irmão morreu porque atiraram nele, os policiais o mataram”, disse à rádio La Decana de Juliaca um familiar de Roger Rolando Cayo, de 22 anos.

“Na verdade, a violência está chegando a níveis insuspeitos. A Defensoria destaca que esta crise e este conflito político não vão ser resolvidos com a participação das forças armadas ou da polícia”, declarou à AFP a Defensora do Povo, Eliana Revollar.

Nesse contexto, o Peru receberá nesta quarta uma nova missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que vai indagar sobre as manifestações e a resposta policial.

Segundo o governo, o ex-presidente boliviano Evo Morales está ligado aos protestos e, por este motivo, sua entrada no país foi proibida até segunda ordem.

Morales, que presidiu a Bolívia entre 2006 e 2019, tem tido presença ativa na política peruana desde que o ex-presidente Pedro Castillo chegou ao poder, em julho de 2021, até sua destituição, em 7 de dezembro, após um autogolpe frustrado. Em novembro, Morales visitou Puno.

Nesta terça, ele pediu ao governo peruano que pare com a violência.

“Em nome do sagrado direito à vida, dos direitos dos povos indígenas reconhecidos pela ONU e organismos internacionais, em nome da paz e da justiça social, exigimos que parem com o massacre dos nossos irmãos no Peru”, afirmou no Twitter, alertando que “a violência destrói a convivência”.

Voto de confiança

Em meio aos protestos em várias regiões do país, o chefe de gabinete se apresenta nesta terça com seus ministros perante ao Congresso para pedir o voto de confiança de investidura, um requisito constitucional para continuar no cargo.

Alberto Otárola deverá expor ao plenário do Congresso, controlado pela direita, a política geral do governo e as principais medidas que sua gestão requer. Ele é o segundo chefe de gabinete da presidente Boluarte e assumiu o cargo em 21 de dezembro.

Dina Boluarte foi vice-presidente até 7 de dezembro, quando o Congresso destituiu Castillo após tentar fechar o Parlamento, intervir no Judiciário e governar por decreto.

O ex-presidente, que era investigado por corrupção, cumpre prisão preventiva de 18 meses, determinada por um juiz, acusado de rebelião.

Embora se considere de esquerda, Boluarte é tachada como “traidora” pelas comunidades e pelos militantes pró-Castillo. Em contrapartida, os setores da direita, que antes promoviam sua queda, agora a apoiam.

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